sábado, 25 de maio de 2013

Genuinamente brasileira

Ícone do modernismo, Tarsila do Amaral viveu intensamente cada etapa de sua longa trajetória pessoal e artística

Revista SESC


Expoente da pintura e responsável por sintetizar visualmente o modernismo brasileiro, Tarsila do Amaral tem sua trajetória revalorizada e relembrada em decorrência dos 40 anos de sua morte, completados em 17 de janeiro deste ano.

Mas, ainda em vida, a artista já havia estabelecido a concretude de uma história pessoal e profissional digna de estudos e homenagens. Nasceu em setembro de 1886 na cidade de Capivari, interior do estado de São Paulo. Sua origem familiar remete à sociedade  do final do século 19, patriarcal e baseada nas estruturas e poderes do latifúndio. Embora estivesse em transição e aberta a um novo horizonte, foi nesse contexto que a jovem Tarsila se desenvolveu como pintora.

No livro Tarsila, Sua Obra e Seu Tempo (4ª edição, 2010, Editora 34/Edusp), a autora Aracy Amaral comenta o denominado caráter novo da época: “A abertura referida pelo novo está patente no tipo de educação dada aos filhos, na curiosidade insatisfeita de Tarsila pelo desconhecido. E sempre nesses dois polos – o tradicionalista e o progressista – se desenvolveria a personalidade da futura pintora, plasmando ao mesmo tempo essas características, que são também as de sua arte”.

A menina Tarsila esboça os primeiros traços copiando os santinhos da igreja. Segundo declaração registrada no livro Tarsila, a Modernista (1997, Editora Senac), de Nádia Gotlib, a lembrança mais forte da pintora foi do dia em que desenhou infantilmente uma cesta de flores e uma galinha rodeada por um bando de pintinhos: “A galinha com os pintinhos saíram da minha alma, do carinho com que observava a criação ao redor da casa, na fazenda onde cresci como um animalzinho livre ao lado dos meus quarenta gatos que me faziam festa”.

De desenhos ingênuos e cores em amadurecimento, mais tarde a mulher Tarsila, entre outras personalidades femininas do fim do século 19, contribuiu para a reconfiguração de um cenário em modificação quanto à posição da mulher na sociedade. “Ela colaborou com movimento de emancipação das mulheres, mas é difícil saber se era uma atitude inconsciente ou não. Mas é claro que sua personalidade favorecia uma atuação firme, que parecia nascer mais de sua índole de artista do que de projeto político ideologicamente elaborado”, afirma Nádia.

O viés marcadamente nacional de sua obra, vislumbrado pelas cores e formas que utilizava, flerta com sua vivência internacional, que começou com os estudos no colégio Sacré-Coeur, em Barcelona, em 1902. De acordo com o livro Tarsila, a Modernista, um grande acontecimento estava por vir. Em 1904 acontece a primeira viagem à França, que reservou, ao mesmo tempo, ansiedade e decepção. “Alguns sonhos, construídos na lonjura do Brasil distante, através de uma civilização faustosa, se desmantelam diante da visão real desse espaço sem palácios e nem príncipes encantados”, escreve Nádia.

Nesse período de adolescência, em 1906, seguindo os padrões conservadores e por vontade do pai, José Estanislau do Amaral, casa-se com um primo de sua mãe, André Teixeira Pinto. Mesmo com o nascimento de sua única filha, Dulce, o casamento dura pouco, porém o divórcio ocorre apenas em 1925, quase 20 anos depois da separação. Tarsila tinha, então, 38 anos de idade. Finalmente livre da primeira experiência, oficializa o relacionamento com o escritor Oswald de Andrade (1890-1954) em 1926. 

Caminhos modernistas

Nos anos de 1920, Tarsila retorna a Paris, onde cursa a Académie Julian e o ateliê de Émile Renard. Já em 1922, ano da emblemática semana Modernista em São Paulo, expõe no Salon Officiel des Artistes Français. A amiga Anita Malfatti (1889-1964) compartilhava com Tarsila as polêmicas acerca do modernismo e do passadismo, exemplificados por uma série de cinco artigos escritos por Mário de Andrade (1893-1945) e publicados no Jornal do Comércio em 1921, criticando o movimento literário parnasiano. 

Logo que retornou do velho continente, em junho de 1922, Tarsila foi apresentada por Anita aos rapazes que agitavam a cena cultural paulistana: Oswald de Andrade, Menotti del Picchia (1892-1988) e Mário de Andrade. Do encontro foi formado o Grupo dos Cinco, representado em um desenho homônimo feito por Anita. 

“Geralmente, as artistas modernistas mais notabilizadas possuem uma relação de parceria com homens – artistas, críticos ou mecenas – de grande proeminência nos pequenos círculos modernistas”, explica a professora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP) Ana Paula Cavalcanti Simioni. “É exatamente o caso de Tarsila. O período considerado o mais criativo de sua produção é aquele em que era companheira de Oswald de Andrade.” 

Conquistas individuais

Em dezembro, a pintora embarca de volta à Europa e começa a se corresponder com Oswald. O casal troca cartas apaixonadas até que ele vai encontrá-la em Paris em 1923. Neste ano, os dois travaram contato com expoentes da intelectualidade presente na Cidade Luz. Aracy Amaral descreve a fase em Tarsila, Sua Obra e Seu tempo: “Um bom signo, sem dúvida, que os guiaria no decorrer de todo esse ano em Paris, fundamental para a carreira de Tarsila”.

Entre viagens internacionais e períodos no Brasil, a pintora realiza a primeira exposição individual em Paris, em 1926, na qual apresenta 17 telas. A exposição encontra repercussão, com resenhas em revistas de arte e boas críticas na imprensa local.

Em 1929, realiza as primeiras exposições individuais no Brasil, no Palace Hotel, no Rio de Janeiro, e no Prédio Glória, em São Paulo. E, em 1931, realiza uma exposição no Museu de Arte Moderna de Moscou.
Ainda nos anos de 1930 permanece por um tempo em Paris, e volta ao Brasil durante a Revolução Constitucionalista, sendo presa por um mês. Posta em liberdade, inicia sua fase de preocupação social, retratada pela tela Operários (1933). 

A partir de 1950, concretiza a fase neopau-brasil, retomando temas caipiras e as cores marcadamente suavizadas. Em seguida, é realizada uma importante retrospectiva de sua carreira no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e a participação na I Bienal da cidade. Ana Paula Simioni ressalta que Tarsila foi “uma artista que produziu muitíssimo, com temáticas, estilos e repertórios variados, os quais são pouco estudados”, e faz um adendo: “Infelizmente limita-se o interesse da produção de Tarsila muito enfaticamente ao que ela fez durante a década de 1920, mas é preciso notar que ela continuou a produzir até sua morte, na década de 1970”. 

Um acontecimento pessoal importante na vida da pintora seriam os sucessivos laços afetivos. “Contrariando costumes austeros da época, como o do casamento único, sempre definitivo, ainda que movido à infelicidade”, afirma Nádia. Em 1930, Tarsila se separa de Andrade em caráter definitivo; já em 1938 vive “entre a cidade e a fazenda, com o crítico de arte Luís Martins (1910-1981)”, em relacionamento que durou 18 anos. No aspecto profissional, “a inquietação, que a levou para a Europa várias vezes e que lhe abriu as portas da convivência com artistas mais avançados do período, como Blaise Cendrars (1887-1961) e Pablo Picasso (1881-1973), o que não é pouco”, acrescenta.

Uma boa definição da pintora é dada pelos poemas redigidos em sua homenagem, como o escrito por Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Brasil / Tarsila: “Tarsila / amora amorável d’amaral / prazer dos olhos meus onde te encontres / azul e rosa e verde para sempre”.

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