4 de dezembro de 2014 | 10:29 Autor: Fernando Brito
Ontem, correu a rede a foto da piscina de alguém, entre Pomerode e Rio dos Cedros (região de Blumenau, Santa Catarina) que, caprichosamente, desenhou um suástica no fundo da piscina de sua casa.
Fotografado por um piloto de helicóptero, o “mimo” – concluiu a polícia – não constitui crime, porque é “para culto próprio” e não para apologia pública, embora se possa duvidar que um hitlerista, depois de enxugar-se na toalha, adote posturas democráticas.
Lembrei-me do episódio ao ler o vigoroso artigo do ex-promotor e professor de Direito Cézar Roberto Bitencourt, a quem não conheço senão do que está escrito ali.
E de uma teoria que, ao contrário daquela famosa do “domínio do fato”, não se ousa assumir.
O “Direito Penal do Inimigo”, também alemã (Feindstrafrecht) uma emanação jurídica neonazista que, pouco confessadamente, está na raiz das práticas jurídicas discriminatórias que, mundialmente, têm seu símbolo maior na prisão de Guantánamo, onde os presos não são exatamente seres humanos como eu e você.
Elevada ao extremo e despida das sofisticações, tem a mesma linha de justificação daquela do matador de moradores de rua em São Carlos (SP), alegando que eles “não pagavam imposto” e não eram “úteis à sociedade”.
Apesar de não serem judeus, nein, mein Füher?
Originalmente usado para a criminalização dos “indesejáveis”, sejam islamitas, pobres, negros, etc, parece este tal “direito penal” tomou conta de nosso Judiciário e de sua instância mais alta: o Tribunal da Mídia.
Transcrevo, para que o leitor e a leitora reflita, trechos do texto de Bitencourt onde trata das violações constitucionais – e morais – do que vem acontecendo nesta “delação premiada” que é apresentada hoje quase como um “banho no Rio Jordão” para criminosos.
“Como se tivesse descoberto uma poção mágica, o legislador contemporâneo acena com a possibilidade de premiar o traidor — atenuando a sua responsabilidade criminal — desde que delate seu comparsa, facilitando o êxito da investigação das autoridades constituídas. Com essa figura esdrúxula o legislador brasileiro possibilita premiar o “alcaguete”, oferecendo-lhe vantagem legal, manipulando os parâmetros punitivos, alheio aos fundamentos do direito-dever de punir que o Estado assumiu com a coletividade.”
Não é preciso escrever os nomes de São Paulo Roberto Costa ou do beato Yussef, não é? Mas, adiante:
“Note-se que, ainda que seja possível afirmar ser mais positivo moralmente estar ao lado da apuração do delito do que de seu acobertamento, é, no mínimo arriscado apostar em que tais informações, que são oriundas de uma traição, não possam ser elas mesmas traiçoeiras em seu conteúdo. Certamente aquele que é capaz de trair, delatar ou dedurar um companheiro movido exclusivamente pela ânsia de obter alguma vantagem pessoal, não terá escrúpulos em igualmente mentir, inventar, tergiversar e manipular as informações que oferece para merecer o que deseja. Com essa postura antiética, não se pode esperar que o delator adote, de sua parte, um comportamento ético e limite-se a falar a verdade às autoridades repressoras; logicamente, o beneficiário da delação dirá qualquer coisa que interesse às autoridades na tentativa de beneficiar-se. Essa circunstância retira eventual idoneidade que sua delação possa ter, se é que alguma delação pode ser considerada idônea em algum lugar.”
E como se obtêm estas delações?
(…)pelas informações vazadas na mídia, essas nulidades e inconstitucionalidades são pródigas na “colaboração premiada” celebrada na “operação lava jato”, com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Trata-se, a rigor, de um “acordo de colaboração premiada” eivado de nulidades, mas nulidades absurdamente grotescas, ou seja, decorrentes de negação de garantias fundamentais impostas pelo Ministério Público (negociador da delação) a referido réu e ao seu defensor!
Pelo que vazou, foram violadas, dentre outras, as garantais fundamentais da ampla defesa, do devido processo legal, do direito ao silêncio, de não produzir prova contra si mesmo, direito de não se autoincriminar etc. Ou seja, foi imposto ao “delator” que renunciasse {pode ?!} — a todos esses direitos constitucionais —, inclusive direitos de ações (afastando a jurisdicionalidade do cidadão). Afinal, desde quando as garantias fundamentais do direito de ação, do devido processo legal, da ampla defesa podem simplesmente ser renunciadas por alguém, ainda mais na imposição de uma delação premiada?
Diz um dos promotores do caso, Manoel Pastana, como se as consegue: “o passarinho pra cantar precisa estar preso”. Os delegados de polícia, há tempos (e alguns ainda hoje) ainda proveitam para “dependurar” num poleiro passarinhos, não é?
Voltem0s ao professor Bitencourt:
“Prende-se para investigar, prende-se para fragilizar, prende-se para forçar a confissão e, por fim, prende-se para desgastar, subjugar, ameaçar e forçar a “colaboração premiada”! Aliás, a própria autoridade repressora reconhece, oficialmente, em seu parecer, que esse é o objetivo maior das prisões e tem sido exitoso: arrancar a confissão e forçar a “delação”! Retornamos à Idade Média, quando às ordalhas e a tortura também tinham objetivo de arrancar a confissão, e também eram cem por cento exitosas! Só falta torturar fisicamente, por que psicologicamente já está correndo!”
E tudo isso aplaudido pela “mídia democrática”, com seus juristas padrão Merval, sob o silêncio da Ordem dos Advogados e da postura histérica que quer transformar a esquerda em “mãe da corrupção”ou, como diz Aécio Neves, em uma “organização criminosa”.
Aquela suástica no fundo da piscina não aparece quando as águas estão turvas e agitadas.
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