quarta-feira, 29 de maio de 2013

Europa necessita um bom plano coletivo para a estabilidade social


Europa necessita um bom plano coletivo para a estabilidade social

Para o economista norte-americano James Galbraith, da Universidade do Texas, a União Europeia não poderá sair do buraco a menos que conceba um novo plano social financiado por orçamento europeu, como já fez Roosevelt em 1933. Situado à esquerda o Partido Democrata, ele é filho do célebre economista John Kenneth Galbraith.

James Galbraith é um economista estadunidense situado à esquerda do Partido Democrata. Além de professor na universidade de Austin, Texas, é especialista em questões de ilegalidade. É uma personalidade muito próxima ao Instituto Roosevelt, cofundado pelo seu pai, o célebre economista John Kenneth Galbraith, continuando assim a estirpe. Segundo acredita, a União Europeia não poderá sair do buraco a menos que conceba um novo plano social financiado por orçamento europeu, como já fez Roosevelt em 1933. 

A economia estadunidense se reativou, a da zona euro continua estancada. O que os Estados Unidos fizeram que a Europa deveria fazer?
James Gabraith
 – A resposta não é difícil: dispomos de um grande governo federal a escala continental, algo inexistente na Europa.
Existem alguns problemas sociais nos Estados Unidos em relação às medidas de austeridade que chamamos "sequestro" e às muitas pessoas que perderam seus empregos nos últimos anos. Mas o sistema não está em queda livre: não é um Estado em declive incontrolado.
Aproveitamos o efeito estabilizador de importantes déficits orçamentários em nível federal. Não tentamos reduzi-los de maneira abrupta, diferente do que acontece na Europa. Isso não é impossível em um período de estancamento, pois ao cortar os gastos públicos, o crescimento se vê afetado e os ingressos fiscais baixam… resulta que o déficit continua sendo o mesmo.
Impressiona bastante constatar, quando se revisa as cifras do ano de 2009, como o retrocesso da demanda privada se viu compensado, automaticamente, pelo aumento de desembolsos para financiar as pensões por aposentadoria ou invalidez, subsídios aos desempregados ou para a redução de impostos.

Segundo sua opinião, o sistema econômico estadunidense seria mais keynesiano que o sistema europeu no qual, entretanto, existem grandes sistemas sociais?
Com respeito ao plano institucional sim, acho que sim. Especialmente se nos atemos aos países periféricos da Europa, cujos sistemas são fracos. O problema da Europa é que se dispõe destes mecanismos estabilizadores na Alemanha ou na França, mas não na Grécia, Espanha, Portugal ou Irlanda. E são estes países que conheceram o abismo.

O que teria feito falta? Um plano de reativação em escala europeia?
Não gosto do conceito "plano de reativação", me parece que não se adapta bem à situação atual. O que necessitam é um plano de estabilização. Um bom plano coletivo para a estabilidade social. A primeira coisa que eu faria seria prover de subvenções os desempregados, financiadas por orçamento europeu comum. Depois disso, proporcionaria aposentadorias com um adicional, financiadas igualmente por orçamento europeu, e destinadas àqueles que o necessitem. Distribuiria bônus alimentícios, por exemplo, nas escolas daqueles países nos quais não há refeitórios, como é o caso da Grécia. As pessoas começam a passar fome: têm que se ocuparem desses casos. Isso ajudará a estabilizar a situação e o plano econômico e político.
A ideia de um simples "plano de reativação", segundo o qual basta uma injeção econômica para recuperar, de maneira espontânea, a prosperidade do pleno emprego é uma estafa. Não é assim que devem raciocinar os economistas keynesianos, como tampouco é este o modo com o qual os economistas modernos poderão afrontar eficazmente este tipo de situações.

Não obstante, financiar um vasto sistema social é, igualmente, uma espécie de plano de reativação.
O problema da expressão "plano de reativação" é que ela implica uma iniciativa de caráter temporal. Não se pode criar uma nova realidade mediante um simples estímulo. O que faz falta é uma organização social permanente. Em última instância, as subvenções dos desempregados podem ser temporais, se conseguirem reativar o emprego. Mas não é esse o caso das aposentadorias: preparem-se para racionar pensões por um longo período de tempo… O objetivo do plano de estabilização é o de procurar que as pessoas sem recursos econômicos tenham capacidade de viver de um modo digno e durante muito tempo, não somente alguns meses.

Como se financia um plano de estabilização como esse?
Enviando cheques.

Perdão?
Vocês tem uma moeda única, o euro. Podem enviar cheques em euros. É o que nós fizemos: enviar cheques em dólares. A administração social enviou cheques do Tesouro Público, as pessoas os trocaram, sem problema.

Está falando de criação monetária…
Pois sim. Surpreende-lhe que os governos criem dinheiro? É algo que se faz há séculos. Foi inventado na Mesopotâmia! É um bom momento de reaprendê-lo.

Você sabe de boa fonte que os governos, hoje em dia, desconfiam da criação monetária, já que comporta risco de inflação. Pelo menos, essa é a convicção dos dirigentes europeus, começando pelos alemães, que detestam a ideia.
Não posso fazer nada se não gostam da ideia. É como se não aceitassem a ideia de que a água está composta de hidrogênio e oxigênio. Se não admitem essa verdade, terão que aceitar a proposição de Hans-Olaf Henkel (economista alemão, antigo presidente da Associação de Indústrias Alemãs, N. da R.), que sugere uma saída do euro.
Se os alemães não querem participar em uma economia europeia que funciona de maneira regular, podem abandoná-la. É muito necessário tomar consciência de que vocês não podem estar dirigidos por gente que têm uma visão completamente irreal, como funcionam esses economistas modernos, sem que conduza a uma catástrofe. Isso é o que está acontecendo agora na Europa. Não digo que nos Estados Unidos não raciocinemos da mesma forma, mas, pelo menos, não foram destruídas nossas instituições.

Numerosos economistas, tanto nos Estados Unidos como na Europa, consideram que a criação monetária, embora seja extremamente importante, só pode conduzir a uma inflação onde as bolhas especulativas…
Existe, efetivamente, um grupo de pessoas convencidas de que o principal perigo atual é o de perder o controle da inflação. Mas, daqueles que estão em contato com o mundo real, nenhum que eu conheça os leva a sério. Sabem que o problema é o desemprego, a decadência social e política que está ocorrendo… Isso se chama deflação, não inflação! É um pouco como se, no meio de um incêndio, alguém chegasse dizendo que o principal problema é o risco de chuva. Estas pessoas têm direito de expressar-se, evidentemente, mas entregar a gestão da política econômica a eles não é uma boa ideia.

Na França os meios de comunicação comparam a situação atual com a dos anos 30. Tem sentido?
Não há nenhuma semelhança entre ambos os períodos, mas temos que lembrar que somos mais ricos que nos anos 30, que dispomos de instituições que protegem os cidadãos e que o risco de uma guerra europeia não está presente. O que sim é comparável é que as situações desesperadas que se observam em certos países europeus trouxeram pressões separatistas, violência, xenofobia, votos de protesto que a extrema direita aproveita, etc. Ao procurar histórias paralelas, vocês podem lembrar o que aconteceu na Iugoslávia nos anos 90. A situação, em certas zonas da Europa, pode se degenerar muito rapidamente.

Mas… a guerra na Iugoslávia se inscrevia em um contexto muito particular. Era uma situação de guerra…
Sim, mas este tipo de guerra começa uma vez que a violência se organiza e é dirigida contra certas comunidades em concreto. Isso é o que aconteceu na Bósnia e é o que acontece hoje em alguns bairros da Grécia, onde está emergindo um partido nazista.

Quais lições podemos extrair da forma em que a crise foi superada nos anos 30?
A lição de que devem combater a crise pela solidariedade, a democracia, a flexibilidade e o pragmatismo, não por ideologias ou dogmas. E, sobretudo, sem aceitar que os credores financeiros tenham os mecanismos econômicos sob controle. Seu único objetivo é tomar posse de ativos públicos para pagar uma dívida que não pode ser reembolsada de nenhuma das maneiras. Esta política destrói o tecido europeu e desprovê os cidadãos de seus bens mais preciosos. Isto é o que acontece concretamente: várias equipes foram enviadas a Atenas para pedir que se venda como ativos valiosos aquilo que ainda resta no estado grego. Não é isso o que reforçará a União Europeia…

Escutando-o, a Europa deveria se inspirar no New Deal de Roosevelt…
Não gosto muito de propor "modelos", são situações diferentes. Mas há princípios nos quais inspirar-se. A solidariedade social é um deles. Vocês devem enviar transferências aos mais vulneráveis, isso permitiria estabilizar sua situação. Se não, passarão realmente mal e, se forem espertos, irão embora, minando as fundações sociais de seus países.
A Europa não pode permitir que nenhum de seus países afunde. É algo diferente ao que acontece aqui nos Estados Unidos: Se Dakota do Norte perde uma grande parte de sua população após uma crise é grave, mas o governo federal não se compromete a garantir o número de população de cada Estado. Se essa população que se muda é pertencente a um país membro da União Europeia como Portugal, Irlanda ou Grécia, seria algo muito mais problemático: a União não pode permitir isso.

Acha que os trabalhadores desses países podem emigrar para os mais prósperos da União Europeia, como a Alemanha?
A história da Europa nos diz que tais movimentos são possíveis. Havia mais de um milhão de espanhóis fora de suas fronteiras antes da morte de Franco. E a segunda capital portuguesa é Paris (terceira, na verdade, depois de Lisboa e Porto, N. da R.). Mas os profissionais dos países em crise não vão unicamente à Europa, mas também saem para Austrália, Estados Unidos, América Latina,… E esses países perdem seus médicos, seus professores, seus engenheiros. É isso que debilita ainda mais a sua situação.

Referindo-nos à dívida desses países, não acha que se deveria conceber um plano mais audaz de reestruturação, inclusive de cortes?
O melhor seria reestruturar a dívida do conjunto dos países da zona euro, permitindo a não estigmatização dos países mais frágeis. E a melhor maneira de consegui-lo seria mutualizar uma parte da dívida dos países, por exemplo, até um valor de 60% do PIB, como já se propôs. Assim, cada país desfrutaria de taxas de juros moderadas. Se a União Europeia leva a sério a questão de sua própria sobrevivência, seria esta uma medida com a qual comprometer-se. Recentemente perguntei sobre isso ao seu ministro de Economia e Finanças, Pierre Moscovici, e sua resposta foi interessante. Não se mostrou hostil à ideia, mas acha que levará um bom tempo.

Sem essas medidas radicais que enuncia, o euro poderia sobreviver?
Não. Na medida em que avançamos, vai se condenando, ainda que o processo possa estender-se. Sem uma mudança fundamental de aproximação, o euro conhecerá o final de sua existência em circunstâncias dramáticas. Faz falta tirar da Europa essa lógica puramente comercial, com a qual chegamos a emprestar fundos com juros superiores ao crescimento dos países vulneráveis: esta lógica não faz mais que agravar essa dívida. Faz falta introduzir outro raciocínio, no qual as mudanças comerciais sejam moderadas por um programa de estabilização social de solidariedade.

Quem é o responsável pela situação atual?
Friedrich Von Hayek e a Sociedade Mont Pelerin: os arquitetos desta visão neoclássica da economia que rege a zona euro hoje em dia! E todos os economistas ou tecnocratas europeus – sejam alemães, como Jens Wiedmann ou franceses como Jean-Claude Trichet – que adotaram essas ideias.


Tradução: Liborio Júnior


Fotos: Centro Celso Furtado 

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