Estudo do Instituto de Economia aponta limites e contribuições dos pensamentos dos sociólogos sobre o tema do desenvolvimento dependente
MANUEL ALVES FILHO
MANUEL ALVES FILHO

Fernando Henrique, assinala Hadler, contribuiu no sentido de fazer uma crítica à perspectiva economicista no tratamento do desenvolvimento econômico. “Ele trata o desenvolvimento como um processo social, indo além do aspecto puramente técnico e econômico. Desse modo, FHC mostra que o jogo de forças políticas e as interações entre os grupos sociais afetam as possibilidades e as formas de desenvolvimento. Marini caminha numa direção diferente. Como foi profundamente influenciado pelo marxismo, ele privilegia a luta de classes e a revolução na análise que faz do desenvolvimento dependente”, detalha o autor da tese.

Como dito, FHC conferiu forte ênfase ao jogo de forças que condiciona os limites e possibilidades do desenvolvimento. “Ele dá uma grande autonomia para a esfera política. Ou seja, acreditava que, com vontade política e com a articulação correta entre determinados grupos, seria possível reformar o capitalismo dependente e, em alguma medida, atenuar os seus aspectos antissociais”. Marini, ao contrário, considerava que a situação de dependência, mesmo na nova fase de internacionalização do capital, era totalmente incompatível com qualquer forma de bem-estar social e com a maior participação da classe trabalhadora no processo político.
Ponto de aproximação
Ainda que apresentem visões divergentes em relação ao desenvolvimento dependente, FHC e Marini têm um ponto de aproximação, no entender de Hadler. Este está justamente nos limites das duas interpretações, que, a juízo do pesquisador, carecem de sustentação histórica. “No pensamento de FHC falta uma análise da formação das classes sociais. A possibilidade de reforma do capitalismo dependente apontada por ele está assentada justamente na ausência dessa avaliação. Ele entende a luta política a partir de grupos indeterminados. Falta considerar, portanto, a relação entre economia, política e história”, aponta o pesquisador. É desse posicionamento que vem a crítica mais contundente de Fernando Henrique às teses defendidas por Marini, como comenta Hadler.
Segundo ele, FHC acusa o interlocutor de abusar do economicismo e de reduzir toda a sua reflexão à mera atuação da lógica do capital. “Nesse sentido, Fernando Henrique aponta corretamente que as coisas não acontecem de forma imediata. A economia e a sociedade não determinam a superestrutura jurídico-política imediatamente. Ocorre, porém, que ele também não avança em relação a essa questão, mais uma vez porque sua reflexão não conta com um embasamento histórico. A determinação da economia é feita pelos sujeitos das classes concretas. FHC só conseguiria explicar essas classes se entendesse a formação delas num contexto particular, que é o de uma sociedade nacional de origem colonial e escravista. Essa mesma deficiência surge quando ele entende que a articulação do capital internacional com o espaço econômico nacional seria duradoura e profunda, e que dessa relação seria estabelecida uma solidariedade entre ambos. A concepção que ele tem da industrialização, no entanto, não tem correspondência nas condições históricas de um país com economia periférica, de origem colonial e escravista”, sustenta Hadler.

Fernando Henrique também não questiona em seus artigos, de acordo com o pesquisador, a possibilidade de reproduzir, em uma economia que apresenta escassez material, as formas típicas do capitalismo mais avançado. “Para ele, com a chegada das multinacionais, seria possível reproduzir uma forma de industrialização que permitiria o desenvolvimento. Entretanto, ele não considerou algo que Celso Furtado trabalhou muito bem, que é a questão da modernização dos padrões de consumo. Conforme Furtado, a reprodução das formas de produção e consumo das economias avançadas foi viabilizada pela maior concentração da renda e das atividades produtivas. Os efeitos e benefícios da inovação e do progresso técnico, conforme Furtado, são restritos nas economias subdesenvolvidas, marcadas pela segregação social e pelo desemprego estrutural. Então, não há nelas a dinâmica identificada nos países desenvolvidos, caracterizada pela acumulação do capital e pela expansão do mercado”.

Embora tenha uma visão totalmente diferente da de FHC, Marini também não constrói suas teses a partir de uma interpretação de base histórica, insiste Hadler. O sociólogo, diz o autor da pesquisa, explica a reprodução da dependência e da precariedade da classe trabalhadora a partir da lógica de O Capital, tal qual ele lê. “Marini vai buscar em leis gerais, como a da acumulação e a da tendência decrescente da taxa de lucro, a explicação quase imediata para a superexploração do trabalho e para a reprodução da dependência. Daí a necessidade, segundo ele, de romper com as amarras para promover o progresso social nessas sociedades. O problema é que ele tenta explicar fenômenos históricos concretos com base em leis abstratas”.
É também a partir dessa mesma base, acrescenta Hadler, que Marini procura explicar a dinâmica e o padrão das lutas de classe. “É fundado nesses conceitos que ele constrói a tese da superexploração do trabalho. E é a partir da radicalização das contradições entre capital e trabalho que ele vai explicar a necessidade de revolução. Em outros termos, ele não busca argumentos na dialética dos fatos concretos da realidade brasileira. Tanto é assim que Marini acaba dissolvendo essa revolução num movimento latino-americano genérico, o que deixa ainda mais clara a desconsideração dos aspectos históricos que formam a realidade da América Latina. Ele passa por cima das particularidades das diferentes culturas, como seus processos de colonização e de independência”.

Em resumo, considera o autor da tese, tanto FHC quanto Marini não conseguem dar respostas factíveis aos problemas que abordam justamente porque abandonaram em suas perspectivas a questão histórica. “Caio Prado Júnior, cuja obra tem forte influência do pensamento marxista, compreendeu bem a história do Brasil. Ele apontou que a solução dos problemas só pode ser encontrada nos próprios problemas ou, melhor dizendo, nas condições históricas que os geraram. Assim, somente uma profunda investigação histórica de uma determinada realidade é capaz de fornecer a chave para a superação das adversidades. Esses pressupostos não estão presentes nem nos artigos de FHC nem dos de Marini”.
Outro ponto destacado por Hadler sobre o debate travado por FHC e Marini é que ele continua atual, mesmo tendo decorridas tantas décadas. “Embora a polêmica seja dos anos 1970, ela continua viva em virtude da influência que os dois autores ainda exercem sobre setores da esquerda brasileira. As propostas para a resolução dos problemas brasileiros sempre oscilaram entre esses dois polos. Existem segmentos que apostam na via puramente institucional para superar as adversidades impostas pelo subdesenvolvimento, enquanto outros jogam todas as fichas na revolução. As duas soluções, vale reforçar, são abstratas porque também não levam em conta as condições históricas concretas. Nesse sentido, as recentes jornadas de junho seguem na contramão dessas duas tendências e constituem uma importante contestação aos modelos político e econômico que aí estão. As forças que vêm da rua apontam para essas formas limitadas de análise”, considera Hadler, que contou com bolsa concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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