segunda-feira, 20 de maio de 2013

A China envelhece: asilo em Pequim tem fila de espera de décadas



Mudanças provocadas pela Política do Filho Único e o crescimento econômico desequilibrou relação familiar

Fernanda Morena

A Casa de Bem-Estar Social N.1, a mais famosa instituição para o cuidado de idosos da capital chinesa, está com sua capacidade lotada. Há mais de dez mil pessoas na lista de espera por um dos 1,1 mil leitos disponíveis, o que faz com que a obtenção de uma vaga possa ultrapassar o tempo de vida dos candidatos.
O motivo para a superlotação se concentra na transformação econômicapela qual o país passa desde a época da reforma de 1979. A lei do filho único estabelecida naquele ano diminuiu as famílias; a mobilidade social advinda com o processo de urbanização separou os filhos de seus pais, que foram deixados em seus vilarejos na zona rural e a inserção das mulheres no mercado de trabalho impossibilitou que as noras cuidassem de seus sogros, como manda a cartilha cultural mandarim baseada na filosofia de Confúcio.


Prática de tai-chi-chuan na Casa de Bem-Estar Social N1, em Pequim

“Muitas famílias decidiram colocar os avós em asilos por não terem tempo eles mesmos de cuidarem, em função do trabalho. Mas o que descobri nas minhas pesquisas é que a maior parte destas famílias sofreu muito ao tomar esta decisão, muitas vezes até a contragosto, e na maior parte do tempo para atender às súplicas dos pais”, explica a Opera Mundi, especialista em envelhecimento Heying Jenny Zhan, da Universidade da Geórgia.

A Casa de Bem-Estar Social é um estabelecimento público e fica localizada no coração do bairro Chaoyang, no centro de Pequim. Com instalações e serviços considerados excelentes, a casa consegue manter sua popularidade em alta mesmo com a tabela de preços pouco acessível para a maioria. Os leitos custam entre 650 yuans (227 reais) e 3,5 mil yuans (1.138 reais).

As atividades em grupo e o contato direto com “amigos” é a razão pela qual Sun Lin, de 67 anos, decidiu sair de seu apartamento na capital para ir morar no asilo. “Eu estou aqui sempre rodeada de gente, e ficamos juntos conversando, jogando", diz. Para Lin, que vivia sozinha e só via a filha e a neta um final de semana por mês, a troca foi vantajosa. “Eu gastei todo o dinheiro que tinha, e ainda pago quase toda a mensalidade com a minha aposentadoria. Ainda assim, preciso da ajuda da minha filha”, conta.

A filha de Sun Lin tem 39 anos e um trabalho estável. Vindas de uma família típica da classe média, ambas tiveram que conter os gastos durante toda a vida para que a neta de Lin pudesse frequentar a faculdade e, ela mesma, um asilo, caso a necessidade chegasse.

População mais velha

A história de Lin não é um fenômeno isolado e se repete não só pelos corredores da Casa, como também pelo país. Depois do boom de nascimentos ocorrido nos anos 1950 encorajado por Mao Tsé-tung, a política do filho único instalada por Deng Xiaoping em 1979 deu início ao processo de envelhecimento da China. Em 2015 o país terá 220 milhões de pessoas com idade acima dos 60 anos e, em 40 anos, esse número irá mais do que dobrar, conforme a previsão do Escritório Nacional de Estatísticas da China.

O sistema de previdência e seguridade social, ainda precário, não é capaz de dar o apoio necessário para um terço de sua população total formada por idosos. Analistas acreditam que o problema não é resultado do governo comunista e sim herança da cultura confucionista ainda do período imperial.
Conforme a cultura chinesa, os filhos devem aos pais o que é chamado de “piedade filial”. O conceito manda que os filhos homens cuidem de seus pais na velhice, sendo eles os responsáveis pelo amparo econômico e emocional dos idosos. As esposas eram responsáveis por cuidar da casa e do casal de sogros quando a velhice deles chegasse. Com o passar do tempo, esses valores passaram por uma “revisão”espontânea trazida pela nova conjectura social, mas ainda não desapareceram. E nem deverão desaparecer, segundo Heying.

“O maior motivo para as famílias enviarem os idosos para asilos não é a falta da piedade filial, mas sim a falta de tempo da vida moderna. Já foi comprovado que, para aquelas famílias que têm condições de manter os pais em casa e podem pagar uma enfermeira ou acompanhante durante as horas em que estão trabalhando, a opção pelo cuidado tradicional dos pais fica sempre em primeiro lugar”, aponta.

Diversos casos de abandono e descaso já foram também reportados na China, o que levou o país a criar, em dezembro do ano passado, uma lei que permite aos pais processarem filhos negligentes. E não é apenas a falta de apoio financeiro que dará o caso aos idosos; a falta de visitas dos filhos pode também ser motivo de um processo judicial.

Preparação e apoio aos idosos

Ainda que o sistema de previdência esteja mudando ao longo dos anos para incluir mais pessoas e atender melhor à terceira idade chinesa, questões como a poluição e os novos hábitos alimentares chineses (como o aumento do consumo de carne e doces) mudaram também o mapa da saúde na China.

Um programa criado em julho de 2011 colocou 33 hospitais da capital chinesa a operarem sob um fundo de segurança criado pelo Escritório Municipal de Recursos Humanos e Segurança Social de Pequim. No início do programa, o fundo cobria todos os serviços reembolsáveis por planos de saúde dos hospitais. Hoje, os hospitais são obrigados a cobrir os gastos caso eles ultrapassem o montante direcionado a eles anualmente.

Ainda não foram anunciadas medidas que envolvam projetos de planejamento urbano para absorver os 500 milhões de idosos que farão a composição da paisagem urbana da China nas próximas quatro décadas. Assim, o mercado de iniciativa privada e de serviços terceirizados, como o da Casa, floresce. “Não há um plano concreto para a mudança das cidades num país que está se tornando cada vez mais urbano. Mas há uma série de serviços criados especialmente para atender a demanda da população mais velha, como entrega de comida e centros de cuidado para idosos”, aponta Heying.

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