quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Times europeus de futebol mantêm tradição judaica, apesar de não terem laços com a religião

Eles se autointitulam " Yid Army" e "Super Judeus": durante décadas, os torcedores dos clubes de futebol Tottenham Hotspur e Ajax Amsterdam têm mantido uma identidade judaica apesar da falta de ligações com a religião. A crítica da prática está crescendo.

Hendrik Buchheister

Durante o jogo de domingo em seu próprio estádio contra o West Ham United, elas provavelmente serão ouvidas novamente: músicas que a Associação de Futebol Inglesa (FA) gostaria de banir do estádio Tottenham Hotspur. "Exército Yid!", gritam os torcedores na White Hart Lane, no norte de Londres. Eles deixaram claro à FA que não aceitarão que ditem quais músicas podem cantar, com os torcedores berrando "Cantamos o que queremos!" durante um jogo recente contra o Chelsea.
No início de setembro, a FA avisou os torcedores do Tottenham que o uso do termo "Yid", um insulto aos judeus, poderia levar a um processo criminal ou a uma proibição ao estádio, e esta semana a Polícia Metropolitana anunciou que poderia render a prisão de torcedores. Mas, a julgar pelo comportamento dos fãs durante o jogo de futebol contra o Chelsea no dia 28 de setembro, a advertência da FA passou despercebida.
Certamente, é difícil proibir as tradições dos torcedores, mas os torcedores do Tottenham não acreditam que suas músicas são antissemitas antes de mais nada. Na verdade, é o contrário, dizem eles. "Nós cantamos com orgulho, como um sinal da nossa identidade", diz James Mariner, que esteve presente em todas as temporadas da última década.
Muitos torcedores do Tottenham mantêm a identidade judaica, e a bandeira de Israel é uma visão familiar nos bastidores. É um fenômeno semelhante ao que se vê entre os torcedores do Ajax Amsterdam, na Holanda. Os torcedores de lá apelidaram o clube de "Super Judeus" e cantam músicas com letras como: "Quem não pular não é judeu." Alguns torcedores têm tatuagens da Estrela de Davi.
Mas nem o Spurs nem o Ajax são clubes judaicos, e o número de torcedores judeus em ambos não é particularmente elevado. Então, por que o simbolismo judeu?
Só pela equipe
Para o Ajax, a imagem de ser um clube judaico vem do fato de que Amsterdã era chamada de "Jerusalém do Ocidente" antes da Segunda Guerra Mundial. Cerca de 80 mil judeus dizem ter vivido na cidade na época, e muitos eram fãs do Ajax. O Estádio De Meer, onde a equipe jogou até os anos 1990, ficava no leste de Amsterdã, onde vivia a maioria dos judeus da cidade na época.
"Quando o Ajax jogava contra equipes das regiões mais provinciais, os torcedores de fora iam de bonde para o estádio, a partir da estação de trem, e passavam pelo bairro judeu. Foi assim que muitas pessoas viram judeus pela primeira vez na vida", diz Hans Knoop, um jornalista judeu e porta-voz de uma fundação que trata do antissemitismo no futebol holandês.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Ajax também teve alguns líderes judeus famosos, entre eles Jaap van Prag e seu filho Michael, que atuaram como presidentes do clube junto com Uri Coronel, que também atuou no cargo. Entre os jogadores das celebradas equipes do clube na década de 1960 e início de 1970, eram judeus: Bennie Muller e Sjaak Swaart, sem esquecer de Salo Muller, um fisioterapeuta amado por jogadores e torcedores.
Durante e após os anos 1970, o Ajax foi repetidamente submetido à hostilidade antissemita na liga nacional holandesa. Para contra-atacar , o grupo hooligan "F Side" assumiu a imagem judaica em 1976. O grupo está ativo até hoje, embora seus membros não estejam particularmente interessados na solidariedade para com Israel ou no judaísmo, diz o jornalista Knoop. "Cerca de 90% dos torcedores do Ajax não sabem nem onde fica Israel", disse ele à "Spiegel Online". "Quando eles gritam 'judeus, judeus!' ou 'Super judeus', é apenas para animar o time e nada mais."
Às vezes, grupos de torcedores adversários ainda se voltam para um antissemitismo grotesco em sua resposta à identidade judaica dos torcedores do Ajax. "Hamas! Hamas! Judeus para o gás", gritam os torcedores do Feyenoord Rotterdam regularmente quando enfrentam seus rivais. O jogador Lex Immers, que estava na equipe ADO Den Haag na época, foi proibido de participar de cinco jogos em 2011 por repetir uma das músicas de torcedores de sua equipe após a vitória contra o Ajax: "Vamos caçar judeus!"
De acordo com Knoop, "os torcedores adversários não são necessariamente antissemitas, mas são contra o Ajax. E se o Ajax é judeu, eles têm de ser contra os judeus."

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Deveria ser permitido?
A origem judaica do Tottenham Hotspur é semelhante à história do Ajax. O clube do norte de Londres era popular entre os imigrantes judeus que se instalaram no East End no final dos século 19 e início do século 20. " Os Spurs eram mais famosos na época do que o West Ham United ou o Arsenal, que ficavam mais próximos", diz Anthony Clavane, um jornalista judeu para o tabloide "Daily Mirror", que publicou um livro em agosto sobre como os judeus têm influenciado a história do futebol inglês. Além disso, outros distritos do norte de Londres, como o Barnet, Hackney e Harrow, têm sido tradicionalmente o lar de muitos judeus, o que também tem contribuído para a imagem Hotspur.
E, assim como os torcedores do Ajax, os defensores do Tottenham também enfrentaram insultos antissemitas nas décadas de 1970 e 1980, época em que o futebol inglês foi atormentado pela violência desenfreada e racismo. Para se defenderem, os torcedores do Tottenham pegaram os insultos e criaram seus próprios. Desde então, eles se autointitulam "Exército Yid", mas ainda enfrentam hostilidade antissemita. Torcedores adversários às vezes fazem barulhos sibilantes destinados a imitar o som de câmaras de gás dos campos de concentração, e em novembro os torcedores de um jogo da Liga Europa, em Roma, foram atacados por torcedores fascistas do Lazio.
O jornalista Clavane diz esperar que os torcedores Tottenham evitem as músicas em questão no futuro. Seu principal problema é com a "palavra que começa com Y", como ele diz. Não só é discriminatória, mas também foi usada na década de 1930 por Oswald Mosley, fundador da União Britânica de Fascistas.
Esta é a principal diferença entre o Tottenham e o Ajax. Enquanto os torcedores de Amsterdã se autointitulam "judeus" e "Super Judeus", os fãs do Hotspur usam um termo ofensivo que tinha mais ou menos desaparecido do uso na Primeira Liga depois que a questão do racismo foi atenuada.
Os torcedores dizem que não é esse o sentido, no entanto. "A maioria das pessoas sabe que é tudo brincadeira", diz o torcedor James Mariner. "Não queremos insultar ninguém."
Isso não torna certo, diz Anthony Clavane , que pergunta retoricamente: "Deveria ser permitido cantar músicas que incluem uma palavra que insulta uma minoria?"
Tradutor: Eloise De Vylder

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