Minas de carvão britânicas. A Inglaterra é dois países. Um é dominado por Londres, o outro permanece
na sua sombra. Quando cheguei da Austrália pela primeira vez, parecia que ninguém ia ao Norte de Watford
e aqueles que haviam emigrado do Norte esforçavam-se arduamente por mudar suas pronúncias, encobrir
suas origens e aprender os maneirismos e códigos das satisfeitas classes sulistas. Alguns zombavam da
vida que haviam deixado para trás. Estavam a mudar de classe, ou assim pensavam.
John Pilger
John Pilger
Quando o Daily Mirror enviou-me em reportagem ao Norte, na década de 1960, meus colegas em Londres divertiram-se com o meu desterro para os antípodas, o seu equivalente da Sibéria. Na verdade, foi o pior Inverno em 200 anos e eu nunca usara um cachecol ou possuira um casaco. Tente imaginar o que é aquilo como a mais sombria Leeds e Hull, advertiram.
Isto foi o arranjo feito às escondidas entre os governos Trabalhista e Conservador e os cinco por cento que possuíam metade da riqueza de todo o Reino Unidos. O deputado trabalhista que se tornou homem dos media, Brian Walden, descreveu como isto funcionou. "Os das poltronas da frente [no Parlamento] gostavam uns dos outros e não gostavam dos seus pares nas poltronas de trás", escreveu ele. "Nós éramos filhos do famoso consenso... ir da oposição para o governo fazia pouca diferença, pois acreditávamos nas mesmas coisas".
Meu segundo filme para a televisão, feito para a Granada TV em Manchester, chamou-se "Conversações com um trabalhador". Era a história de Jack Walker, trabalhador do tingimento de Keighley, no Yorkshire, cujo trabalho era monótono, sujo e maléfico para a sua saúde, mas ele daí retirava um orgulho em "fazer isto bem". Jack acreditava apaixonadamente que o povo trabalhador deveria permanecer unido. Que a um sindicalista eloquente era permitido exprimir seus pontos de vista sem a intromissão daqueles que muitas vezes afirmam falar por ele, e preocupar-se em alta voz acerca da democracia costurada em Westminster [3] ia além dos limites. A expressão "classe trabalhadora", diziam-me, tinha "implicações políticas" e não seria aceitável para a Independent Television Authority. Teria de ser mudada para "património dos trabalhadores" ("working heritage"). A seguir havia o problema da palavra "o povo". Isto era uma "expressão marxista" e também tinha de ser afastada. E o que era este "consenso"? Certamente, a Grã-Bretanha tinha um vibrante sistema de dois partidos.
Ao ler recentemente que 600 mil residentes na Grande Manchester estavam a "experimentar os efeitos da pobreza extrema" e que 1,6 milhão estavam a cair na penúria, recordei-me de como o consenso político ficou imutável. Dirigido agora pela classe sulista dos proprietários de terra (squirearchy) de David Cameron, George Osborne e os seus colegas etonianos [4] , a única mudança é a ascensão da classe administradora de corporações, exemplificada pelo apoio de Ed Miliband à "austeridade" - o novo jargão para a pobreza imposta.
Na Clara Street, em Newcastle-upon-Tyne, no escuro invernal da madrugada, andei colina abaixo com pessoas que trabalhavam mais de 60 horas por semana por uma ninharia. Eles descreveram seus "ganhos" como o Serviço de Saúde. Tinham visto apenas um político na rua, um liberal que veio, afixou cartazes e disse algo inaudível do seu Land Rover e apressou-se a ir embora. A cantilena de Westminster era então "pagar nossas despesas como nação" e "produtividade". Hoje, seus lugares de trabalho e sua protecção sindical, sempre ténue, foram-se. "O que está errado", disse-me um homem na Clara Street, "é do que os políticos não querem mais falar. Os governos não se importam de como vivemos, porque não somos parte do seu país".
[1] Pennines: cadeia de montanhas na Inglaterra.
[2] New South Wales: distrito no Sudeste da Austrália.
[3] Westminster: bairro onde está o Parlamento e o palácio da rainha.
[4] Etonians: os que frequentaram o Eton College, da elite britânica.
[1] Pennines: cadeia de montanhas na Inglaterra.
[2] New South Wales: distrito no Sudeste da Austrália.
[3] Westminster: bairro onde está o Parlamento e o palácio da rainha.
[4] Etonians: os que frequentaram o Eton College, da elite britânica.
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