- 15/09/2014 19h52
- Brasília
Michèlle Canes - Repórter da Agência Brasil Edição: Fábio Massalli
Apesar dos avanços trazidos pela legislação e ações para combater o racismo, a discriminação sofrida pelos afrodescendentes no país precisa ser combatida com mais medidas acredita o Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Afrodescendentes. A equipe esteve no Brasil em dezembro do ano passado e avaliou diferentes aspectos relacionados ao racismo existentes no país.
Educação, cultura, violência, acesso à Justiça e emprego foram alguns dos aspectos observados pelos integrantes da equipe, que se reuniu tanto com autoridades como com a sociedade civil. Os resultados foram apresentados em um relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
O documento diz que o grupo de trabalho demonstrou preocupação com o racismo “estrutural e institucional” existente no país. O censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feito em 2010, mostra que os negros constituem a maioria da população brasileira mas, de acordo com o levantamento feito pelos representantes da ONU, eles sofrem com desigualdades em diferentes aspectos, como maior taxa de desemprego (cerca de 50% maior) e menor expectativa de vida: vivem seis anos a menos. Aproximendamente 52% dessa população também não têm acesso a saneamento básico adequado.
A assessora internacional da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Magali Naves, diz que o governo brasileiro reconhece o problema. Uma prova disso foi a criação da própria secretaria, em 2003. “Isso é um avanço para se tratar dessas questões e tem se tentado adotar medidas para inverter a situação. Por isso as quotas na educação, no serviço público, a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, a criação do Plano Juventude Viva, que é contra o assassinato de jovens negros, além de outras ações. Isso é um processo”.
Os especialistas destacaram diferentes medidas positivas adotadas nos últimos dez anos para melhoria da situação, ainda assim, o documento alega que, mesmo com essas medidas, a discriminação está em todas as áreas da vida e que a população negra tem tido dificuldades para debater o tema no país.
Na área da educação foram encontrados os maiores indícios de desigualdades de discriminação e é apontada como essencial para alterar as representações e esteriótipos da sociedade. “Por isso se tem uma assistência da gestão atual de trabalhar com ações afirmativas visando a ter mudanças. Tivemos melhorias na educação, mercado de trabalho, renda, mas ainda continua uma desigualdade profunda. Você tem que pegar a questão histórica de como foi formado o Brasil e ver que isso é um processo” explica a assessora da Seppir.
Além de apontar os problemas analisados, o documento traz também recomendações para os órgão de combate ao racismo no Brasil. Na área educacional, o documento elogia a criação das cotas e a decisão do Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade do sistema e afirma que este foi um passo importante para garantir o acesso da população negra ao ensino superior. Segundo o relatório, novas medidas devem ser adotadas para que esses estudantes permaneçam estudando nas instituições de ensino superior do país.
Outro destaque foi a criação da lei que prevê a inclusão obrigatória da história e cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio. Magali Naves conta que a legislação foi criada em 2003 e é uma forma de mudar a visão dos estudantes. “A gente não surgiu escravo. Isso tem uma história antes e depois. A partir do momento em que você conhece o outro, a situação fica mais clara. A implementação dessa lei, com certeza, ajuda a população a se conhecer e conhecer a sua história e a gente está trabalhando exatamente nesse sentido”. A ONU recomenda o investimento no treinamento de professores para que a norma seja implantada cada vez mais e que os currículos escolares devem ser melhorados para garantir que o aluno tenha conhecimento sobre a história africana.
A aplicação da Lei 9.459, que traz as penalidades para o crime de racismo, a melhoria das estruturas estaduais e municipais para o combate à discriminação e a adoção de políticas de prevenção da violência, especialmente contra as mulheres e crianças também foram pontos abordados. A atuação da polícia também foi citada. Para os membros do grupo de trabalho, a corporação precisa de treinamento e sensibilização para mudar a cultura de violência que muitas vezes é usada como pretexto para a segurança nacional.
Magali Naves acredita que o relatório aponta questões no sentido de orientar o aprofundamento do trabalho que vem sendo desenvolvido pela secretaria. “É um pouco da continuidade do que estamos fazendo. Aprofundar mais e ser mais célere. Isso nos ajuda, de uma certa maneira, porque você tem uma visão de fora sobre uma atuação que a gente já está trabalhando, mas que agora você tem recomendações”.
Magali destaca que muitos dos pontos levantados são de preocupação da Seppir, como o caso da violência contra os jovens negros, por exemplo, e destaca que a secretaria trabalha em diferentes áreas e com outros ministérios para que políticas de inclusão sejam adotadas. “Eu acho que [o relatório] reforça a necessidade de políticas que são importantes e não são importantes somente para a população negra. São importantes para o Brasil. Um país onde as oportunidades são iguais, é mais criativo, igualitário, vive mais em paz. É importante para o país como um todo”.
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