sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

A BUSCA PELOS INVISÍVEIS - O BRASIL MUDOU - 15 -


Estado cumpre seu dever de localizar e incluir os brasileiros mais isolados


Já era final da tarde quando a lancha social do governo federal aportou numa reentrância de floresta amazônica às margens do Igarapé Sobrado, um braço afluente do Rio Negro, no município de Novo Airão, a 140 quilômetros de Manaus (AM). À espera, ao lado de dois cachorros esquálidos, estava um homem franzino, de roupas rasgadas, pés descalços e olhar alheio.
Veríssimo Bizerra Mesquita, 63 anos, é quase cego. Mora sozinho há três anos numa choupana de madeira sem janela ou porta, construída com a ajuda de vizinhos no terreno que lhe foi doado pelo Incra. Para chegar até ele é preciso conhecer bem os vários igarapés da região. Encontrá-lo só foi possível com a ajuda de uma agente de saúde comunitária da localidade, que guiou, rio acima, a equipe volante de assistentes sociais do estado do Amazonas.
Ao perceber quem eram os visitantes, Veríssimo se emociona. “Rezei muito para que vocês viessem e, de repente, estão aqui”. Um único olhar é suficiente para registrar a situação de penúria e extrema pobreza ao redor. Não há cama, móveis, energia elétrica. Moscas rondam as sobras do almoço, restos de arroz e peixe, pescado diariamente com muita dificuldade. Não há fogão, a comida é feita em um pequeno fogareiro de carvão. A cada dois meses, Veríssimo gasta alguns trocados com poucos mantimentos, como açúcar, arroz, feijão e café. As poucas frutas são colhidas ali mesmo, na floresta e, para ter algum trocado, Veríssimo faz o roçado de mandioca de um ou outro vizinho.
Foto de Veríssimo Mesquita
Quase cego, Veríssimo Mesquita vivia isolado no meio da floresta quando foi localizado pela equipe volante de assistência social"
Mais de uma hora de entrevista depois, Veríssimo é encaminhado para consultas médicas e incluído no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Os primeiros resultados acontecem em um mês: após consulta oftalmológica, ele aguarda cirurgia para solucionar seu problema de visão. Também foi encaminhado ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras) de Novo Airão para ter acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a pessoas idosas ou deficientes que não consigam se manter sozinhas.
Veríssimo é um dos milhares de brasileiros em situação de extrema pobreza encontrados pela Busca Ativa, estratégia implementada há três anos pelo governo federal para localizar a população ainda não alcançada pela rede de proteção social garantida pelo Sistema Unificado de Assistência Social (Suas) em todo o país. De lá para cá, 1,35 milhão de famílias em situação vulnerável foram localizadas. São pessoas antes invisíveis e sem noção dos seus direitos, localizadas do Norte ao Sul do país, em áreas rurais e urbanas.
É uma mudança de paradigma na forma como trabalha a assistência social hoje no país. O Estado tem o dever de ir atrás da população vulnerável e em extrema miséria, não o contrário, prevê o Plano Brasil sem Miséria. Cerca de 1.200 equipes volantes percorrem periodicamente todos os rincões do país em ações de Busca Ativa.
Para tornar possível o acesso em rios e igarapés, o governo federal entregou 116 lanchas sociais aos municípios. Na região amazônica, inúmeros brasileiros vivem de forma isolada e distante dos centros urbanos, fazendo com que as equipes de assistentes sociais e psicólogos façam longas viagens, nem sempre com o conforto desejado. Já é noite quando a lancha atraca de volta no pequeno porto de Novo Airão.
Todos estão exaustos e suados com o calor úmido, típico da região Norte. A sensação, porém, é a do dever cumprido. Para a psicóloga Regina Andrade, funcionária da Secretaria de Assistência Social do Amazonas, “nada é mais satisfatório do que poder ajudar uma pessoa fazendo com que ela saiba que tem direito aos serviços do Estado”.
No dia seguinte, mal nasce o sol e a lancha social já está pronta para uma nova viagem – percorrer os igarapés do rio Preto, um dos afluentes do rio Negro, no município de Rio Preto da Eva, a 78 quilômetros de Manaus. Desta vez, o objetivo é verificar quem não está recebendo os benefícios regularmente e atualizar os dados do Cadastro Único. Na equipe, quatro assistentes sociais, um psicólogo, um estagiário de Medicina e Francisco Anderson de Brito, secretário de Assistência Social do município.
Quarenta minutos de viagem pelo rio Preto, incluindo 30 em pequenos barcos a motor pelo Igarapé do Pedra, a equipe chega ao casal Laurenilda Batista da Silva, 36 anos, e Arnaldo Pereira da Silva, 28 anos. Os dois estão ilhados depois que a água do rio subiu e, rapidamente, inundou boa parte do terreno e do interior da casa de madeira.
Ali ficou constatado que Laurenilda estava sem receber o Bolsa Família havia mais de dois meses, porque não havia atualizado o cadastro com o novo endereço . “Mudei há pouco tempo de Itacoatiara para o Igarapé do Pedra e não consegui mudar o endereço. Ainda bem que vocês vieram, porque esse dinheiro faz falta”.
Ela conta que o marido é piloto de lancha escolar e leva crianças para a localidade de São Sebastião do Meriti, uma hora rio abaixo. Mas o que ele ganha precisa ser complementado pelo Bolsa Família que, segundo Laurenilda, é essencial para comprar material escolar, roupas e alimentos para os dois filhos.
A equipe segue para novas buscas. Há pelo menos 112 famílias em toda a região em torno do Rio Preto, e seus igarapés. A visita é de casa em casa, parando e conversando com os ribeirinhos, atualizando os dados, incluindo os filhos que nasceram recentemente, identificando as vacinações e as consultas médicas para os idosos.
“É uma ação que fazemos com muita regularidade, porque é necessário manter todas as informações atualizadas para que as famílias recebam seus benefícios em dia”, diz o secretário de Assistência Social de Rio Preto da Eva, Francisco Anderson de Brito, que acompanha as equipes sempre que possível. Além de identificar pessoas vivendo em situação de extrema pobreza, fora do cadastro de acesso aos programas federais, a Busca Ativa acompanha e atualiza os dados das famílias já atendidas nos serviços sociais básicos de saúde, saneamento, educação, assistência social, segurança alimentar e nutricional.
No início da noite os profissionais atracam no porto de Maniápolis, em São Sebastião do Meriti, mas não para descansar. Eles seguem direto para uma reunião com a comunidade, para falar dos problemas causados pelo uso de drogas. O palestrante é um jovem estudante de Medicina que faz estágio na Secretaria de Assistência Social do Amazonas e vem regularmente de Manaus a Rio Preto da Eva para acompanhar crianças e idosos que precisam de assistência médica.
Rural e urbano – Do outro lado do país, uma equipe volante de assistência social de São José dos Campos, interior de São Paulo, prepara-se para Busca Ativa na comunidade Menino Jesus, no bairro Chácaras Reunidas.
Passa das 10 da manhã. Para chegar ao local, a van com os profissionais precisa sair do asfalto e descer um caminho de chão batido e estreito, difícil de manobrar. A localidade fica no extremo sul do município, local cheio de indústrias. No pequeno vão entre o muro de uma fábrica e uma ribanceira, vários barracos foram levantados.
É nítido o risco que correm os moradores, especialmente numa região com muitas chuvas. Num determinado ponto, a van não pode passar, e a equipe tem que seguir a pé. Aos poucos, do meio de muito lixo e mato, começam a aparecer as primeiras “construções”, de madeira e materiais reciclados.
Foto da famílias de Laurenilda Silva
A família de Laurenilda Silva atualizou os dados do Cadastro Único graças à chegada da lancha da assistência social durante a cheia do rio
Cerca de 100 famílias vivem ali. Na frente de um centro comunitário improvisado, elas estão reunidas, à espera dos assistentes sociais. Parte da comunidade Menino Jesus saiu do extinto Pinheirinho, local que ganhou o noticiário nacional em 2012. Em janeiro daquele ano, uma ordem judicial de reintegração de posse retirou 1,5 mil famílias de uma área particular de 1,3 milhão de metros quadrados em poucas horas.
No dia da desocupação, o catador de material reciclável Nelson Sebastião da Silva, 69 anos, estava no hospital devido a uma picada de escorpião. Quando teve alta, viu-se sem nada. Sequer recebeu o vale-aluguel de R$ 500 distribuído pela prefeitura de São José dos Campos. A opção foi viver na comunidade Menino Jesus, levantando novamente um barraco.
Com a inscrição no Cadastro Único, Nelson terá acesso a políticas públicas de seguridade social, como o Minha Casa Minha Vida, assistência médica e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Ele disse não saber que tinha direito aos benefícios. “Pensava que só as mulheres tinham”, explicou.
Como Nelson, outras 22 famílias da comunidade foram inscritas no Cadastro Único na ocasião. “Nosso objetivo é informar que há uma política de acesso a diversos serviços, que podem melhorar a vida da população local,” explicou Eloísa de Oliveira Fisher, coordenadora do programa no município.
Com a Busca Ativa, o Estado cumpre seu papel de encontrar e incluir milhares de brasileiros que viviam excluídos pelas políticas públicas.
Texto: Francisco Marques
Reportagem: Lígia Girão, Lis Weingärtner e Luiz Cláudio Moreira
Leia também

Eles superaram a pobreza | Oportunidades para crescer | Todo mundo ganha |
O campo está vivo | Mais saudáveis e desenvolvidos | Um futuro melhor para novas gerações |
Ao lado de quem mais precisa | A busca pelos invisíveis |

Nenhum comentário:

Postar um comentário