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Os resultados das recentes eleições no Velho Continente nos convidam à reflexão. Organizada em todos os Estados membros da União Europeia (UE), a votação determina os representantes no Parlamento do bloco. Por que seu desfecho nos interessaria? Somadas as preferências de milhões de eleitores, observa-se um crescimento do chamado "euroceticismo", congregando indivíduos que defendem um papel reduzido para a UE ou, diretamente, o seu desmantelamento. Embora tal grupo seja caracterizado pela diversidade, aquilo que o fundamenta poderá influenciar eventos de grande interesse para a agricultura brasileira.
Antes de explorarmos possíveis desdobramentos desse resultado, duas ressalvas são necessárias. Evidentemente, o que apresentamos abaixo são cenários, cuja materialização depende do aprofundamento da tendência atual. Da mesma forma, o parlamento europeu possui menos poderes do que os legislativos dos países membros da UE na atualidade. Em outras palavras, é possível que os resultados das eleições sejam mais uma demonstração de descontentamento com os rumos das políticas internas de cada membro do bloco do que uma clara reprovação ao projeto de integração regional. A ascensão do "euroceticismo", porém, abre a possibilidade de ascensão de cenários até então pouco considerados por analistas. Adicioná-los a qualquer planejamento é uma obrigação.
Em primeiro lugar, os parlamentares "eurocéticos" são contrários aos acordos de livre comércio com outras regiões do globo. Em outras palavras, consideram que as negociações da UE com o Mercosul - ou seja, com o Brasil - ou com os Estados Unidos prejudicam a economia do bloco. Embora sua influência sobre o rumo das negociações seja limitada no curto prazo, a tendência preocupa. Afinal, os resultados mostram que, para um número crescente de eleitores, governos comprometidos com o livre comércio agem contra o interesse nacional. Caso tal percepção seja reforçada em eleições futuras, diminuirá o apoio dos Estados à ação externa dos representantes comunitários nessas discussões.
Ademais, sabemos que as preferências de um indivíduo não afetam apenas seu voto, mas também suas compras. O eleitor que vota em um candidato "eurocético" é, em geral, um defensor dos costumes e tradições locais. Em outras palavras, é um consumidor desconfiado com tudo o que venha de fora do bloco, sendo capturado pelo discurso chauvinista de líderes populistas. Obviamente, a transmissão entre tais ideias e aquilo que é adquirido em um supermercado não é automática. Em sua rotina, o "eurocético" adquire uma série de artigos importados das mais distintas procedências, ainda que não perceba isso. O problema é quando a associação entre um produto e uma denominação explícita chama a sua atenção de forma negativa.
Quando falamos de diferenciação e agregação de valor à nossa produção agropecuária, é comum discutirmos as potencialidades da marca "Brasil" diante dos consumidores ao redor do globo. De fato, se bem explorada, temos uma série de atributos valiosos. Para milhões de consumidores, porém, o momento é de exaltação daquilo que vem "de perto". É necessário acompanhar com atenção o desenvolvimento dessa tendência eleitoral, dado que, talvez, tenhamos que lidar com inúmeros consumidores menos abertos a uma propaganda explícita do "diverso" no futuro. Caso o movimento "eurocético" se aprofunde, teremos que encontrar novos argumentos para vender no Velho Continente produtos com maior potencial de agregação de valor. Se na atualidade tal processo já é difícil, o cenário aberto por um avanço dos críticos à UE tende a complicar ainda mais as coisas. Hora, portanto, de afinar o discurso e usar a imaginação.
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