Dilma e Cristina: da necessidade à virtude
Cristina Fernández de Kirchner e Dilma Rousseff vinham espaceando seus encontros a sós. Também as visitas a um país e outro. Não é uma questão secundária. Em tempos de diplomacia presidencial, a distância é um sintoma de falta de canalização política de alto nível dos problemas e dos conflitos. Dilma e Cristina, que falaram na Assembleia Geral da ONU, fizeram da necessidade virtude. Agora haverá que ver se a cúpula por necessidade serviu como um passo para voltar à intensidade anterior na relação da Argentina e do Brasil. Ou seja, à virtude. Por Martín Granovsky.
Martín Granovsky - Página12
Não é um lugar ruim. Não está mal Nova York, no marco da Assembleia Geral da ONU, para uma cúpula bilateral de presidentas. A desvantagem é que o tempo não sobra pelos compromissos de cada uma. A desvantagem é que a sensação sobre o mundo não é apenas intelectual, mas física. Um presidente se topa com os grandes temas e os personagens do momento. Com a Síria e Vladimir Putin. Com o Irã e seu novo presidente, Hassan Rouhani. Com Angela Merkel e uma flamante vitória conservadora que não tem precedentes em amplitude e maioria própria desde 1957. Comitivas a passo rápido em uma Nova York militarizada. Sorrisos dentro do edifício da ONU. O formigueiro multilateral.
No último sábado, o canal de televisão Europa Europa colocou no ar, outra vez, Orfeo Negro. Se alguém acredita nos espíritos como acreditavam esses sofridos baianos, também por isso Nova York é um bom lugar. Em 2004, Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner viveram o pior ano de suas relações.
Kirchner chegou a pensar que Lula carecia de visão estratégica. Estava incomodado com o que supunha uma falta de apoio do governo do Brasil ao argentino em sua luta com o Fundo Monetário. Lula se queixava de que esse argentino passional não entendia que seu realismo era compatível com o compromisso popular interno e externo. Foi uma longa reunião a sós em Nova York, aproveitando o marco da Assembleia Geral que liquidou os receios e permitiu uma relação fluida até o fim da presidência de Kirchner, em 2007, depois a continuidade de um vínculo pessoal forte entre os dois até 2010, ao fim, a eleição de Kirchner como secretário da Unasul nesse mesmo ano e a presença em Buenos Aires de um Lula em pranto após a morte de Kirchner. “Tentou reindustrializar a Argentina e devolveu a autoestima a seu povo”, disse na Casa Rosada.
Cristina Fernández de Kirchner e Dilma Rousseff vinham espaceando seus encontros a sós. Também as visitas a um país e outro. Não é uma questão secundária. Em tempos de diplomacia presidencial, a distância é um sintoma de falta de canalização política de alto nível dos problemas e dos conflitos. Os interesses comuns são enormes: 34 bilhões de dólares de comércio bilateral, sociedade estratégica, vizinhança, América do Sul como zona de paz, criação de um polo que possa jogar com certa margem de ação dentro do multilateralismo procurado. Se os interesses são significativos e o máximo canal de comunicação está obstruído, essa obstrução impede a realização plena dos objetivos comuns.
Por exemplo, sempre haverá problemas comerciais. Há nos últimos tempos. A poderosa Federação das Indústrias de São Paulo sustenta que o governo brasileiro é demasiado brando com o argentino e não reclama o suficiente pelo “desvio comercial”, ou seja, a substituição de importações do Brasil não por industrialização argentina mas por importações de terceiras nações.
Enio Cordeiro, ex-embaixador do Brasil na Argentina e atual vice-chanceler econômico, costumava dizer que o inconveniente maior não são os conflitos comerciais, mas a geração de ruídos desproporcionais a partir dos desencontros.
Os ruídos, argumentava Cordeiro, tiram fluência da relação. Tiram-lhe prestígio e apoio. Por isso havia que atenuá-los. Na semana passada falaram sobre o tema os chanceleres, Héctor Timerman e Luiz Alberto Figueiredo. Do lado brasileiro, um funcionário concentra o diálogo com a indústria, o ministro de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel. Do lado argentino, como é obvio, nenhum alto funcionário tem poder suficiente. O primus inter pares é o secretário de Comércio, Guillermo Moreno. Com uma característica: quando sua primazia abarca maior espaço, a leitura dentro e fora da Argentina é que conta com maior respaldo da Presidenta. Se é assim ou não, não importa. Em política, as percepções constroem a realidade até que outra percepção as substitua. E, neste caso, ademais, a percepção não é disparatada, a tal ponto que não ficou mais alternativa que uma cúpula a nível de presidentas.
Dilma e Cristina, que falaram na Assembleia Geral, fizeram da necessidade virtude. Agora haverá que ver se a cúpula por necessidade serviu como um passo para voltar à intensidade anterior na relação da Argentina e do Brasil. Ou seja, à virtude.
Tradução: Liborio Júnior
No último sábado, o canal de televisão Europa Europa colocou no ar, outra vez, Orfeo Negro. Se alguém acredita nos espíritos como acreditavam esses sofridos baianos, também por isso Nova York é um bom lugar. Em 2004, Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner viveram o pior ano de suas relações.
Kirchner chegou a pensar que Lula carecia de visão estratégica. Estava incomodado com o que supunha uma falta de apoio do governo do Brasil ao argentino em sua luta com o Fundo Monetário. Lula se queixava de que esse argentino passional não entendia que seu realismo era compatível com o compromisso popular interno e externo. Foi uma longa reunião a sós em Nova York, aproveitando o marco da Assembleia Geral que liquidou os receios e permitiu uma relação fluida até o fim da presidência de Kirchner, em 2007, depois a continuidade de um vínculo pessoal forte entre os dois até 2010, ao fim, a eleição de Kirchner como secretário da Unasul nesse mesmo ano e a presença em Buenos Aires de um Lula em pranto após a morte de Kirchner. “Tentou reindustrializar a Argentina e devolveu a autoestima a seu povo”, disse na Casa Rosada.
Cristina Fernández de Kirchner e Dilma Rousseff vinham espaceando seus encontros a sós. Também as visitas a um país e outro. Não é uma questão secundária. Em tempos de diplomacia presidencial, a distância é um sintoma de falta de canalização política de alto nível dos problemas e dos conflitos. Os interesses comuns são enormes: 34 bilhões de dólares de comércio bilateral, sociedade estratégica, vizinhança, América do Sul como zona de paz, criação de um polo que possa jogar com certa margem de ação dentro do multilateralismo procurado. Se os interesses são significativos e o máximo canal de comunicação está obstruído, essa obstrução impede a realização plena dos objetivos comuns.
Por exemplo, sempre haverá problemas comerciais. Há nos últimos tempos. A poderosa Federação das Indústrias de São Paulo sustenta que o governo brasileiro é demasiado brando com o argentino e não reclama o suficiente pelo “desvio comercial”, ou seja, a substituição de importações do Brasil não por industrialização argentina mas por importações de terceiras nações.
Enio Cordeiro, ex-embaixador do Brasil na Argentina e atual vice-chanceler econômico, costumava dizer que o inconveniente maior não são os conflitos comerciais, mas a geração de ruídos desproporcionais a partir dos desencontros.
Os ruídos, argumentava Cordeiro, tiram fluência da relação. Tiram-lhe prestígio e apoio. Por isso havia que atenuá-los. Na semana passada falaram sobre o tema os chanceleres, Héctor Timerman e Luiz Alberto Figueiredo. Do lado brasileiro, um funcionário concentra o diálogo com a indústria, o ministro de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel. Do lado argentino, como é obvio, nenhum alto funcionário tem poder suficiente. O primus inter pares é o secretário de Comércio, Guillermo Moreno. Com uma característica: quando sua primazia abarca maior espaço, a leitura dentro e fora da Argentina é que conta com maior respaldo da Presidenta. Se é assim ou não, não importa. Em política, as percepções constroem a realidade até que outra percepção as substitua. E, neste caso, ademais, a percepção não é disparatada, a tal ponto que não ficou mais alternativa que uma cúpula a nível de presidentas.
Dilma e Cristina, que falaram na Assembleia Geral, fizeram da necessidade virtude. Agora haverá que ver se a cúpula por necessidade serviu como um passo para voltar à intensidade anterior na relação da Argentina e do Brasil. Ou seja, à virtude.
Tradução: Liborio Júnior
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