Assistência técnica, acesso à agua e garantia de comercialização transformam o meio rural
"Você quer um sanduíche?”. É assim, com a simplicidade de uma criança de quatro anos, que Kaleb Cortes recebe as pessoas que visitam seus avós na chácara Boa Vista, no Assentamento Chapadinha, em Brasília (DF). Um pouco antes do almoço, os netos dos produtores rurais Lindaci Maria Cortes, 51 anos, e Raimundo Nonato de Souza, 42 anos, correm em direção à horta da família para colher os ingredientes do “supersanduba”, como fala Kaleb: folhas de alface, rúcula e couve recheadas com tomatinhos cerejas, tudo orgânico. A avó olha tudo, orgulhosa. “É muito gratificante ver os filhos e netos tendo uma alimentação saudável”.
O casal Lindaci e Raimundo vive há nove anos na propriedade de 10 hectares na zona rural da capital do país. Produzem mais de 30 tipos de alimentos e escoam toda a produção. Eles são uma das milhares de famílias brasileiras que estão transformando o meio rural do país, com a ajuda de ações e programas de inclusão produtiva rural do governo federal dentro do Plano Brasil Sem Miséria. Assistência técnica, acesso à àgua e à luz, fomento para a produção, garantia de safra, compra direta da produção dos alimentos são algumas das ações que têm impactado a vida de famílias do campo, em todas as regiões do país, no cerrado, no sertão, nos pampas.
A vida da família começou a mudar em 2007, quando Lindaci Cortes decidiu deixar de ser diarista e sobreviver do que podia plantar. Ela conta que passou por alguns apertos e não conseguia faturar mais do que R$ 200 por mês. Não passaram fome, diz, porque parentes ajudaram.
Em março de 2012, a família composta por três filhos e sete netos, e já inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais, passou a receber R$ 300 de benefício do programa Bolsa Família. Assim, a alimentação do dia a dia ficou garantida. Ainda no mesmo ano, a inscrição no banco de dados do governo federal deu acesso aos programas de assistência técnica e, depois, de apoio à comercialização.
Hoje, enquanto uma das suas filhas prepara um farto almoço, com direito a arroz, feijão, abobrinha refogada e frango cozido, Lindaci relembra o passado. “Era um desespero só. As crianças pediam algo para comer e não tinha nada”, completa, ao finalizar a preparação da salada, feita com verduras recém-colhidas e decorada com flores.
Como eles, 354 mil famílias brasileiras participam do Programa de Fomento às Atividades Rurais. Por meio da ação, os agricultores familiares em situação de extrema pobreza espalhados pelo país recebem assistência técnica e extensão rural, além de R$ 2,4 mil – em três parcelas – para investir em projetos produtivos. A capacitação é feita por entidades e organizações de assistência técnica, privadas ou públicas, em todo o país.
Na primeira colheita após a implantação da tecnologia social, ainda em 2012, os alimentos produzidos, como alface, rabanete e tomate, foram encaminhados para entidades beneficiadas pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). “Quando participamos pela primeira vez do PAA, fechamos a nossa cota de R$ 4,5 mil em três entregas”, lembra Lindaci. De lá para cá, eles não saíram mais do programa.
Além de vender para o PAA, a família repassa os produtos em duas ações: no programa de compras institucionais do governo do Distrito Federal, que possibilita o recebimento de até R$ 8 mil por ano, e, junto com outras famílias da região, vendem os produtos orgânicos em quatro feiras de Brasília, e tiram cerca de R$ 250 por semana.
Raimundo não esconde o sorriso quando compara as duas épocas. “A diferença é muito grande. Quando trabalhava assalariado, eu não ganhava a quantia que recebo aqui”, celebra o agricultor.
Com a mesma alegria o produtor rural Augusto Júnior dos Santos, de 32 anos, se dedica à criação de frangos no DF. Ele chegou a trabalhar em um restaurante no centro de Brasília, até perceber que precisava voltar para o campo. Em 2013, depois de descobrir o Programa de Fomento e receber assistência técnica, o agricultor familiar teve a oportunidade de ver a produção crescer.
O PAA foi fundamental para o negócio prosperar. Desde outubro de 2013, Augusto comercializou cerca de R$ 4,6 mil com o programa. “É um dinheiro que é certo e justo”, conta o agricultor, que já conseguiu inclusive comprar material para aumentar sua casa.
E os resultados da mudança de vida vão muito além da pequena propriedade rural. Após dez anos longe das salas de aula, a sua esposa, Federica Cordeiro, 30 anos, voltou a estudar. Está no segundo semestre da graduação em Pedagogia.
Convivendo com a seca – Do outro lado do Brasil, os sertanejos do Semiárido nordestino, castigados por períodos prolongados de seca, enfrentaram de forma diferente a estiagem que teve início em 2012 – a pior dos últimos 50 anos, segundo dados da Organização Meteorológica Mundial.
A entrega, nos últimos três anos, de mais de 750 mil cisternas de água para consumo humano e de outras 88 mil tecnologias sociais de apoio à produção, dentro das ações do Plano Brasil Sem Miséria, abriu novas oportunidades para quem já não tinha mais esperança de colher frutos daquela terra seca, sem valor.
O sertanejo Raimundo Rodrigues Pessoa, 48 anos, morador de Itapipoca (CE), conta que já teve que fazer “de tudo um pouco nesta vida”. “Já fui até camelô na cidade grande”, lembra.
Foram três anos em São Paulo. A saudade da família e da terra motivou sua volta ao sertão. E a chegada da cisterna para consumo, em 2010, diminuiu a dor da seca. Que o diga sua esposa, Maria das Dores Martins, 44 anos, que não teve mais problemas de infecção urinária em razão da água salobra que bebia diariamente.
Já o sentimento de que o sertão poderia lhe render frutos veio em 2012. Com a implantação da cisterna para produção, Raimundo conseguiu plantar abacaxi, cebolinha, chuchu, banana e muitos outros produtos. A renda total da família é superior a R$ 1 mil por mês.
Hoje, Raimundo comemora não precisar mais trabalhar como empregado. “Só saio daqui pelas mãos de Deus. Nunca imaginamos ter um quintal com tanta comida”, comemora o agricultor, que ainda se dedica à criação de porcos e galinhas.
Melhoria de vida – A falta d'água também não é mais problema para a baiana Irene Santos de Jesus, 39 anos, no município de Serra Preta (BA). Por muitos anos, a única água disponível para consumo estava a doze quilômetros de sua casa.
Em 2005, aconteceu a mudança. Ela recebeu a primeiro reservatório do Programa Cisternas, passando a captar a água da chuva. “As cisternas tiraram um peso da cabeça das mulheres”, declara.
Quando a família recebeu a segunda cisterna, em 2013, a agricultora financiou a compra de uma vaca leiteira com recursos do Programa de Microcrédito Produtivo Orientado (Crescer). Com o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), ela investiu no pequeno plantio de laranjas e na criação de galinhas caipiras.
Ao lembrar sobre as mudanças em sua vida, Irene de Jesus fala do que ainda está para chegar. “Em breve, vou receber a minha nova casinha”, diz ao contar que foi beneficiada pelo programa Minha Casa Minha Vida Rural, junto com outras 50 pessoas na comunidade.
Persistência – Mudança essa que o agricultor familiar Abelmanto de Oliveira, 42 anos, e sua esposa Jacira de Oliveira, 43 anos, tanto desejaram. Juntos, em 2007, investiram na criação de abelhas e ovelhas em Riachão do Jacuípe, a 207 quilômetros de Salvador (BA). Enfrentaram dificuldades: as abelhas migraram por conta da seca. E, com as dívidas, o casal vendeu os animais.
A inquietude do agricultor não o deixou abandonar o sertão. Ele conseguiu apoio dos governos federal e estadual para a construção de uma cisterna de consumo e outra para a produção.
Depois de ser capacitado para construir os reservatórios, o casal passou a pesquisar e investir em outras tecnologias para armazenar água da chuva.
“Na verdade, me considero num paraíso em pleno Semiárido”, fala Abelmanto, que vende a maior parte da sua produção para reforçar a merda escolar das crianças por meio do Pnae.
A família também voltou a criar animais: cabras e galinhas. O esterco gera biogás para a cozinha e biofertilizante para as plantas. “A seca é um fenômeno natural e cíclico e, na verdade, a gente tem que aprender a conviver com a realidade que se vive e criar mecanismos para lidar com essas situações”, ensina.
Texto e Reportagem: André Luiz Gomes e Patrícia Alencar
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