Os exércitos no poder são em geral altamente nacionalistas e autoritários. Tendem a ser forças muito conservadoras em termos da economia-mundo.
Immanuel Wallerstein
Immanuel Wallerstein
Assim, quando o povo começou a afluir à Praça Tahrir a exigir a mudança, nem o Exército nem a Irmandade Muçulmana deram muito apoio. Contudo, quando o levante popular pareceu estar a descolar, tanto o Exército quanto a Irmandade Muçulmana decidiu apressadamente aderir a ele, de forma a domesticá-lo apropriando-se dele. E quando a segunda volta das primeiras eleições presidenciais reduziram a escolha a Morsi e à ex-principal figura do regime Mubarak, tanto a esquerda laica quanto os eleitores do centro e o Exército escolheram Morsi, permitindo que este ganhasse por uma pequena margem.
Quando Morsi decidiu avançar para uma nova Constituição com uma inclinação decididamente muçulmana, os eleitores laicos voltaram à Praça Tahrir para denunciá-lo. O Exército apoiou-os de novo para controlar a situação. E os eleitores laicos aplaudiram então o mesmo Exército que tinham denunciado dois anos antes.
A situação política é muito clara. Tanto a Irmandade Muçulmana quanto a direita egípcia (as forças que há muito apoiavam Mubarak) influenciam eleitores suficientes de forma a que qualquer eleição razoavelmente honesta vai permitir que um ou outro vençam. As forças laicas – os múltiplos partidos socialistas e os centristas de classe média cuja figura principal, de momento, é Mohamed el-Baradei – são muito poucos em número. No final, têm de juntar forças uns com os outros, porque não querem nem a direita nem a Irmandade Muçulmana. E os salafistas egípcios entraram na coligação anti-Morsi, esperando dessa forma fortalecer-se entre os ativistas muçulmanos.
No resto do mundo, os que apoiam com entusiasmo as ações do Exército formam um estranho grupo: Israel, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, a Rússia, a Argélia e Marrocos, e provavelmente Bashar al-Assad. Os descontentes são o Hamas, o Ennahda na Tunísia, a Turquia e o Qatar. Quanto aos Estados Unidos (tal como a Europa ocidental), perdem com quem quer que ganhe e tornaram-se irrelevantes.
Para Israel, Morsi representava uma ameaça, enquanto o Exército egípcio irá preservar uma distensão relativa. Para a Arábia Saudita, a irmandade representava os seus maiores rivais no mundo árabe. Para al-Assad, a Irmandade era um grande apoio ao Exército Sírio Livre. Tanto Argélia quanto Marrocos têm um enorme trabalho para conter as forças islamitas, e a queda de Morsi merece portanto o seu aplauso. Para a Rússia, a queda de Morsi provavelmente garante que não haja grandes inflexões na geopolítica da região, que é o que Moscovo quer.
Para a Turquia (assim como para o Ennahda na Tunísia), a queda de Morsi enfraquece a defesa de um governo islâmico “moderado”. Para o Qatar, a queda de Morsi enfraquece a sua luta contra a Arábia Saudita.
O governo dos EUA quer acima de tudo estabilidade na região. Estava pronto para trabalhar com Morsi, se fosse necessário. Há muito que tem os laços mais próximos possíveis com o Exército egípcio. Tentou oscilar entre os dois, melindrando ambos, assim como os neocons e os defensores dos direitos humanos nos Estados Unidos.
O único suposto fator de influência dos EUA no Egito – a sua ajuda financeira, da qual 80% vai para o Exército – não pode ser usada. Por um motivo, a Arábia Saudita e os Emirados já enviaram mais dinheiro que os Estados Unidos têm dado. E, em segundo lugar, o governo dos EUA precisa do Exército egípcio mais do que este da Casa Branca. O Exército egípcio gosta de comprar o seu equipamento dos Estados Unidos. Mas se lhe cortarem o acesso, pode encontrar equipamento semelhante noutros lados. O governo dos EUA precisa do Exército egípcio para direitos de sobrevoo, apoio em matéria de informações, garantias de distensão com Israel, e muitas outras coisas, para as quais não há substituto. Assim, Obama está reduzido a fazer gestos simbólicos, sem dentes para mostrar.
A direita egípcia venceu, a esquerda egípcia perdeu (mesmo que ainda não tenha consciência disso), e a Irmandade Muçulmana irá para a clandestinidade, da qual ainda pode regressar, fortalecida.
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