Considerações sobre o comportamento do câmbio
Estamos diante da possibilidade da economia brasileira estar convivendo com um novo tipo de arranjo onde, ao invés de um regime “puxado” pelo consumo agregado, temos um regime agora liderado pelos investimentos e pelas exportações. Além dos efeitos sobre o custo unitário do trabalho, a questão do nível de endividamento das famílias parece ser também um sinal para os limites do antigo regime. Por Renaut Michel.
Renaut Michel (*)
A economia brasileira vem convivendo com um processo de desvalorização do real. Tal movimento vem sendo motivo de importante debate entre economistas sobre as possíveis conseqüências deste processo. Alguns destes economistas apontam para o risco que o processo de desvalorização do real pode produzir em termos da estabilidade de preços. Independente de reconhecer o risco da depreciação da nossa moeda do ponto de vista da inflação, estamos sugerindo um debate em torno de outros possíveis desdobramento. Se não vejamos.
Um dos aspectos que tem alimentado um intenso debate acerca da economia brasileira diz respeito ao processo de queda do investimento industrial nos últimos anos. Tal debate se insere na forma como a condução da política econômica no Brasil assumiu para o enfrentamento da crise internacional, a partir do último trimestre de 2008. Tal encaminhamento dos gestores de política econômica esteve na direção de um estímulo de demanda agregada bastante centrado no consumo. Neste sentido, este encaminhamento teria trazido algumas consequências do ponto de vista das respostas da oferta.
Sem embargo, as respostas do lado de oferta podem ser segmentadas pela divisão entre comercializáveis e não comercializáveis. Marcadamente em relação ao setor de serviços - não comercializáveis - a resposta foi o aumento dos investimentos domésticos e seus efeitos sobre o aquecimento do mercado de trabalho. Em relação ao setor industrial - comercializável - dada a elevação do custo unitário do trabalho (reflexo do aquecimento no mercado de trabalho) e a convivência em um passado recente com uma relativa apreciação da taxa de câmbio, o que se verificou foi um ajuste de oferta através da ampliação do leque de importações, o que se refletiu em alguma medida com a perda da participação relativa dos investimentos industriais em nossa economia.
Com efeito, as conseqüências de uma tentativa de superar as restrições impostas pela crise internacional com estímulos ao consumo em alguma medida determinaram limites para os investimentos industriais e um quadro mais instável para o comportamento da conta corrente do balanço de pagamentos. Estamos interessados agora em trazer para o debate algumas considerações sobre o recente processo de desvalorização do real para o regime macroeconômico esboçado em linhas gerais nos primeiros parágrafos.
Ou seja, o processo de depreciação da nossa moeda aponta para um modelo distinto daquele baseado em estímulos ao consumo que marcou a experiência recente? Vejamos.
Com a depreciação do real, explicado em boa medida pela mudança do discurso do Banco Central americano, a trajetória da economia brasileira, em nossa opinião, pode apontar para uma importante mudança em seu regime de crescimento. Uma das consequências do processo de depreciação de nossa moeda será uma queda do salário real, marcadamente para aqueles que, em sua cesta de consumo, contam com bem comercializáveis. Deste pondo de vista é possível projetar uma possível queda no custo unitário do trabalho, se este processo se espraiar pelo mercado de trabalho. Sem embargo, uma queda no custo unitário do trabalho, ao lado da depreciação cambial, pode recolocar na pauta de respostas da oferta da economia brasileira a retomada dos investimentos industriais, dada a recuperação da taxa de retorno destes.
Outra consequência potencial é o efeito câmbio sobre a recuperação das exportações brasileiras, podendo, mesmo com as defasagens temporais conhecidas, encaminhar um movimento de melhora do desempenho da conta corrente do balanço de pagamentos, induzindo inclusive a retomada de investimentos voltados para o setor externo. Ou seja, o que este artigo traz para o debate é a possibilidade da economia brasileira estar convivendo com um novo tipo de arranjo macro onde, ao invés de um regime “puxado” pelo consumo agregado, um regime agora liderado pelos investimentos e pelas exportações. Além da questão já citada dos efeitos sobre o custo unitário do trabalho, a questão do nível de endividamento das famílias parece ser também um sinal para os limites do antigo regime. Por óbvio que é sempre importante um olhar atento para os efeitos cambiais sobre a inflação, mas, é possível vislumbrar algo a mais do que apenas o efeito do câmbio sobre os preços. Está feita a provocação. Vamos ao debate. Que atirem a primeira pedra.
(*) Professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Núcleo de Estudos da Economia Brasileira
Um dos aspectos que tem alimentado um intenso debate acerca da economia brasileira diz respeito ao processo de queda do investimento industrial nos últimos anos. Tal debate se insere na forma como a condução da política econômica no Brasil assumiu para o enfrentamento da crise internacional, a partir do último trimestre de 2008. Tal encaminhamento dos gestores de política econômica esteve na direção de um estímulo de demanda agregada bastante centrado no consumo. Neste sentido, este encaminhamento teria trazido algumas consequências do ponto de vista das respostas da oferta.
Sem embargo, as respostas do lado de oferta podem ser segmentadas pela divisão entre comercializáveis e não comercializáveis. Marcadamente em relação ao setor de serviços - não comercializáveis - a resposta foi o aumento dos investimentos domésticos e seus efeitos sobre o aquecimento do mercado de trabalho. Em relação ao setor industrial - comercializável - dada a elevação do custo unitário do trabalho (reflexo do aquecimento no mercado de trabalho) e a convivência em um passado recente com uma relativa apreciação da taxa de câmbio, o que se verificou foi um ajuste de oferta através da ampliação do leque de importações, o que se refletiu em alguma medida com a perda da participação relativa dos investimentos industriais em nossa economia.
Com efeito, as conseqüências de uma tentativa de superar as restrições impostas pela crise internacional com estímulos ao consumo em alguma medida determinaram limites para os investimentos industriais e um quadro mais instável para o comportamento da conta corrente do balanço de pagamentos. Estamos interessados agora em trazer para o debate algumas considerações sobre o recente processo de desvalorização do real para o regime macroeconômico esboçado em linhas gerais nos primeiros parágrafos.
Ou seja, o processo de depreciação da nossa moeda aponta para um modelo distinto daquele baseado em estímulos ao consumo que marcou a experiência recente? Vejamos.
Com a depreciação do real, explicado em boa medida pela mudança do discurso do Banco Central americano, a trajetória da economia brasileira, em nossa opinião, pode apontar para uma importante mudança em seu regime de crescimento. Uma das consequências do processo de depreciação de nossa moeda será uma queda do salário real, marcadamente para aqueles que, em sua cesta de consumo, contam com bem comercializáveis. Deste pondo de vista é possível projetar uma possível queda no custo unitário do trabalho, se este processo se espraiar pelo mercado de trabalho. Sem embargo, uma queda no custo unitário do trabalho, ao lado da depreciação cambial, pode recolocar na pauta de respostas da oferta da economia brasileira a retomada dos investimentos industriais, dada a recuperação da taxa de retorno destes.
Outra consequência potencial é o efeito câmbio sobre a recuperação das exportações brasileiras, podendo, mesmo com as defasagens temporais conhecidas, encaminhar um movimento de melhora do desempenho da conta corrente do balanço de pagamentos, induzindo inclusive a retomada de investimentos voltados para o setor externo. Ou seja, o que este artigo traz para o debate é a possibilidade da economia brasileira estar convivendo com um novo tipo de arranjo macro onde, ao invés de um regime “puxado” pelo consumo agregado, um regime agora liderado pelos investimentos e pelas exportações. Além da questão já citada dos efeitos sobre o custo unitário do trabalho, a questão do nível de endividamento das famílias parece ser também um sinal para os limites do antigo regime. Por óbvio que é sempre importante um olhar atento para os efeitos cambiais sobre a inflação, mas, é possível vislumbrar algo a mais do que apenas o efeito do câmbio sobre os preços. Está feita a provocação. Vamos ao debate. Que atirem a primeira pedra.
(*) Professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Núcleo de Estudos da Economia Brasileira
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