Adendo ao artigo “Show do mensalão é pura distração”
Diante do questionamento de leitores sobre defender ou não os réus do mensalão, achei que é meu dever reforçar aspectos da argumentação exposta no artigo anterior.
Hamilton Octavio de Souza
O STF cumpre o objetivo de distrair a sociedade com o julgamento do mensalão. Distrair é desviar a atenção do principal para o secundário. A alta corte tenta passar para o público uma visão positiva e justa do Poder Judiciário que não corresponde à prática do aparelho Judiciário disponível na sociedade.
Cotidianamente o Judiciário funciona como instrumento das classes dominantes: protege os ricos, famosos e poderosos e pune duramente os pobres e os grupos sociais criminalizados. Os crimes dos ricos são ignorados ou tratados com especial cuidado. Os crimes dos pobres e discriminados são amplamente reprimidos, com a ação violenta da polícia e com o massacre comunicacional da grande mídia.
O caso do mensalão tem permitido ao STF construir uma imagem favorável ao Poder Judiciário, de maneira a reforçar perante a sociedade a falsa ideia ou a ilusão de que o Judiciário está aí para promover a Justiça para todos, mas na realidade o Judiciário é apenas mais um dispositivo de controle e demarcação classista.
É evidente que os crimes praticados por dirigentes do PT, em conluio com banqueiros, publicitários e lideranças de partidos conservadores, são passíveis de processo, julgamento e punição. Os autores devem ser punidos não apenas por desvios penais (uso de dinheiro público para compra de apoio), mas também por desvios éticos e políticos (adoção de práticas burguesas, de direita, em um partido de esquerda nascido no seio dos trabalhadores). Poderiam ser punidos, de imediato, pelos próprios companheiros de partido. Em seguida, pelo Estado, em nome da sociedade, se existisse um Judiciário que não fosse conivente com os crimes dos ricos, poderosos e famosos.
A questão principal não é saber se o julgamento do STF vai condenar ou não os réus do mensalão. Milhares de pessoas estão presas no Brasil por condenações sumárias do Judiciário, e em grande parte por crimes menos graves (ou menos danosos à sociedade) do que os crimes do mensalão.
Da mesma forma, milhares de crimes praticados cotidianamente por empresários, banqueiros, latifundiários, altos executivos e funcionários do Estado, mais graves do que os crimes do mensalão, são relegados, ignorados ou simplesmente colocados em banho-maria nos escaninhos da burocracia judiciária.
No entanto, apesar de o Judiciário agir sempre com dois pesos e duas medidas, conforme sua visão de classe, a opinião pública, habilmente conduzida pela grande mídia, está sendo levada a acreditar que a Justiça (aquela que reina igualmente para todos) existe efetivamente no Brasil e será feita no caso do mensalão, independentemente da prisão ou não dos réus.
Essa crença, na verdade, tão somente reforça o papel do Judiciário enquanto instrumento de poder, o que interessa bastante para as elites dominantes, especialmente porque tira qualquer foco sobre a atuação discriminatória do Judiciário que existe na vida real para a grande maioria do povo brasileiro.
Note-se que as torcidas pendem para uns e outros juízes e para uns e outros argumentos, conforme suas convicções e posições ideológicas, mas não rechaçam o STF em si. Até mesmo o PT tem referendado a supremacia do STF, o que significa defender a ordem estabelecida – mesmo que o resultado do julgamento seja contrário ao grupo dirigente. Afinal, por que o povo deveria ter alguma crença no STF do espetáculo ou no Judiciário que discrimina, persegue e pune sem o circo midiático? Ambos não fazem parte do mesmo sistema de poder?
Em resumo: a condenação dos réus do mensalão, merecidamente ou não, não muda a natureza do Judiciário brasileiro, na medida em que as várias instâncias desse poder vão continuar punindo severamente e prioritariamente os pobres, os desprotegidos e os discriminados; e o STF não deixará de ser o mesmo antro reacionário de sempre.
É preciso não ter ilusões nesse julgamento espetacular, pois, qualquer que seja o resultado nada muda no tratamento dado pelo Estado, inclusive pelo Poder Judiciário, aos trabalhadores e ao povo. O pior que pode acontecer é existir a crença de que o Judiciário é mesmo capaz de fazer alguma Justiça. Puro engano. É preciso assumir compromisso com a perspectiva de outra sociedade verdadeiramente justa, democrática e igualitária, na qual o Judiciário não seja expressão das elites, mas da grande maioria do povo.
Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor.
Cotidianamente o Judiciário funciona como instrumento das classes dominantes: protege os ricos, famosos e poderosos e pune duramente os pobres e os grupos sociais criminalizados. Os crimes dos ricos são ignorados ou tratados com especial cuidado. Os crimes dos pobres e discriminados são amplamente reprimidos, com a ação violenta da polícia e com o massacre comunicacional da grande mídia.
O caso do mensalão tem permitido ao STF construir uma imagem favorável ao Poder Judiciário, de maneira a reforçar perante a sociedade a falsa ideia ou a ilusão de que o Judiciário está aí para promover a Justiça para todos, mas na realidade o Judiciário é apenas mais um dispositivo de controle e demarcação classista.
É evidente que os crimes praticados por dirigentes do PT, em conluio com banqueiros, publicitários e lideranças de partidos conservadores, são passíveis de processo, julgamento e punição. Os autores devem ser punidos não apenas por desvios penais (uso de dinheiro público para compra de apoio), mas também por desvios éticos e políticos (adoção de práticas burguesas, de direita, em um partido de esquerda nascido no seio dos trabalhadores). Poderiam ser punidos, de imediato, pelos próprios companheiros de partido. Em seguida, pelo Estado, em nome da sociedade, se existisse um Judiciário que não fosse conivente com os crimes dos ricos, poderosos e famosos.
A questão principal não é saber se o julgamento do STF vai condenar ou não os réus do mensalão. Milhares de pessoas estão presas no Brasil por condenações sumárias do Judiciário, e em grande parte por crimes menos graves (ou menos danosos à sociedade) do que os crimes do mensalão.
Da mesma forma, milhares de crimes praticados cotidianamente por empresários, banqueiros, latifundiários, altos executivos e funcionários do Estado, mais graves do que os crimes do mensalão, são relegados, ignorados ou simplesmente colocados em banho-maria nos escaninhos da burocracia judiciária.
No entanto, apesar de o Judiciário agir sempre com dois pesos e duas medidas, conforme sua visão de classe, a opinião pública, habilmente conduzida pela grande mídia, está sendo levada a acreditar que a Justiça (aquela que reina igualmente para todos) existe efetivamente no Brasil e será feita no caso do mensalão, independentemente da prisão ou não dos réus.
Essa crença, na verdade, tão somente reforça o papel do Judiciário enquanto instrumento de poder, o que interessa bastante para as elites dominantes, especialmente porque tira qualquer foco sobre a atuação discriminatória do Judiciário que existe na vida real para a grande maioria do povo brasileiro.
Note-se que as torcidas pendem para uns e outros juízes e para uns e outros argumentos, conforme suas convicções e posições ideológicas, mas não rechaçam o STF em si. Até mesmo o PT tem referendado a supremacia do STF, o que significa defender a ordem estabelecida – mesmo que o resultado do julgamento seja contrário ao grupo dirigente. Afinal, por que o povo deveria ter alguma crença no STF do espetáculo ou no Judiciário que discrimina, persegue e pune sem o circo midiático? Ambos não fazem parte do mesmo sistema de poder?
Em resumo: a condenação dos réus do mensalão, merecidamente ou não, não muda a natureza do Judiciário brasileiro, na medida em que as várias instâncias desse poder vão continuar punindo severamente e prioritariamente os pobres, os desprotegidos e os discriminados; e o STF não deixará de ser o mesmo antro reacionário de sempre.
É preciso não ter ilusões nesse julgamento espetacular, pois, qualquer que seja o resultado nada muda no tratamento dado pelo Estado, inclusive pelo Poder Judiciário, aos trabalhadores e ao povo. O pior que pode acontecer é existir a crença de que o Judiciário é mesmo capaz de fazer alguma Justiça. Puro engano. É preciso assumir compromisso com a perspectiva de outra sociedade verdadeiramente justa, democrática e igualitária, na qual o Judiciário não seja expressão das elites, mas da grande maioria do povo.
Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor.
Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor.
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