quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

O petróleo brasileiro e a desestabilização da Bolívia


No dia 12 de novembro, a Agência Internacional de Energia (IEA, em sua sigla inglesa) publicou
 em Londres o informe Perspectivas para a energia mundial, no qual prevê que a demanda de energia 
crescerá um terço até 2035, pela expansão do consumo da China, da Índia e do Oriente Médio. 
Entre muitos temas, o informe aborda as diferenças regionais nos preços da energia e como
 esse fator pode frustrar o crescimento das economias.

Raúl Zibechi


O país estrela do informe é o Brasil, ao qual dedica um capítulo assegurando que está na vanguarda em exploração em águas profundas e em energias que não provêm dos hidrocarbonetos, por seus vastos recursos hidrelétricos. Adiante-se que, para 2035, o Brasil se converterá em um importante exportador de petróleo e um importante produtor mundial de energia, sendo responsável por um terço do crescimento da oferta mundial de petróleo.

A agência internacional estima que os recursos do Brasil são abundantes e diversificados, nos quais convivem as energias renováveis e as maiores descobertas de petróleo mundial na última década. Segundo as estimativas da IEA, coincidentes com os projetos anunciados pela Petrobras, a produção de petróleo brasileira crescerá dos 2.2 milhões de barris diários atuais a 4.1 milhões em 2020 e a 6.5 milhões em 2035, o que o colocará como o sexto produtor mundial.

Não reside aí a potencialidade de energia brasileira. A IEA assegura que, para 2035, o Brasil será responsável por 40% do comércio global de biocombustíveis, já que conta com terras suficientes para expandir seus cultivos de cana de açúcar para etanol, que cobrirão um terço da demanda interna de combustíveis para o transporte. O Brasil já é líder mundial em energias renováveis e está a caminho de duplicar sua produção de combustíveis renováveis para 2035, diz o informe, até o equivalente de um milhão de barris diários de petróleo.

Tornar realidade essas projeções impõe gigantescos investimentos para a extração em águas profundas, de algo próximo a 60 bilhões de dólares anuais. Neste ano a Petrobras instalou novas plataformas marítimas e investiu cerca de 50 bilhões de dólares. A agência de energia calcula que, para 2035, a Petrobras será líder global, com 60% da extração mundial de petróleo em águas profundas. Desse modo, o Brasil é o único membro dos BRICS que combina uma potente indústria, um enorme setor agroalimentar e uma elevada produção de energia, que o torna menos vulnerável que, por exemplo, a China.

O que pensam fazer o Pentágono, o Comando Sul e o setor financeiro dos Estados Unidos ante essa situação que, de fato, desafia a hegemonia da superpotência na região? Não sabemos com exatidão, mas tudo aponta para uma crescente desestabilização da Venezuela e de outros países que são chaves para rodear o Brasil de conflitos, tal como se está fazendo para tentar frear a China e a Rússia.

Um recente editorial de The Wall Street Journal (27 de outubro de 2013) revela alguns objetivos não declarados, mas plausíveis. Em sua coluna semanal, a editorialista Mary Anastasia O'Grady se pergunta: a Bolívia é o novo Afeganistão? O editorial é alucinante e é hilário, se não fosse o fato de ter sido publicado em um dos diários mais influentes do mundo, reflexo da visão das elites do setor financeiro e do setor mais belicista das forças armadas.

O país andino se converteu em um centro do crime organizado e em um porto seguro para os terroristas, reza a legenda. Recorda que logo após a ocupação soviética, o Afeganistão se converteu em uma incubadora do crime organizado, sendo um lugar propício para pessoas como Osama Bin Laden. Algo parecido pode estar ocorrendo na Bolívia. O governo é um defensor dos produtores de coca. A presença iraniana está crescendo. Agrega que Evo Morales e Álvaro García Linera "começaram a construir um narcoestado quando chegaram ao poder em 2006.

O editorial coloca supostas informações ao lado de afirmações dignas de uma agência de espionagem: o Irã pode ter financiado total ou parcialmente a construção de uma nova base de treinamento militar da Alba na região de Santa Cruz. Não há nada que endosse essa possibilidade, mas sim o fato de que a embaixada iraniana em La Paz teria muitos funcionários.

A coluna da semana seguinte foi contra o Brasil e seu puro teatro ao denunciar a espionagem estadunidense. "O apoio a Cuba - sustenta O'Grady - coloca o Brasil no lado equivocado da geopolítica" (The Wall Street Journal, 3 de novembro de 2013). Sempre se pode pensar que não se trata de afirmações de uma pessoa pouco séria e, talvez, como sugere a revista NACLA, são quase delirantes. Mas O'Grady não é qualquer pessoa que escreve em um pequeno diário de províncias. Trabalhou durante uma década na financeira Merrill Lynch e integra o seleto conselho de redação do diário de maior circulação nos Estados Unidos.

Será um delírio pensar que certos setores de poder estão planejando operações muito mais ambiciosas que aquelas que derrubaram Manuel Zelaya e Fernando Lugo, ex-presidentes de Honduras e Paraguai? Impossível sabê-lo com precisão, mas vale lembrar que um dos pontos nodais da estratégia dos Estados Unidos para se manter como uma superpotência consiste em impedir o nascimento de potências regionais que possam disputar com o seu lugar dominante.

Analistas brasileiros admitem que a estratégia do Pentágono consiste em exercer pressão sobre as fronteiras do Brasil, convertendo seus vizinhos em "Estados falidos", categoria na qual podem colocar no futuro países como a Bolívia e, talvez, a Argentina, o Paraguai e até o Uruguai, com a desculpa do trânsito de drogas (Defesanet, 1º de novembro). Estamos transitando um período de mudanças que inclui convulsões de todo tipo. É necessário nos preparar para enfrentá-las.

Raúl Zibechi é jornalista e cientista social uruguaio.

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