José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília
Adital
Terminou mais uma Campanha da Fraternidade. Como das outras vezes, sinto uma sensação de vazio. O que ficou mesmo como legado? O que farão as dioceses e paróquias em favor dos jovens? As comunidades católicas do Brasil estarão mais abertas para o acolhimento dos verdadeiros jovens, daqueles que realmente existem? Ou continuará sendo um lugar apenas para jovens fictícios como aquela mocinha do cartaz da CF: bem vestidinha, de idade mediana, "carismática”, sem tatuagens e sem piercings?
Na Universidade Católica de Brasília aconteceu uma Semana Acadêmica para analisar o tema da juventude brasileira. A análise foi feita através de uma metodologia científica na qual os próprios jovens universitários se interrogavam a si mesmos, faziam análise de dados da própria realidade, confrontavam os dados com textos publicados em revistas científicas e, a partir dos dados e dos textos, apontavam algumas propostas. Entre os tantos textos científicos analisados, um deles me chamou bastante a atenção. Trata-se do artigo Violência social, pobreza e identidade entre jovens no Entorno do Distrito Federal, resultante de uma pesquisa realizada por Marília Luíza Peluso e Cassiana Vaz Tormim, professoras do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília (UnB) e publicado na revista Espaço e Tempo (nº 18, 2005, p. 127-137).
O artigo me chamou a atenção antes de tudo porque falava da realidade de muitos jovens que frequentam a nossa universidade e que moram no Entorno. Por Entornose entende aqui os municípios do estado de Goiás que estão em volta do Distrito Federal. Além disso, entre tantos aspectos pesquisados, as autoras analisam o impacto na vida dos jovens da pertença à Igreja Católica Romana. A pesquisa realizada revelou que a participação eclesial dos jovens contribui para o resgate dos sujeitos, ou seja, "lhes permite interagir socialmente e instituir uma identidade estável e temporalmente contínua, que vem de um passado, mantém-se no presente e aponta para um futuro” (p. 134). O reconhecimento por parte de outras pessoas que compõem a comunidade cristã influencia decisivamente na afirmação da identidade dos jovens, os quais encontram "um sentido estável de si” (p. 135).
Porém, a pesquisa revela alguns aspectos que não deixam de ser preocupantes. As pesquisadoras não tiveram a intenção de entrar no mérito estritamente religioso católico e deixam bem explícito no trabalho que não fizeram uma pesquisa sobre religião (p. 129). Todavia, lendo as entrelinhas dos dados da pesquisa é possível tirar algumas conclusões voltadas especificamente para a questão eclesial.
Em primeiro lugar a leitura da pesquisa (p. 134) permite perceber que a contribuição positiva para a vida dos jovens supõe a existência de grupos de jovens onde de fato eles e elassejam protagonistas e realmente tratados como tais. Isso quer dizer que não vale uma pastoral de massificação juvenil do tipo "rebanhão”, mas é indispensável a existência de pequenos grupos que possibilitem aos jovens "estarem entre pessoas conhecidas e entre familiares” (p. 134).
No entanto, o que se tem visto nos últimos anos é oesfacelamento da Pastoral da Juventude (PJ), com a consequente extinção de grupos de jovens organizados a partir da metodologia dessa pastoral. Bispos e padres, de forma sistemática, aboliram a PJ em suas dioceses e paróquia e empurram os jovens para o anonimato ou para movimentos massificantes, moldados num estilo tradicional e europeu, onde as questões reais da juventude brasileira não são tratadas e nem consideradas. Assim sendo, aqueles jovens mais conscientes e mais críticos ficaram sem referenciais. Não conseguem se encaixar em movimentos que, fazendo uma lavagem cerebral da juventude, levam a meninada a não se identificar mais com a PJ e, consequentemente, a não mais pensar. Tornam-se ovelhinhas dóceis e submissas que aceitam qualquer idiotice pregada por padres e bispos. E para não permitir que os jovens continuem pensando e alimentando a consciência crítica, fecharam institutos de formação de jovens, como, por exemplo, o Instituto de Pastoral da Juventude (IPJ) e a Casa da Juventude (CAJU).
Um segundo elemento que aparece na pesquisa mencionada, mesmo que de maneira implícita, e que, certamente, é decorrente do primeiro, é a tendência ao dualismo e ao maniqueísmo. Jovens frequentadores das igrejas, captados e cooptados pelos movimentos, sentem-se "os bons”, os "honestos”, aqueles que têm um "comportamento correto”, e se recusam a misturar-se com os "jovens fora do grupo” que "apresentam moral e costumes duvidosos” (p. 134). Temos com isso a constituição de verdadeiras seitas, de grupos sectários que se fecham e se isolam do resto da humanidade, deixando assim de serem evangelizadores. Com isto rompem a dinâmica da encarnação do Verbo, agem como os fariseus e escribas do tempo de Jesus, uma vez que não querem se misturar com "os pecadores e as prostitutas” (Mc 2,16-17). Essa coisa de "sentir-se seguro física e psicologicamente” (p. 134), estabelecendo um distanciamento de quem é considerado ruim, é a expressão mais terrível da perversão do sentido do cristianismo. É a negação absoluta do discipulado e do seguimento de Jesus.
Disto decorre um terceiro elemento: a intolerância e a discriminação de quem é diferente e de quem não age e pensa como aqueles que fazem parte do movimento sectário. Intolerância e discriminação cultivadas inclusive em relação àquelas jovens e àqueles jovens católicos que pensam diferente e que cultivam a fé de outra maneira. Nesta perspectiva a evangelização é entendida como proselitismo, ou seja, como verdadeira cruzada para converter essa "gente desestruturada” (p. 135). Esses jovens que se autoproclamam os autênticos cristãos, os únicos que estão no caminho certo, estão superconvencidos de que buscar e viver sob a proteção da Igreja Católica Romana é a única saída para a juventude e para a humanidade (p. 135). São incapazes de perceberem valores e coisas boas nos outros jovens que não fazem parte de seu movimento ou da Igreja Católica.
O resultado disso tudo é o fracasso total. E isto por uma simples razão, apontada pela própria pesquisa das professoras da UnB. A transmutação acontece apenas em nível individual, enquanto "as contradições permanecem na esfera do sujeito, sem que ocorra sua projeção para a esfera social” (p. 136). Os movimentos e as atividades da pastoral das massas alimentam uma religiosidade individualista que não impacta na vida social. A sociedade continua sendo a mesma, também por conta da ausência de cristãos e de cristãs capazes de contribuir para a sua transformação. O dia a dia da vida concreta continua interpelando esse jovem que não está conectado com o mundo real. As contradições e a realidade nua e crua o afeta e devido à pedagogia do medo, cultivada nos ambientes eclesiásticos, ele sente-se culpado, revoltado e até invejoso da vida dos outros jovens "lá de fora”. E, no jogo das relações sociais, termina por copiar o "comportamento dos outros” que ele tanto odiava.
Portanto, a Igreja tem condições de ser um espaço que possibilite aos jovens um novo caminho. Mas isso só é possível se ela for capaz de oferecer-lhes "uma nova maneira de ver o mundo” e de "redefinir a sua vivência e o seu comportamento” (p. 136). Mas isto não se consegue com o esfacelamento da PJ, com o fechamento de espaços de formação e de educação crítica desses jovens. Não se consegue com religiosidades melosas e nem com pregações que não falam da vida concreta destes jovens. Por este motivo acredito que a Campanha da Fraternidade deste ano não causará nenhum impacto e não atingirá os jovens reais, se as dioceses e paróquias não forem capazes de revisar suas pedagogias e metodologias. Tudo continuará como antes: os jovens se afastando cada vez mais das Igrejas, como, aliás, apontam as pesquisas. Mesmo que alguns bispos e padres continuem iludidos com a mobilização de uns poucos deles em torno do evento que acontecerá em julho no Rio de Janeiro, em torno da figura do papa.
[José Lisboa é autor de Viver em Comunidade para a Missão. Um chamado à Vida Religiosa Consagrada, por Paulus Editora. Mais informações: http://www.paulus.com.br/viver-em-comunidade-para-a-missao-um-chamado-a-vida-religiosa-consagrada_p_3083.html].
Na Universidade Católica de Brasília aconteceu uma Semana Acadêmica para analisar o tema da juventude brasileira. A análise foi feita através de uma metodologia científica na qual os próprios jovens universitários se interrogavam a si mesmos, faziam análise de dados da própria realidade, confrontavam os dados com textos publicados em revistas científicas e, a partir dos dados e dos textos, apontavam algumas propostas. Entre os tantos textos científicos analisados, um deles me chamou bastante a atenção. Trata-se do artigo Violência social, pobreza e identidade entre jovens no Entorno do Distrito Federal, resultante de uma pesquisa realizada por Marília Luíza Peluso e Cassiana Vaz Tormim, professoras do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília (UnB) e publicado na revista Espaço e Tempo (nº 18, 2005, p. 127-137).
O artigo me chamou a atenção antes de tudo porque falava da realidade de muitos jovens que frequentam a nossa universidade e que moram no Entorno. Por Entornose entende aqui os municípios do estado de Goiás que estão em volta do Distrito Federal. Além disso, entre tantos aspectos pesquisados, as autoras analisam o impacto na vida dos jovens da pertença à Igreja Católica Romana. A pesquisa realizada revelou que a participação eclesial dos jovens contribui para o resgate dos sujeitos, ou seja, "lhes permite interagir socialmente e instituir uma identidade estável e temporalmente contínua, que vem de um passado, mantém-se no presente e aponta para um futuro” (p. 134). O reconhecimento por parte de outras pessoas que compõem a comunidade cristã influencia decisivamente na afirmação da identidade dos jovens, os quais encontram "um sentido estável de si” (p. 135).
Porém, a pesquisa revela alguns aspectos que não deixam de ser preocupantes. As pesquisadoras não tiveram a intenção de entrar no mérito estritamente religioso católico e deixam bem explícito no trabalho que não fizeram uma pesquisa sobre religião (p. 129). Todavia, lendo as entrelinhas dos dados da pesquisa é possível tirar algumas conclusões voltadas especificamente para a questão eclesial.
Em primeiro lugar a leitura da pesquisa (p. 134) permite perceber que a contribuição positiva para a vida dos jovens supõe a existência de grupos de jovens onde de fato eles e elassejam protagonistas e realmente tratados como tais. Isso quer dizer que não vale uma pastoral de massificação juvenil do tipo "rebanhão”, mas é indispensável a existência de pequenos grupos que possibilitem aos jovens "estarem entre pessoas conhecidas e entre familiares” (p. 134).
No entanto, o que se tem visto nos últimos anos é oesfacelamento da Pastoral da Juventude (PJ), com a consequente extinção de grupos de jovens organizados a partir da metodologia dessa pastoral. Bispos e padres, de forma sistemática, aboliram a PJ em suas dioceses e paróquia e empurram os jovens para o anonimato ou para movimentos massificantes, moldados num estilo tradicional e europeu, onde as questões reais da juventude brasileira não são tratadas e nem consideradas. Assim sendo, aqueles jovens mais conscientes e mais críticos ficaram sem referenciais. Não conseguem se encaixar em movimentos que, fazendo uma lavagem cerebral da juventude, levam a meninada a não se identificar mais com a PJ e, consequentemente, a não mais pensar. Tornam-se ovelhinhas dóceis e submissas que aceitam qualquer idiotice pregada por padres e bispos. E para não permitir que os jovens continuem pensando e alimentando a consciência crítica, fecharam institutos de formação de jovens, como, por exemplo, o Instituto de Pastoral da Juventude (IPJ) e a Casa da Juventude (CAJU).
Um segundo elemento que aparece na pesquisa mencionada, mesmo que de maneira implícita, e que, certamente, é decorrente do primeiro, é a tendência ao dualismo e ao maniqueísmo. Jovens frequentadores das igrejas, captados e cooptados pelos movimentos, sentem-se "os bons”, os "honestos”, aqueles que têm um "comportamento correto”, e se recusam a misturar-se com os "jovens fora do grupo” que "apresentam moral e costumes duvidosos” (p. 134). Temos com isso a constituição de verdadeiras seitas, de grupos sectários que se fecham e se isolam do resto da humanidade, deixando assim de serem evangelizadores. Com isto rompem a dinâmica da encarnação do Verbo, agem como os fariseus e escribas do tempo de Jesus, uma vez que não querem se misturar com "os pecadores e as prostitutas” (Mc 2,16-17). Essa coisa de "sentir-se seguro física e psicologicamente” (p. 134), estabelecendo um distanciamento de quem é considerado ruim, é a expressão mais terrível da perversão do sentido do cristianismo. É a negação absoluta do discipulado e do seguimento de Jesus.
Disto decorre um terceiro elemento: a intolerância e a discriminação de quem é diferente e de quem não age e pensa como aqueles que fazem parte do movimento sectário. Intolerância e discriminação cultivadas inclusive em relação àquelas jovens e àqueles jovens católicos que pensam diferente e que cultivam a fé de outra maneira. Nesta perspectiva a evangelização é entendida como proselitismo, ou seja, como verdadeira cruzada para converter essa "gente desestruturada” (p. 135). Esses jovens que se autoproclamam os autênticos cristãos, os únicos que estão no caminho certo, estão superconvencidos de que buscar e viver sob a proteção da Igreja Católica Romana é a única saída para a juventude e para a humanidade (p. 135). São incapazes de perceberem valores e coisas boas nos outros jovens que não fazem parte de seu movimento ou da Igreja Católica.
O resultado disso tudo é o fracasso total. E isto por uma simples razão, apontada pela própria pesquisa das professoras da UnB. A transmutação acontece apenas em nível individual, enquanto "as contradições permanecem na esfera do sujeito, sem que ocorra sua projeção para a esfera social” (p. 136). Os movimentos e as atividades da pastoral das massas alimentam uma religiosidade individualista que não impacta na vida social. A sociedade continua sendo a mesma, também por conta da ausência de cristãos e de cristãs capazes de contribuir para a sua transformação. O dia a dia da vida concreta continua interpelando esse jovem que não está conectado com o mundo real. As contradições e a realidade nua e crua o afeta e devido à pedagogia do medo, cultivada nos ambientes eclesiásticos, ele sente-se culpado, revoltado e até invejoso da vida dos outros jovens "lá de fora”. E, no jogo das relações sociais, termina por copiar o "comportamento dos outros” que ele tanto odiava.
Portanto, a Igreja tem condições de ser um espaço que possibilite aos jovens um novo caminho. Mas isso só é possível se ela for capaz de oferecer-lhes "uma nova maneira de ver o mundo” e de "redefinir a sua vivência e o seu comportamento” (p. 136). Mas isto não se consegue com o esfacelamento da PJ, com o fechamento de espaços de formação e de educação crítica desses jovens. Não se consegue com religiosidades melosas e nem com pregações que não falam da vida concreta destes jovens. Por este motivo acredito que a Campanha da Fraternidade deste ano não causará nenhum impacto e não atingirá os jovens reais, se as dioceses e paróquias não forem capazes de revisar suas pedagogias e metodologias. Tudo continuará como antes: os jovens se afastando cada vez mais das Igrejas, como, aliás, apontam as pesquisas. Mesmo que alguns bispos e padres continuem iludidos com a mobilização de uns poucos deles em torno do evento que acontecerá em julho no Rio de Janeiro, em torno da figura do papa.
[José Lisboa é autor de Viver em Comunidade para a Missão. Um chamado à Vida Religiosa Consagrada, por Paulus Editora. Mais informações: http://www.paulus.com.br/viver-em-comunidade-para-a-missao-um-chamado-a-vida-religiosa-consagrada_p_3083.html].
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