sábado, 25 de maio de 2013

Judeus e palestinos confrontam narrativas sobre independência


No início do século passado, mais de um milhão de palestinos e cem mil judeus viviam na Palestina

Breno Altman
O palestino Emeir Da’ona é personagem histórico da parte leste deJerusalém. Aos 84 anos, assistiu acontecimentos que levaram à declaração da independência do Estado de Israel, em 1948, quando ainda era adolescente. Da sua pequena banca de jornais, quase diante do Portão do Leão da cidade velha, também testemunhou a chegada das tropas israelenses, em 1967, na região oriental do município.
“Foram momentos de medo e expectativa”, lembra-se Da’ona. “Na primeira das guerras, perdemos nossa terra, mas uma parte de Jerusalém ainda era palestina. Depois, nem isso nos restou.” A parte ocidental tinha soberania de Israel desde os conflitos de 1947-48. O setor leste estava sob controle da Jordânia.


Cidade velha de Jerusalém, uma área amuralhada que reúne lugares de fundamental importância religiosa

Sua tristeza se confronta com os festejos que animam a população judaica, pronta para celebrar, naquele mesmo 8 de maio no qual o jornaleiro conversou com Opera Mundi, a data de reunificação da capital sob égide israelense. Há 46 anos, afinal, os jordanianos tinham sido obrigados a se retirar e entregar sua porção da cidade ao exército sionista, fazendo letra morta o armistício de 1949.

O choque de narrativas teve início no final do século XIX, quando o movimento sionista assume como bandeira o retorno dos judeus à terra de origem, com o propósito de reerguer seu Estado nacional. Os antecedentes a favor dessa aspiração eram religiosos e históricos. A trajetória bíblica do povo israelense era contada a partir de fatos relacionados com a região, desde os primeiros patriarcas.

Após a fuga da escravidão no Egito, aproximadamente no ano 1250 antes de Cristo, até as últimas revoltas fracassadas contra os romanos, em 135 d.C, quando começa a diáspora judaica, teriam sido quase 1,4 mil anos de presença em um perímetro que vai da costa oriental do Mediterrâneo até as fronteiras ocidentais do Iraque e Arábia Saudita, atualmente compondo os territórios da Jordânia e Israel, além da parte sul do Líbano, Cisjordânia (Judeia e Samaria, para os sionistas mais tradicionalistas) e Faixa de Gaza.

O palestino Emeir Da’ona, de 84 anos, vivenciou as transformações na Palestina desde a criação de Israel, em 1948
No longo intervalo que percorre o capítulo final da luta contra os romanos e o nascimento do sionismo, contudo, a região passou por um profundo repovoamento.
Primeiro, durante o Império Bizantino, a partir de 324, foi ocupada por maioria cristã, com os judeus representando uma minoria de certa expressão, que apoiou a invasão persa de 614. Quando o imperador Heráclio reconquista a Palestina, muitos são obrigados a fugir na companhia dos ocupantes derrotados.
Mas Bizâncio estava enfraquecida e não resiste ao assédio dos árabes, que na Batalha de Yarmuk, em 636, assumem o controle de quase toda a área. Jerusalém e Cesareia, os últimos bastiões, cairiam em 638 e 640, dando início a um período histórico de predomínio da população muçulmana. Foi intervalado apenas pelo poder dos cruzados, o chamado Reino Latino de Jerusalém, entre 1099 e 1144.

Declaração Balfour

A Palestina, conquistada em 1517 pelo Império Otomano, com as mesmas características étnico-religiosas que os demais reinados árabes, passaria ao mandato britânico com o final da Primeira Guerra Mundial, quando ingleses e franceses batem os alemães e seus aliados turcos. Corria o ano de 1917. A Inglaterra, através de carta de Arthur Balfour, ministro britânico para Assuntos Estrangeiros, ao barão de Rothschild, acena para a criação de um “Lar Nacional do Povo Judeu”.

Nesse pedaço de terra prometida, porém, viviam mais de um milhão de palestinos e apenas cem mil judeus, apesar das ondas migratórias empreendidas pelos sionistas nos vinte anos anteriores. A reação árabe contra a chamada Declaração Balfour levou o Reino Unidoa recuar de seu compromisso. Para acalmar a pressão, em 1922, 75% da zona em disputa seria entregue para a constituição da Transjordânia, atual Jordânia, ao leste do rio Jordão. Restava a divisão da banda ocidental.

Durante os trinta anos seguintes, conflitos entre os dois povos e a resistência contra a colonização inglesa iriam se aprofundar e se transformar em luta armada. Novas levas de imigrantes judeus começaram a chegar, grupos de autodefesa a serem organizados, além de instituições políticas e econômicas. Os árabes também se prepararam para defender suas propriedades e cidades.
O impasse desembocaria no Plano de Partição da Palestina, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 29 de novembro de 1947. Aproximadamente 53% do território seria destinado a 700 mil judeus criarem seu Estado, mas garantindo que os 400 mil árabes que viviam nas fronteiras delimitadas recebessem plenos direitos de cidadania. Outros 47% seria concedido para que 1,4 milhão de palestinos formasse sua entidade nacional. Jerusalém e Belém ficariam sob controle internacional.

Soldados israelenses patrulham ruas de Jerusalém, cidade sagrada que deveria ter permanecido sob controle internacional 

Os sionistas, apesar de algum desconforto, pois algumas de suas correntes almejavam conquistar toda a zona entre o Jordão e o Mediterrâneo, aceitaram a resolução. Mas os palestinos e países árabes não, alegando que a ONU estava impondo os interesses de minoria para construir um Estado que era contrário à vontade da maioria dos habitantes da Palestina.

Guerras

O anúncio da partilha desatou uma situação de guerra civil. Melhores armadas e organizadas, as tropas sionistas ocuparam com rapidez o território que lhes tinha sido apontado e passaram à ofensiva contra fronteiras palestinas. Quando se esgotou o mandato britânico, na noite do dia 14 de maio de 1948, mesma data da assinatura da independência de Israel, os países da Liga Árabe (Egito, Síria, Líbano e Jordânia), além do Iraque, declararam guerra contra o novo Estado.


Membros das forças armadas israelenses durante a guerra de 1948, na qual o Estado recém criado de Israel saiu vitorioso

Amparado por forte apoio internacional, em boa medida provocado pela tragédia do Holocausto, Israel contou com a solidariedade das duas principais potências emergentes com a derrota do nazismo, Estados Unidos e União Soviética. Seu exército expulsou as forças armadas inimigas e empurrou os palestinos para uma parcela ainda menor que a prevista pelo acordo de partição. Quando o armistício de 1949 foi assinado, as fronteiras israelenses ocupavam 75% da região, incluindo o controle de Jerusalém Ocidental.

Para os judeus sionistas, foi uma grande vitória política e militar, que consolidou a autonomia da jovem nação. Para os palestinos e árabes, entraria para a história como al nakba, a catástrofe. Entre evacuações forçadas e movimentos de fugas, cerca de 700 mil palestinos (segundo as Nações Unidas) iniciaram o caminho para o êxodo. Grande parte passaria a viver em precários campos de refugiados. Outros migraram para diferentes países.

A quarta parte da região, que não havia sido ocupada por Israel, foi dividida entre Jordânia (que anexou a Cisjordânia e Jerusalém Oriental) e Egito (que conquistou soberania sobre a Faixa de Gaza). As divisas do acordo de paz passaram a ser conhecidas como Linha Verde. Durariam menos de duas décadas.

Líderes das tropas árabes na guerra de 1948, que significou o início de evacuações forçadas e fugas em massa de palestinos 

Alegando risco de ataque árabe, no dia 5 de junho de 1967, as forças armadas israelenses desatam poderosa ofensiva contra o Egito e a Síria. A Jordânia também entra em combate e sofre retaliações. No curto intervalo de seis dias, Israel conquista as colinas de Golã, a península do Sinai e os territórios palestinos anexados anteriormente por seus inimigos, inclusive a parte oriental de Jerusalém, formalmente unificada em 1980.

O movimento sionista apresenta seu feito como guerra de liberação. As Nações Unidas, através da resolução 242, a considera agressão ilegal e violação do armistício de 1949, exigindo o retorno às fronteiras pré-ocupação. O Estado de Israel alega razões de segurança. O êxodo palestino se multiplica e começa o processo de colonização sionista da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.

Os países árabes tentariam recuperar, em vão, o território perdido, na Guerra do Yom Kipur, em 1973. Aproveitaram–se do mesmo efeito surpresa que, seis anos antes, ajudara Israel, mas foram derrotados de forma cabal. Estavam enterradas suas possibilidades militares contra o potente vizinho.

Todo ano, desde então, o jornaleiro Da’ona chora o desastre palestino, no mesmo dia em que a vizinhança judaica canta e dança, no espaço de poucos dias, a criação do Estado de Israel e a retomada de Jerusalém. Cada um com sua própria e antagônica narrativa.


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