Livro analisa relação entre energia e conflitos globais
O livro “Energia e relações internacionais”, de Igor Fuser, dá uma visão ampla e fundamentada do jogo pesado do mercado mundial e torna-se leitura indispensável em tempos de leilões do pré-sal e debates sobre qualidade e preço no fornecimento de eletricidade. Embora as contendas tenham como palco preferencial a periferia do mundo – o Oriente Médio, a Ásia, a América Latina e a África – os atores centrais jogam suas fichas a partir do norte. Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos e Rússia estabeleceram por décadas a fio as regras e modos da modalidade. Por Gilberto Maringoni.
Gilberto Maringoni
São Paulo - Há na praça um livro essencial para quem desejar entender as razões de várias das tensões globais de nossos dias. A capa não é lá muito atraente, mas o título é preciso: “Energia e relações internacionais” (Editora Saraiva, R$ 54). O autor é Igor Fuser, professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC) e um dos grandes especialistas brasileiros em geopolítica energética.
A obra não se perde em tecnicismos inacessíveis ao leitor leigo. Ao contrário, é clara e direta. Fuser, jornalista por formação, com mais de 25 anos de estrada nas editorias internacionais da grande imprensa, tem texto preciso e cativante. Mostra os interesses em jogo na arena planetária, apresenta as vertentes interpretativas e faz uma sintética genealogia histórica do assunto.
O “ouro negro”
O centro do trabalho é o petróleo, embora não se descuide de outras fontes de energia. A justificativa está em dados cristalinos: “O petróleo forneceu 35,3% de toda a energia consumida no planeta em 2009. O carvão foi responsável por 23,2% e o gás natural por 21,1%. Assim, os três combustíveis fósseis responderam, no conjunto, por 79,5% da energia primária em escala mundial”.
A busca por veios do ouro negro, como se falava em outros tempos, teve papel destacado nos grandes conflitos dos últimos cem anos. Toda a movimentação diplomática e bélica das potências mundiais apresentou como bússola a tentativa de se garantir fornecimento contínuo, seguro e barato de combustíveis para mover as engrenagens de suas economias.
Atores centrais
Farto em números e estatísticas, sem ser maçante, “Energia e relações internacionais” assinala ainda que um terço de todas as reservas conhecidas de petróleo se encontram no espaço geopolítico do Oriente Médio e do Norte da África.
Não sem razão, já em 1980, o presidente dos EUA, Jimmy Carter anunciou que seu país considerava a região de interesse vital e que estariam dispostos a defendê-la por “todos os meios necessários, inclusive a força militar”. Algo que se mostra dramaticamente verdadeiro nesta segunda década do século XXI.
Os embates são pesados: “No tabuleiro geopolítico, a competição entre as potências pelo acesso às fontes petrolíferas remonta ao início do século XX. Por trás das companhias do setor, encontram-se sempre os interesses de algum governo poderoso”.
Mais adiante, Fuser completa: “A característica geográfica particular dos hidrocarbonetos (petróleo e gás natural), cujas reservas se distribuem pelo planeta de modo muito desigual, ressalta sua importância na esfera das relações internacionais”.
Embora as contendas tenham como palco preferencial a periferia do mundo – o Oriente Médio, a Ásia, a América Latina e a África – os atores centrais jogam suas fichas a partir do norte. Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos e Rússia estabeleceram por décadas a fio as regras e modos da modalidade, juntamente com suas empresas.
Um novo agente entrou na peleja recentemente. Trata-se da China, buscando alimentar sua formidável dinâmica desenvolvimentista. Ao lado dos Estados Unidos e Rússia, forma o pequeno grupo de países com poder de intervenção real na cena petroleira global.
Papel do Estado
Ao longo das páginas, o professor da UFABC mostra como as diferentes teorias das relações internacionais encaram a questão energética. “Por se tratarem de recursos estratégicos ligados à segurança nacional, o petróleo e o gás natural não podem ser encarados como simples mercadorias, regidas apenas pelas forças de mercado”, assinala ao tratar da organização do setor.
Fuser cita o pesquisador alemão radicado na Venezuela, Bernard Mommer, um dos mais respeitados estudiosos da geopolítica do petróleo, para comentar as diferentes perspectivas existentes no segmento. De um lado, em geral, estão as transnacionais e os Estados consumidores. De outro, perfilam-se os Estados produtores.
Ou seja, nem mesmo os liberais mais radicais dispensam a intervenção do poder público no jogo petrolífero.
Isso se torna evidente na seguinte afirmação: “Na lista das empresas com as maiores reservas de hidrocarbonetos do mundo, os dez primeiros lugares são ocupados por estatais que, em 2011, controlavam 85% das reservas provadas em escala global”.
Ou seja, petróleo e energia são temas muito sérios para serem atrelados às volatilidades do livre-mercado.
O tabuleiro internacional
O livro mostra em detalhes como se forma o mercado internacional. Ele é integrado prioritariamente pela Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), criada em 1960, e pela Associação Internacional de Energia (AIE), lançada em 1974, composta pelos países ricos, grandes consumidores do produto.
A definição dos preços é tensionada constantemente pelo controle da oferta e pela formidável pressão da demanda internacional, contando ainda com uma série de expedientes especulativos e pela “percepção dos investidores em relação a todo um conjunto de variáveis econômicas”.
Integração energética
O livro não descuida de formas de energia como as geradas por fontes hídricas e eólicas, os biocombustíveis, o gás e a energia nuclear. Em cada uma, é examinado o impacto ambiental e os possíveis danos causados à natureza.
O último capítulo de “Energia e relações internacionais” joga luz nos projetos de integração energética da América do Sul, a partir da virada do século. Aqui também se manifestam duas visões. A primeira é aquela que coloca o mercado como organizador em última instância de qualquer proposta de articulação continental e a segunda aponta para decisões na esfera do Estado.
Igor Fuser vem se firmando como uma das vozes mais qualificadas do país nos debates sobre política e energia. Em 2008, ele já publicara “Petróleo e poder: o envolvimento militar dos Estados Unidos no Golfo Pérsico” (Editora Unesp). O novo trabalho complementa e amplia suas pesquisas anteriores, buscando audiência num público mais amplo do que os especialistas na matéria.
A obra não se perde em tecnicismos inacessíveis ao leitor leigo. Ao contrário, é clara e direta. Fuser, jornalista por formação, com mais de 25 anos de estrada nas editorias internacionais da grande imprensa, tem texto preciso e cativante. Mostra os interesses em jogo na arena planetária, apresenta as vertentes interpretativas e faz uma sintética genealogia histórica do assunto.
O “ouro negro”
O centro do trabalho é o petróleo, embora não se descuide de outras fontes de energia. A justificativa está em dados cristalinos: “O petróleo forneceu 35,3% de toda a energia consumida no planeta em 2009. O carvão foi responsável por 23,2% e o gás natural por 21,1%. Assim, os três combustíveis fósseis responderam, no conjunto, por 79,5% da energia primária em escala mundial”.
A busca por veios do ouro negro, como se falava em outros tempos, teve papel destacado nos grandes conflitos dos últimos cem anos. Toda a movimentação diplomática e bélica das potências mundiais apresentou como bússola a tentativa de se garantir fornecimento contínuo, seguro e barato de combustíveis para mover as engrenagens de suas economias.
Atores centrais
Farto em números e estatísticas, sem ser maçante, “Energia e relações internacionais” assinala ainda que um terço de todas as reservas conhecidas de petróleo se encontram no espaço geopolítico do Oriente Médio e do Norte da África.
Não sem razão, já em 1980, o presidente dos EUA, Jimmy Carter anunciou que seu país considerava a região de interesse vital e que estariam dispostos a defendê-la por “todos os meios necessários, inclusive a força militar”. Algo que se mostra dramaticamente verdadeiro nesta segunda década do século XXI.
Os embates são pesados: “No tabuleiro geopolítico, a competição entre as potências pelo acesso às fontes petrolíferas remonta ao início do século XX. Por trás das companhias do setor, encontram-se sempre os interesses de algum governo poderoso”.
Mais adiante, Fuser completa: “A característica geográfica particular dos hidrocarbonetos (petróleo e gás natural), cujas reservas se distribuem pelo planeta de modo muito desigual, ressalta sua importância na esfera das relações internacionais”.
Embora as contendas tenham como palco preferencial a periferia do mundo – o Oriente Médio, a Ásia, a América Latina e a África – os atores centrais jogam suas fichas a partir do norte. Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos e Rússia estabeleceram por décadas a fio as regras e modos da modalidade, juntamente com suas empresas.
Um novo agente entrou na peleja recentemente. Trata-se da China, buscando alimentar sua formidável dinâmica desenvolvimentista. Ao lado dos Estados Unidos e Rússia, forma o pequeno grupo de países com poder de intervenção real na cena petroleira global.
Papel do Estado
Ao longo das páginas, o professor da UFABC mostra como as diferentes teorias das relações internacionais encaram a questão energética. “Por se tratarem de recursos estratégicos ligados à segurança nacional, o petróleo e o gás natural não podem ser encarados como simples mercadorias, regidas apenas pelas forças de mercado”, assinala ao tratar da organização do setor.
Fuser cita o pesquisador alemão radicado na Venezuela, Bernard Mommer, um dos mais respeitados estudiosos da geopolítica do petróleo, para comentar as diferentes perspectivas existentes no segmento. De um lado, em geral, estão as transnacionais e os Estados consumidores. De outro, perfilam-se os Estados produtores.
Ou seja, nem mesmo os liberais mais radicais dispensam a intervenção do poder público no jogo petrolífero.
Isso se torna evidente na seguinte afirmação: “Na lista das empresas com as maiores reservas de hidrocarbonetos do mundo, os dez primeiros lugares são ocupados por estatais que, em 2011, controlavam 85% das reservas provadas em escala global”.
Ou seja, petróleo e energia são temas muito sérios para serem atrelados às volatilidades do livre-mercado.
O tabuleiro internacional
O livro mostra em detalhes como se forma o mercado internacional. Ele é integrado prioritariamente pela Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), criada em 1960, e pela Associação Internacional de Energia (AIE), lançada em 1974, composta pelos países ricos, grandes consumidores do produto.
A definição dos preços é tensionada constantemente pelo controle da oferta e pela formidável pressão da demanda internacional, contando ainda com uma série de expedientes especulativos e pela “percepção dos investidores em relação a todo um conjunto de variáveis econômicas”.
Integração energética
O livro não descuida de formas de energia como as geradas por fontes hídricas e eólicas, os biocombustíveis, o gás e a energia nuclear. Em cada uma, é examinado o impacto ambiental e os possíveis danos causados à natureza.
O último capítulo de “Energia e relações internacionais” joga luz nos projetos de integração energética da América do Sul, a partir da virada do século. Aqui também se manifestam duas visões. A primeira é aquela que coloca o mercado como organizador em última instância de qualquer proposta de articulação continental e a segunda aponta para decisões na esfera do Estado.
Igor Fuser vem se firmando como uma das vozes mais qualificadas do país nos debates sobre política e energia. Em 2008, ele já publicara “Petróleo e poder: o envolvimento militar dos Estados Unidos no Golfo Pérsico” (Editora Unesp). O novo trabalho complementa e amplia suas pesquisas anteriores, buscando audiência num público mais amplo do que os especialistas na matéria.
Fotos: Divulgação
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