– 18 DE DEZEMBRO DE 2014
Argentina e EUA proíbem concentração empresarial. Inglaterra e Venezuela punem deturpação de fatos e garantem direito de resposta. Congresso brasileiro posterga regulamentação
Por
Tema polêmico no Brasil, a regulação da mídia ocorre de formas distintas pelo mundo.
Nos Estados Unidos e na Argentina, as normas regulam principalmente temas econômicos – é este tipo de regulação que a presidente Dilma diz querer discutir no próximo mandato.
No Reino Unido, um escândalo de escutas ilegais realizadas por tabloides levou ao estabelecimento de regras polêmicas para jornais, revistas e sites.
Na Venezuela, opositores apontam para restrições à liberdade de expressão, mas movimentos sociais dizem que a lei aumentou o número de meios de comunicação comunitários.
A BBC Brasil mostra como funcionam as regras nestes quatro países.
EUA: Foco é regulação econômica
Os Estados Unidos não têm uma Lei de Imprensa, e a regulamentação da mídia no país é feita por diferentes legislações.
No caso das telecomunicações (rádio, TV aberta e a cabo, internet e telefonia móvel e fixa), a regulação está a cargo da Federal Communications Commission (Comissão Federal de Comunicações, ou FCC, na sigla em inglês), agência independente do governo criada em 1934.
A FCC se dedica principalmente a regular o mercado, com foco nas questões econômicas. O órgão é responsável por outorgar concessões.
A propriedade cruzada de meios de comunicação é proibida. Assim, uma mesma empresa não pode ser proprietária de um jornal e de uma estação de TV ou de rádio na mesma cidade.
Há também regras que impõem certos limites sobre o número de estações de TV e rádio que uma mesma empresa pode controlar em determinado mercado. Esses limites variam de acordo com o tamanho do mercado e têm o objetivo de impedir que um mesmo grupo controle totalmente a audiência em determinado local.
No caso do conteúdo, há no país o entendimento de que este deve ser regulado pelo próprio mercado e pela opinião pública.
No entanto, a FCC age em casos de abuso, quando há a percepção de descumprimento de regras, como a que proíbe a exibição de cenas “indecentes” na TV.
Um dos casos notórios ocorreu em 2004, na exibição do Super Bowl – a final da temporada de futebol americano –, evento que costuma ter a maior audiência televisiva do país.
No show do intervalo, transmitido pela rede CBS, o cantor Justin Timberlake puxou a blusa de Janet Jackson, deixando aparecer seu seio.
Apesar de a imagem ter sido mostrada por menos de um segundo, a FCC multou a CBS em US$ 550 mil – decisão que depois foi revertida.
Outra regra determina que canais de TV dediquem pelo menos três horas semanais a programas infantis educativos.
A atuação da FCC é acompanhada pelo Congresso americano, a quem a agência presta contas periodicamente. Além disso, o Judiciário também pode intervir.
No caso de mídia impressa, a ideia é que mercado e opinião pública se encarreguem da regulação. Casos de difamação, calúnia e outros tipos de injúria costumam gerar processos na Justiça e resultar na aplicação de multas pesadas.
Venezuela: Debate acalorado sobre liberdade de imprensa
Protestos, golpe de Estado e polarização política. Esse é o contexto que antecedeu a aprovação da lei de meios de comunicação na Venezuela.
A lei Resorte – Responsabilidade Social em Rádio e Televisão – entrou em vigor em 2005, três anos após o chamado “golpe midiático” contra o então presidente Hugo Chávez. A mídia apoiou abertamente o golpe contra Chávez três anos antes e não noticiou as manifestações populares que se seguiram, pedindo a sua volta ao poder.
A atuação dos meios de comunicação privados nesse episódio teria sido utilizada como motor para uma contraofensiva do Executivo para regular a atuação da imprensa venezuelana.
Um dos pontos mais polêmicos da aplicação da lei ocorreu em 2007, quando a concessão do canal RCTV – o mais assumido canal de oposição – para operar no sinal aberto não foi renovada. Críticos acusaram o governo de retaliação política.
De acordo com a lei, cabe ao Estado decidir se renova ou não a concessão de frequências de rádio e televisão. O tempo máximo de cada período caiu de 25 para 15 anos, prorrogáveis ou não. A hereditariedade no setor está proibida.
Outro aspecto controvertido é o que proíbe a transmissão de eventos ao vivo que possam “incitar a violência” e a “desordem pública”. O principal fator de polêmica se deve a que a decisão sobre esses riscos seja feita por uma comissão do governo sem participação de representantes da mídia.
“Analisar o que pode ou não incitar a violência é muito difícil em um país onde há uma confrontação entre dois modelos políticos e onde os meios estavam organizados em dois grupos, pró e antigoverno”, afirmou à BBC Brasil Mariclein Stelling, do Observatório Global de Meios de Comunicação.
“Mas enquanto os meios forem utilizados com fins políticos, a lei será necessária”, opinou.
Em 2010, a lei foi reformada e seu alcance passou a abranger também a internet. Um dos pontos polêmicos é a punição prevista para o provedor de internet ou página que não restrinja “sem demora” o acesso a mensagens que incitem o ódio.
“É uma lei regressiva e contraria o direito à liberdade de expressão”, avalia Marianela Balbi, diretora do IPYS (Instituto Prensa y Sociedad). Na sua opinião, a lei é desnecessária. “Há crimes tipificados no Código Penal e em outros regulamentos que podem ser aplicados sem restringir a liberdade de expressão.”
A norma, no entanto, é aplaudida por movimentos sociais como um passo importante para a democratização dos meios de comunicação e como uma via que permitiu a expansão de meios comunitários.
Estão em atividade 37 TVs e 244 rádios comunitárias no país. A maioria recebeu equipamentos e formação técnica do próprio governo para começar a operar.
A violação da lei Resorte determina sanções como a suspensão do sinal por 72 horas ou a revogação da concessão no caso de reincidentes. A lei ainda estabelece que 50% da programação deve ser reservada a produções nacionais.
Reino Unido: Regras duras após abusos de tabloides
Classificada pela presidente Dilma Rousseff como uma das “mais duras” do mundo, a legislação do Reino Unido para regulação da mídia surgiu na esteira do escândalo de escutas ilegais feitas por tabloides britânicos.
A lei visa à regulação da atividade de jornais e revistas. Além dela, há outra regulação, mais antiga, para emissoras de TV e rádio.
Em 2011, uma comissão judicial, coordenada pelo juiz Brian Leveson, passou a analisar desvios de ética na mídia após um escândalo envolvendo principalmente tabloides. Em um dos casos, um jornal hackeou o telefone de uma estudante assassinada e apagou mensagens da caixa eletrônica, o que deu à família e à polícia a esperança de que ela pudesse estar viva.
O relatório final do chamado inquérito Leveson afirmou que a imprensa “causou dificuldades reais e, algumas vezes, estragos na vida de pessoas inocentes, cujos direitos e liberdades foram desprezados”.
Um dos desdobramentos da investigação foi a criação, em novembro deste ano, do Press Recognition Panel, painel que supervisiona um órgão de autorregulação e tem poder de aplicar multas de até um milhão de libras (R$ 4 milhões) às publicações, além de impor direito de resposta e correções a jornais, revistas e site noticiosos.
A filiação dos veículos ao novo sistema não é obrigatória, mas há diversos “incentivos” para que façam parte: por exemplo, o veículo que não integrar o órgão precisa pagar as custas judiciais dos processos de acusação, mesmo se sair vencedor.
À época da criação do órgão, os principais jornais britânicos disseram que o modelo poderia sujeitar os veículos à interferência indevida de políticos.
Até o momento, apenas o Daily Telegraph aderiu ao novo sistema. A expectativa é que o Financial Times não se envolva, mas os outros dois grandes jornais, Independent e Guardian, deixaram a possibilidade de adesão em aberto. O órgão deve entrar em funcionanmento pleno no ano que vem.
Emissoras de rádio e TV, por sua vez, são reguladas por outro órgão, o Ofcom. O órgão também é responsável pela telefonia, serviços postais e internet.
Entre as atribuições do Ofcom estão garantir a pluralidade da programação de TVs e rádios, garantir que o público não seja exposto a material ofensivo, que as pessoas sejam protegidas de tratamento injusto nos programas, e que tenham sua privacidade invadida.
Argentina: Lei gera atritos entre governo e mídia
Na Argentina, a chamada Ley de Medios foi aprovada em outubro de 2009, durante o primeiro governo da presidente Cristina Kirchner. Mas ainda hoje sua aplicação ainda gera polêmicas.
A lei define regras para emissoras de TV e rádio. O objetivo é a “regulação dos serviços de comunicação” e o desenvolvimento de mecanismos destinados à “promoção, desconcentração e fomento da concorrência com o fim de baratear, democratizar e universalizar” a comunicação.
A lei fixa o limite de licenças e área de atuação do setor por cada pessoa que assuma um investimento. Os prestadores de serviço de TV por assinatura não poderão ser titulares de um serviço de TV em uma mesma região. A lei também estabelece limites de alcance de audiência para TV a cabo e emissoras privadas. Já a TV pública tem alcance nacional.
A legislação define também que os canais abertos de televisão deverão “emitir no mínimo 60% de produção nacional”, “30% de produção própria que inclua noticiários locais” e, no caso das TVs nas cidades com mais de um 1,5 milhão de habitantes, “pelo menos 30% de produção local independente”.
A lei surgiu em meio à disputa entre o governo e os meios de comunicação críticos do “kirchnerismo” – a dinastia política que governa o país desde Nestor Kirchner, antecessor e marido da atual presidente, que governou entre 2003 e 2007 e morreu em 2010.
Ao defender a criação da lei, a presidente e outras autoridades do governo argumentaram que a comunicação é “um direito humano” e que é necessário defender “o fim dos monopólios” e a “pluralidade de vozes”. Em meio à discussão, o ex-presidente Kirchner ergueu cartazes em atos públicos contra o maior grupo de mídia da Argentina, o grupo Clarín. Nos cartazes, a frase “o Clarín mente”.
Os dois artigos da Lei de Meios que mais geraram polêmicas se referem à “pluralidade de licenças” e a restrição das “propriedades paralelas dos grupos de imprensa no país”.
Para opositores e para as empresas de mídia, as medidas atentam contra “o direito adquirido”, a “propriedade privada” e a “liberdade de expressão”. Porém em outubro do ano passado, após uma série de disputas judiciais, a Suprema Corte de Justiça entendeu que as normas são constitucionais.
Segundo opositores, o Clarín foi o mais afetado pela medida, já que deveria abriar mão de mais da metade das suas cerca de 200 concessões de TV a cabo e aberto em diversas regiões do país. Outros grupos de mídia também teriam de fazer o mesmo.
Em diferentes ocasiões, representantes do Grupo Clarín sugeriram, porém, que a lei os afetava por questões políticas e acabaria “beneficiando grupos estrangeiros”, incluindo telefônicas com licenças de TVs no país.
Após a manutenção da legislação pela Justiça argentina, o Grupo Clarín entregou um “plano de adequação voluntária” à lei, mas o caso ainda está nos tribunais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário