quarta-feira, 22 de maio de 2013

Casamento gay, novo problema para Cameron


Casamento gay, novo problema para Cameron

A defesa dos direitos dos gays nunca foi ponto forte dos conservadores. Quando assumiu como líder do partido, em 2005, decidido a “modernizar” a imagem de sua força, Cameron começou a cortejar uma posição mais “gay friendly”, que culminou com este projeto aprovado pelo setor modernizador de seu partido e seus sócios na coalizão, os liberal-democratas. Cameron não contava que desataria uma forte rebelião interna, que ameaça arrastar mais conservadores para as filas do UKIP. Por Marcelo Justo.

Londres - Entre a Europa e o casamento homossexual, o primeiro ministro britânico David Cameron não sai da sua crise política. Com a Europa ele se comprometeu com um referendo sobre a presença britânica na União Europeia e deixou insatisfeita a crescente legião de eurocéticos conservadores e aliados continentais, como a chanceler alemã Angela Merkel, cansados com os devaneios britânicos sobre o tema. Na terça (21) à noite, na Câmara dos Comuns, 130 conservadores votaram contra o projeto de lei para legalizar o casamento gay e, na Câmara dos Lordes, seus pares julgaram ontem que fariam o impossível para barrar o projeto, quando estiver para ser votado, em 3 de junho.

O questionamento da liderança de Cameron é tal que, entre os próprios conservadores se especula em voz alta a respeito da violenta mudança de direção do país antes das eleições de 2015, tirando de seu lugar como chefe do partido e o obrigando a renunciar como primeiro ministro. “A morte de Margareth Thatcher uniu a família conservadora. Não houve questionamentos de sua liderança e pareceu que não haveria problema em chegar a 2015. Depois de duas semanas desastrosas, isto mudou”, disse ao “The Independent” uma alta fonte conservadora.

Se os conservadores falam do tema estritamente “off the record”, os aliados no governo da coalizão, os liberal-democratas, decidiram tornar pública a sua preocupação. O líder de seu partido, Nicke Clegg, advertiu nesta quarta-feira que as divisões dos conservadores a respeito dos temas Europa e matrimônio gay estavam prejudicando seriamente o governo e que a coalizão não durará se Cameron não tomar as rédeas de seu partido. “É hora de governarmos, de desempenhar a liderança e do foco de que os britânicos necessitam, nestes momentos difíceis”, disse o vice-primeiro ministro Clegg.

As duas semanas “desastrosas” de David Cameron começaram com a débâcle nas eleições municipais do começo do mês, que viram um crescimento descomunal no percentual de votos do UKIP, do desprendimento da Europa e da anti-imigração, dos conservadores. Cameron tentou apagar o fogo intensificando a sua própria retórica anti-imigratória e acrescentando rapidamente, na semana passada, ao debate parlamentar a respeito de seu programa legislativo um projeto de lei para convocar um referendo sobre a Europa, em 2017, algo que não deixou os eurocéticos satisfeitos, que querem uma consulta popular antes das eleições.

Um aliado firme do primeiro ministro, o copresidente do Partido Conservador, Lorde Andrew Feldman, atiçou a polêmica dizendo que muitos ativistas conservadores eram um bando de “loucos desorbitados”. Como se não bastasse, na terça-feira à noite se somou à votação favorável ao projeto de lei do casamento gay.

A defesa dos direitos dos gays nunca foi ponto forte dos conservadores. Quando assumiu como líder do partido, em 2005, decidido a “modernizar” a imagem de sua força, Cameron começou a cortejar uma posição mais “gay friendly”, que culminou com este projeto de lei plenamente aprovado pelo setor modernizador de seu partido e seus sócios na coalizão, os liberal-democratas. Cameron não contava que desataria uma forte rebelião interna, que ameaça arrastar mais “loucos desorbitados” para as filas do UKIP. Não só os 130 conservadores votaram contra, na Câmara dos Comuns, como a rebelião se estendeu aos Lordes, onde os Tories [conservadores] rebeldes estão se aliando com representantes da igreja e das forças policiais, para barrar o projeto de lei ou acrescentar-lhe emendas que terminem o desfigurando.

Um ex-ministro de Margareth Thatcher, o sarcástico Lorde Norman Tebbit, resumiu seu pensamento sobre o desastre que o casamento gay causaria à coroa. “Quando tivermos uma rainha que é lésbica e que se casa que com uma dama e decida que quer um filho com alguém que doe esperma, o bebê que vier a ter será herdeiro da coroa? Admito que o matrimônio do mesmo sexo tenha as suas vantagens, porque me permitira liberar-me do imposto de herança, casando com meu próprio filho, por que não? Por que uma mãe não se casará com sua filha? Ou por que não fazê-lo com as irmãs?”, disse Tebbit. 

Menos florido, outro conservador apontou o verdadeiro perigo político do assunto. “Este projeto é a melhor arma de recrutamento que a UKIP pode ter”, disse Paul Goodman.

A situação do primeiro ministro foi descrita pela própria imprensa conservadora como “farsesca” e se parece cada vez mais com a que viveu outro conservador no poder, John Major, que teve a desgraça de substituir Margareth Thatcher, em 1991. Cameron tem uma coisa a favor e outra contra, em relação a Major. A favor é que Major tinha diante de si um dos líderes mais carismáticos do pós-guerra, que soube explorar ao máximo as divisões dos conservadores: o trabalhista Tony Blair. O atual líder da oposição, Ed Miliband, não tem nem de longe o mesmo carisma e não convenceu a opinião pública como um todo, de que é uma alternativa viável. 

Contra Cameron, à diferença de Major, que conseguiu uma recuperação econômica do Reino Unido, há o fato de que ele tem feito o país navegar, nos últimos três anos, entre a recessão e a estagnação econômica, um pecado muito ou mais grave para a maioria dos britânicos do que qualquer europeísmo ou do que a promoção dos direitos dos gays.

Tradução: Katarina Peixoto

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