quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

O GGN ouviu um muçulmano francês para entender a crise religiosa

Filho de marroquinos, Samir Azzimani nasceu em Paris, e descontrói a guerra ideológica que dominou a imprensa ocidental
Samir Azzimani no manifesto do último domingo, em ParisJornal GGN - Francês de nascimento, marroquino de sangue, Samir Azzimani é muçulmano e parisiense. Ele faz parte da segunda geração de imigrantes que compõe o cenário atual do país. Charlie Hebdo não representa seu pensamento. “E daí?”, disse ao GGN. Charlie Hebdo é a materialização de uma cultura que aprendeu a ser livre, completou.
Aos olhos de parte do nosso continente, diante da repercussão que o atentado sacudiu no debate ideológico por toda a imprensa, Samir viveria a “pressão ocidental” de uma cultura que tenta se sobrepor às diferenças religiosas. Para a outra parte, o islamismo virou refém maquiavélico de uma tradição não admitida.
Ao entrevistar um cidadão francês muçulmano, é notório que a guerra editorial instalada aqui não chegou lá.
Na manhã de domingo (11), Samir não foi o único dos mais de 600 mil marroquinos na França que foram às ruas defender a liberdade, contestar o terrorismo e acreditar no que aprendeu com o islamismo: “eu não preciso mostrar para outras pessoas que sou muçulmano, que quero ser respeitado, temido ou alvo de orgulho. Não podemos julgar ninguém, seus lugares ou deuses. Isso é tudo o que eu sei”, contou.
“Nós provamos para o mundo que, na França, muçulmanos, como judeus, como cristãos, como todas as religiões, estamos juntos, contra a estupidez”, disse.
Leia o relato de Samir Azzimani:

GGN: Como você enxerga esse momento atual da França?
Samir: A última manifestação foi muito, muito boa, eu estive lá, foi tão humano, foi um manifesto pacífico, sem agressões, todo mundo estava lá só para dizer que nós não aceitamos isso. Nós estamos em uma nação livre, você sabe, nós não fazemos apologia a nada perto de violência. Eu sou marroquino, mas sou francês também, e mesmo para marroquinos que vivem na França, temos que respeitar as tradições. Eu não posso vir aqui e forçar meu próprio ponto de vista, a minha religião, o meu pensamento. Em alguns países, nós não temos liberdade...

GGN: Como vê o terrorismo, como marroquino e islâmico?
Samir: Você sabe, é como um costume, como uma fantasia. Por exemplo, quando você vai a uma festa, onde você está vestido de policial, e você quer matar todo mundo, para você, pode até estar certo de que é policial, porque está vestido como um, mas de fato, você não é. Então, para mim [os radicais] são terroristas. Não são muçulmanos, não são islâmicos.

GGN: Uma pequena parcela...
Samir: Não, é um grupo grande, você deve imaginar. Para mim, eles não respeitam o islamismo, eles não respeitam nenhuma religião. Eles só respeitam a si próprios, os terroristas.
Sobre a revista, se você tem orgulho de alguma coisa, só tenha de si mesmo, não se preocupe com o que querem interferir em você. A mim, eles [jornalistas do The Charlie Hebdo] não fazem mal. É a cultura, essa é a cultura francesa. Você pode imaginar se europeus quisessem forçar árabes, muçulmanos, a comer carne de porco? Você consegue imaginar dessa forma? Se assim for, não existe caminho. É a liberdade de expressão francesa.

GGN: Havia um número considerável de muçulmanos na última manifestação?
Samir: Sim, nós éramos muitos. E até mesmo em Marrocos, houve um manifesto em Casablanca [cidade marroquina], que reuniu muitas pessoas em solidariedade aos franceses vítimas do atentado.

Capa da edição desta quarta-feira
GGN: Como você enxerga a publicação da imagem de Maomé, causando reações negativas por desrespeitar a religião?
Samir: Eles riem de todas as religiões, eles riem de todos os políticos. Este é um jornal especial por ser muito crítico, mas quem sou eu para julgar qualquer um? Julgar não traz nenhum bem. E para nós, islâmicos, não podemos julgar ninguém, seus lugares ou deuses, isso é tudo o que eu sei. E as religiões erram, na minha opinião. Eu não preciso mostrar para outras pessoas que sou muçulmano ou que quero ser respeitado, temido ou alvo de orgulho.
Nesses países [islâmicos], eles podem definir o que quiserem. Lá é permitido atacá-los [aqueles que desrespeitam a religião]. Nós temos que usar a permissão, não temos que matar, e se alguma coisa não nos agrada, temos que recorrer a um advogado, ficar de frente a um juiz e lá obter a permissão ou proibição legal. É claro, temos que ter consciência quando se agride alguém, temos que respeitar as pessoas, ter respeito com as religiões. Mas se não, o que eu posso fazer? Essa é uma outra cultura, são duas culturas diferentes. Na França, ensinam você, você e você a ser livre, a ter liberdade. Afinal, eles querem a liberdade, depois que muitas pessoas foram mortas no passado.

GGN: Mas existe alguma pressão para acabar com a religião? Uma pressão europeia, e na França, para findar o islamismo?
Samir: Na França, a maioria de nós apenas ri do desagradável, do que é contra um costume. Falou sobre Maomé ou alguma coisa? Eu não ligo, sabe. Se você não liga para este jornal, só não o ataque. Por que ferrar com coisas assim? Existem tantas coisas mais importantes, como mais pessoas para se alimentarem, terem saúde, crianças para ter uma educação, por que destroem um jornal? Eles [terroristas] têm que perceber que se quiserem, podem criticar, brigarão com o jornal diante de uma autoridade.

GGN: A França sente medo de uma próxima reação terrorista ou acha que isso terminou com a repercussão sobre o ataque ocorrido?
Samir: Eu acho que em todo o mundo ninguém está protegido de ataques terroristas. Mas nós provamos para o mundo, no último domingo, que na França muçulmanos, como judeus, como cristãos, como todas as religiões, nós estamos juntos, contra a estupidez, contra o terror, e não temos medo dele. Eu senti isso no manifesto, foi realmente maravilhoso. Todos estavam na rua. Imagine mais de 2 milhões de pessoas em Paris, toda a população, eu não consigo expressar a você como foi aquela atmosfera.

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