quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Rajoy admite que política de ajuste fiscal pode provocar recessão na Espanha


Rajoy admite que política de ajuste fiscal pode provocar recessão na Espanha

Durante visita do presidente francês, François Hollande, chefe do governo do país ibérico, Mariano Rajoy, revela que “entende o descontentamento” da população diante das medidas adotadas para combater a crise econômica e assume que “reduzir o déficit público prejudica a muita gente”. Entretanto, sublinha sua “firme determinação em continuar com a agenda reformista”. A reportagem é de Naira Hofmeister, direto de Madri.

Madri - Na Espanha, o dia 31 de agosto é o equivalente a Quarta-feira de Cinzas no Brasil. Acabam-se as férias longas, os alunos começam um novo ciclo nas escolas, os clubes de futebol sorteiam os grupos da nova temporada do campeonato europeu, o Congresso Nacional dá fim ao recesso parlamentar.

Em 2012 a volta do veraneio será marcada também pela entrada em vigor do aumento do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e pela retomada dos protestos massivos contra esta e outras medidas anti-crise que o governo do conservador Partido Popular, liderado por Mariano Rajoy implementa desde que assumiu o poder, em dezembro de 2011.

Pois foi justo em um dia com cara de Quarta-feira de Cinzas, em que as avenidas de Madri ainda estão vazias e o serviço de metrô funciona com horários reduzidos, que o chefe do executivo espanhol admitiu que a sua política de ajuste fiscal tem efeitos negativos sobre a população.

“Reduzir o déficit é complicado, prejudica muita gente e pode provocar recessão em um primeiro momento. Más não há outro remédio”, ponderou Rajoy em uma conferência de imprensa ao lado do presidente francês François Hollande, que realizou sua primeira visita oficial ao Palácio de la Moncloa depois da sua posse, há pouco mais de 100 dias.

O encontro foi dominado pela exposição das propostas que a Espanha defende para garantir a estabilidade do euro e condições iguais para desenvolvimento dos membros do bloco. Rajoy, entretanto, não pôde escapar de perguntas específicas sobre a economia nacional, e acabou reconhecendo que suas medidas são impopulares.

“Entendo o descontentamento das pessoas, mas neste momento a Espanha necessita isso, porque não pode gastar 90 bilhões de euros a mais do que arrecada, como aconteceu no ano passado”, justificou o presidente.

A ordem estabelecida pela União Europeia - ou mais precisamente pela chamada Troika que determina suas regras, formada por Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional - é enxugar os gastos do tesouro para diminuir esse rombo no orçamento, equivalente a 8,9% em 2011. A intenção é que fique em 6,3% neste ano e que a cifra seja reduzida para 4,5% em 2013, para finalmente chegar aos 3% em 2014, um valor que seria a referência máxima para qualquer país integrante da zona do euro.

Para isso, desde fevereiro o governo tem aprovado reformas que significam cortes em salários do funcionalismo público, perdas para aposentados e desempregados, mudanças na legislação trabalhista que facilitam demissões no setor privado e redução de serviços prestados pelo Estado em áreas como a saúde e a educação.

Apenas os novos índices do IVA - que sobe no dia 1º de setembro, em alguns casos, de 8% para 21% - deverão custar, segundo cálculos da organização de Consumidores e Usuários 415 euros a mais por ano para cada família.

Modificações que o mandatário espanhol prometeu inclusive revisar assim que a economia permita, coisa que pouca gente vê como uma possibilidade concreta. “Tive que fazer coisas que não iam no meu programa eleitoral e que eu não gosto, mas a realidade é a realidade. Assim que for possível, farei com que a situação volte a ser como era no princípio, mas neste momento, não adotar essas medidas seria um grande erro”, defendeu.

Moncloa responde a protestos
Ainda que de maneira indireta, o presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy respondeu nesta quinta-feira, pela primeira vez, aos protestos da população, que tomou as ruas ao longo de todo o primeiro semestre. Ele admitiu e disse entender o descontentamento diante da sua política de austeridade. Uma crítica reiterada por sindicatos e movimentos sociais foi que o governo não os escutava.

Talvez um sinal de que a Moncloa começa a tomá-los em consideração é o fato de que Rajoy tenha garantido a cerca de 40 jornalistas da França e da Espanha, durante entrevista, que não haverá aumento no IVA nem no imposto de renda no próximo ano. “Tentaremos fazer um orçamento que permita cumprir com os acordos da União Europeia, que é reduzir o déficit a 4,5% no ano que vem. Espero que não tenhamos que tomar decisões tão difíceis quanto as que tomamos nos primeiros meses dessa legislatura”, afirmou durante a coletiva em Madri que a Carta Maior acompanhou.

Mas apesar dos lamentos em relação a essas medidas - que não estavam previstas em seu plano de governo -, o presidente Rajoy reafirmou a sua “determinação em continuar com a agenda reformista” para sanar as contas públicas e dar ao Estado o tamanho que seu partido acredita que deva ter, bem menor do que o que recebeu em sua posse.

Discurso contradiz a prática
Mariano Rajoy se ressente das medidas que diz serem fundamentais para colocar a Espanha na senda do crescimento outra vez. Mais uma vez, entretanto, o presidente espanhol lembrou que o problema da Espanha é a Europa, e que fundamentalmente é da comunidade que depende uma saída definitiva da crise econômica.

Sua crítica tem relação com as diferentes condições de financiamento entres os países do bloco. Enquanto a Alemanha pode se endividar a juro zero, a Espanha já teve, nos momentos mais difíceis do ano, que pagar 6% sobre o valor dos seus papéis pela desconfiança do mercado. Essa desigualdade, na opinião do presidente do governo espanhol, não reflete a realidade das economias de cada nação, mas sim estão relacionadas às incertezas sobre a moeda comum e à falta de integração dos sistemas fiscais e bancários, do que ao desenvolvimento econômico de cada um.

“Quem disse isso foi o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, não faz muito tempo. Essa é uma verdade que é como um templo”, resumiu, para logo mais reafirmar que é necessário aprofundar a integração europeia “econômica, fiscal, bancária e institucional”.

Seu colega francês, François Hollande, fez eco às suas afirmações, ao dar a entender que uma das funções do Banco Central Europeu é intervir para reduzir essas diferenças de financiamento entre os países.

“São missões do BCE a estabilidade dos preços e a política monetária e quando constatamos diferenças tão importantes que não se justificam em nível econômico, creio que isso entra no mandato de trabalho do BCE”, analisou o mandatário francês.

Outros sócios da eurozona endossam essa tese e sequer a toda-poderosa chanceler alemã Angela Merkel contesta a veracidade dessa leitura. E embora todos coincidam em que essa é a saída definitiva para a crise da moeda única, a Troika insiste em exigir uma redução dos déficits imediata e significativa, possível apenas com a adoção de medidas rigorosas que sacrificam as populações dos países mais afetados por essa desigualdade de condições de financiamento.

No caso espanhol o pagamento dos juros da dívida vai consumir mais do que será arrecadado com a subida de impostos e economizado a partir dos cortes em saúde e educação. Em julho, o ministro da Fazenda, Cristobal Montoro, admitiu que o aumento de 9,2% previsto para 2013 nos gastos do Estado “é consequência da dívida pública e faz com que tenhamos menos gasto disponível para pagar os serviços públicos”. A arrecadação aumentará pouco mais de 4%.

E embora o discurso seja o da busca do crescimento, nenhum país questiona a ordem de apertar os cintos e propor uma redução gradual dos déficits que não atinja tanto os cidadãos europeus enquanto se apressa a efetiva integração fiscal e bancária que tanto desejam.

Ao contrário. Durante a coletiva de imprensa, nem Rajoy - representante de um país que sofre para levar adiante as políticas exigidas pelo bloco - nem Hollande, eleito com base em um discurso de defesa ao incentivo para o crescimento e contra os ajustes, se mostraram favoráveis a que a Grécia receba mais prazo para reduzir seu déficit, como pede o país que inventou a democracia. “Confiamos em que os gregos cumprirão com seus compromissos”, repetiram.

O que comprova que de fato, como Hollande sublinhou ao longo da entrevista, embora não pertençam a mesma corrente política, “compartilham uma visão semelhante sobre o futuro da Europa”.


Fotos: Palácio da Moncloa/Divulgação 

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