Não é de se estranhar que o que seria visto em outros países, como um conjunto normal de direitos, seja encarado em nosso país como inaceitável privilégio.
Mauro Santayana
No Brasil (não se tem como saber exatamente, já que não existe controle automático e unificado), aproximadamente 40% dos 540.000 presos estão cumprindo “pena” sem ter passado por julgamento, e, logo, sem autorização judicial. Em alguns estados eles são maioria. No Piauí, por exemplo, correspondem a quase 70% da população prisional.
Há, também, cidades, que estão, ou estiveram, até recentemente, sob o controle de policiais bandidos.
Este é o caso de Rio Real, na Bahia – onde virtualmente toda a guarnição da PM responde a inquéritos por homicídio ou tortura e está sendo acusada de formação de quadrilha – por um juiz que teve de retirar a família do local.
E de Maués, no Amazonas, em que um grupo de policiais civis se entregou esta semana, após meses de fuga - no quadro de uma operação com o significativo nome de Gestapo - à justiça, acusado de assassinato, extorsão e tortura.
Nos últimos meses, em cena talvez inspirada em Carandirú, filme que caracteriza, junto com Tropa de Elite, a mais forte imagem da justiça brasileira no exterior, dezenas de presos foram colocados, nus, sentados no pátio de um presídio no Espírito Santo, e sofreram queimaduras graves pela exposição ao sol. E em outro estabelecimento prisional da região Sudeste, um detento teve que ser transferido, ilegalmente, para outra cadeia, por um prazo de dez meses, para que se “curasse” do espancamento sofrido por parte de autoridades da prisão.
Assim é o Brasil.
Um país que decreta que a tortura é crime inafiançável, e que, ao mesmo tempo, estabelece a jurisprudência de que em casos de alegada tortura por parte da polícia: "Cabe ao réu o ônus de demonstrar que a confissão perante a autoridade policial foi obtida por meio ilícito, porque a presunção há de ser em favor da autoridade pública, policial ou judiciária, que age no estrito cumprimento do dever legal" (RT-740/641).
Por isso, não é de se estranhar, que o que seria visto, em qualquer país do mundo, como um conjunto normal de direitos, esteja sendo encarado em nosso país, pela mídia e parte do Ministério Público - como está ocorrendo com os presos da Ação Penal 470 - como inaceitável privilégio.
O tratamento digno para o pai, a mulher, o filho, a filha, que visita um parente preso – aqui a família é tratada quase como se tivesse participado do crime – deveria ser visto como regra, e não como exceção.
Assim como um banho decente, oportunidade de trabalho, acesso a medicamentos, acompanhamento jurídico, – normais em outras nações - que estão sendo classificados como odiosos benefícios, quando não o são.
O papel do Ministério Público, das Promotorias do Direito do Cidadão, das Defensorias e das Varas de Execução Penal, deve ser o da institucionalização do direito e não da ausência dele – como está ocorrendo no Brasil.
Se formos incorporar como padrão as mazelas existentes no nosso sistema policial, jurídico e prisional, passaremos a exigir que todo suspeito fique anos preso sem direito a julgamento; que a tortura seja institucionalizada como método de investigação; que se recorra à execução como política de segurança pública; que cada cela seja ocupada por um número de detentos, no mínimo, três a quatro vezes, superior, ao previsto quando de sua construção; que seja abolida a assistência médica nas prisões e anulada a responsabilidade do Estado pela vida de quem está sob sua custódia.
Antes de se preocupar com os “privilégios” que apontam em um pequeno grupo de pessoas, que, convenientemente, se encontram sob os holofotes da nação, as autoridades deveriam trabalhar, diuturnamente, para garantir o cumprimento do que prevê a Lei e a Constituição.
Um país que não assegura o direito de visita, de julgamento, de incolumidade física, de um metro quadrado sequer para que o sujeito – já condenado – possa cumprir sua pena, sentado ou em pé, de dia, e com as pernas esticadas, durante noite, sem ter que se preocupar em ser espancado, estuprado, assassinado - ou morrer de septicemia se tiver um abcesso - não tem condições de dar lições a ninguém.
O conceito de isonomia, quando ligado às ideias de justiça e de cidadania, se refere a igualar as pessoas por cima – no seu direito inalienável a condições mínimas de dignidade e de vida – e não por baixo, pelas regras não escritas da verdadeira Lei do Cão que impera, ainda, infelizmente, na maior parte do nosso sistema prisional.
Este é o caso de Rio Real, na Bahia – onde virtualmente toda a guarnição da PM responde a inquéritos por homicídio ou tortura e está sendo acusada de formação de quadrilha – por um juiz que teve de retirar a família do local.
E de Maués, no Amazonas, em que um grupo de policiais civis se entregou esta semana, após meses de fuga - no quadro de uma operação com o significativo nome de Gestapo - à justiça, acusado de assassinato, extorsão e tortura.
Nos últimos meses, em cena talvez inspirada em Carandirú, filme que caracteriza, junto com Tropa de Elite, a mais forte imagem da justiça brasileira no exterior, dezenas de presos foram colocados, nus, sentados no pátio de um presídio no Espírito Santo, e sofreram queimaduras graves pela exposição ao sol. E em outro estabelecimento prisional da região Sudeste, um detento teve que ser transferido, ilegalmente, para outra cadeia, por um prazo de dez meses, para que se “curasse” do espancamento sofrido por parte de autoridades da prisão.
Assim é o Brasil.
Um país que decreta que a tortura é crime inafiançável, e que, ao mesmo tempo, estabelece a jurisprudência de que em casos de alegada tortura por parte da polícia: "Cabe ao réu o ônus de demonstrar que a confissão perante a autoridade policial foi obtida por meio ilícito, porque a presunção há de ser em favor da autoridade pública, policial ou judiciária, que age no estrito cumprimento do dever legal" (RT-740/641).
Por isso, não é de se estranhar, que o que seria visto, em qualquer país do mundo, como um conjunto normal de direitos, esteja sendo encarado em nosso país, pela mídia e parte do Ministério Público - como está ocorrendo com os presos da Ação Penal 470 - como inaceitável privilégio.
O tratamento digno para o pai, a mulher, o filho, a filha, que visita um parente preso – aqui a família é tratada quase como se tivesse participado do crime – deveria ser visto como regra, e não como exceção.
Assim como um banho decente, oportunidade de trabalho, acesso a medicamentos, acompanhamento jurídico, – normais em outras nações - que estão sendo classificados como odiosos benefícios, quando não o são.
O papel do Ministério Público, das Promotorias do Direito do Cidadão, das Defensorias e das Varas de Execução Penal, deve ser o da institucionalização do direito e não da ausência dele – como está ocorrendo no Brasil.
Se formos incorporar como padrão as mazelas existentes no nosso sistema policial, jurídico e prisional, passaremos a exigir que todo suspeito fique anos preso sem direito a julgamento; que a tortura seja institucionalizada como método de investigação; que se recorra à execução como política de segurança pública; que cada cela seja ocupada por um número de detentos, no mínimo, três a quatro vezes, superior, ao previsto quando de sua construção; que seja abolida a assistência médica nas prisões e anulada a responsabilidade do Estado pela vida de quem está sob sua custódia.
Antes de se preocupar com os “privilégios” que apontam em um pequeno grupo de pessoas, que, convenientemente, se encontram sob os holofotes da nação, as autoridades deveriam trabalhar, diuturnamente, para garantir o cumprimento do que prevê a Lei e a Constituição.
Um país que não assegura o direito de visita, de julgamento, de incolumidade física, de um metro quadrado sequer para que o sujeito – já condenado – possa cumprir sua pena, sentado ou em pé, de dia, e com as pernas esticadas, durante noite, sem ter que se preocupar em ser espancado, estuprado, assassinado - ou morrer de septicemia se tiver um abcesso - não tem condições de dar lições a ninguém.
O conceito de isonomia, quando ligado às ideias de justiça e de cidadania, se refere a igualar as pessoas por cima – no seu direito inalienável a condições mínimas de dignidade e de vida – e não por baixo, pelas regras não escritas da verdadeira Lei do Cão que impera, ainda, infelizmente, na maior parte do nosso sistema prisional.
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