Na Venezuela, Nicolás Maduro enfrenta pressões pesadas vindas da oposição interna e também do exterior. Na Argentina, Cristina Fernández de Kirchner enfrenta pressões internas pesadas vindas da oposição encastelada nos grandes conglomerados de comunicação e também a ação de especuladores famintos. No Paraguai, o presidente eleito Horacio Cartes enfrentará, a partir da sua posse, problemas sérios. O primeiro deles talvez seja demonstrar que ele mesmo não é um problema especialmente sério
Eric Nepomuceno
Eric Nepomuceno
Há problemas em todo lado, porque também de problemas é feita a vida. Aqui mesmo, aliás, temos os nossos, variados e para todos ou quase todos os gostos.
Então, o problema não é ter problemas: a questão é encontrar uma soluçãopara cada um deles.
Vivemos tempos inéditos na América do Sul, em termos de interligação, espaço e estágio prévios à tão necessária integração. Por isso mesmo convém acompanhar o que acontece no cenário mais próximo.
Nicolas Maduro, presidente da Venezuela, foi eleito por uma estreita margem de votos. Centenas de observadores internacionais atestam a lisura das eleições. Mas Henrique Capriles, o derrotado, resolveu virar valente. O maior problema, em todo caso, não é essa súbita valentia. O maior problema é começar rapidamente a consolidar essa vitória e enfrentar o quadro complexo e delicado que Maduro tem pela frente.
Há tropeços importantes na economia, no abastecimento, a crise de violência urbana é muito séria, e o país sofre a pressão crescente da falta de investimentos do setor privado, que descobriu o óbvio: é mais rápido e lucrativo especular que investir. Some-se a tudo isso a necessidade premente de manter coesas as diferentes correntes bolivarianas, o chamado ‘chavismo’, e tem-se uma visão apenas aproximada do tamanho do problema que Maduro tem de superar.
O novo presidente é considerado, até por quem não o apóia, um homem propenso ao diálogo, um negociador hábil e confiável. Terá de exercer essas duas qualidades não apenas na procura de um hoje impossível diálogo com a oposição, mas também para manter a coesão dos bolivarianos. Sabe que não terá, sobre as diferentes correntes que o apóiam, o peso da liderança do comandante Hugo Chávez.
A viagem oficial de Maduro ao Uruguai, Argentina e Brasil tem, entre seus vários objetivos, o de assegurar que a política externa dos tempos do falecido comandante – quando, aliás, o agora presidente era ministro de Relações Exteriores – não sofrerá mudanças. E, ao mesmo tempo, reforçar o apoio recebido da Unasul tão logo derrotou Capriles e teve sua vitória posta em dúvida pela oposição e por Washington.
No caso de uruguaios e argentinos, o ação direta da Venezuela é essencial. Petróleo e financiamento são ambicionados pelos dois países. No caso dos brasileiros, o país de Maduro é um mercado altamente promissor para investimentos e exportações. No caso dos três, a integração continental é essencial.
E é aí que surge outro problema: o Paraguai. A suspensão do país do Mercosul termina com a posse do novo presidente. Mas para tornar a assumir seu espaço de membro pleno do bloco, será preciso que o senado do Paraguai faça o que sempre se negou a fazer: reconhecer o direito venezuelano de ocupar espaço similar.
O Itamaraty já mandou um recado não exatamente discreto: disse, depois da eleição de Cartes, que o regresso do Paraguai não será necessariamente imediato, já que existem vários fatores a serem observados. A presidente argentina Cristina Kirchner foi na mesma toada: deixou claro que, para voltar, o Paraguai terá de aceitar a Venezuela.
O Partido Colorado, que é de Cartes como antes foi de Stroessner, conta com maioria na Câmara mas não no Senado. Eis aí um problema de bom tamanho. Como se, aliás, não bastassem as desconfianças despertadas nas vizinhanças pelo passado nada lisonjeiro do novo presidente paraguaio.
E já que se trata de problemas dos vizinhos, convém acompanhar de perto o que acontece na Argentina: a questão do câmbio começa a escapar do âmbito puramente especulativo e pode ameaçar a economia real.
Com a escalada cada vez mais agressiva do câmbio negro sobre o oficial (a diferença chegou ao dobro), o governo de Cristina Kirchner anunciou o envio ao Congresso de decretos para incentivar o retorno de dólares evadidos. É uma situação esdrúxula: os argentinos têm 150 bilhões de dólares não declarados, dentro e principalmente fora do país. Isso é quase quatro vezes as reservas em divisa forte do Banco Central (uns 40 bilhões de dólares). As novas medidas anunciadas pelo governo pretendem devolver essa dinheirama ao país de forma legal, através de investimentos em setores estratégicos.
É uma proposta tentadora: legalizar e colocar em circulação os dólares escondidos, e fazer isso ao amparo de títulos seguros e com a promessa de anistia fiscal.
Resta ver se os especuladores aceitam. Tudo que o governo quer é desdolarizar uma economia que, nas palavras do jovem e poderoso vice-ministro de Economia Axel Kicillof, é ‘bi-monetariezada’: uma economia que gasta em pesos mas poupa em dólares, na qual as operações imobiliárias são feitas em dólares e na qual quem comprou dólares no câmbio negro em janeiro acumulou um lucro de 41% até o começo de maio. Como mudar esse cenário?
É um quadro complexo, sem dúvida, o que vivem esses nossos três vizinhos. Seus problemas nos afetam de maneira mais ou menos direta, da mesma forma que, conforme cada circunstância, os nossos os afetam diretamente– em maior ou menor medida. Coisas do tão necessário processo de integração.
E assim, tudo isso faz parte de nossos próprios problemas, nossa própria preocupação. Há um ponto positivo sólido que poderá servir para que as soluções sejam encontradas: o diálogo fluido e constante, o intercâmbio de ações, experiências e informações. Vivemos tempos propícios para enfrentar esses e outros problemas. Bem mais propícios do que antes, quando éramos cada um por si e ninguém por todos.
Vivemos tempos inéditos na América do Sul, em termos de interligação, espaço e estágio prévios à tão necessária integração. Por isso mesmo convém acompanhar o que acontece no cenário mais próximo.
A viagem oficial de Maduro ao Uruguai, Argentina e Brasil tem, entre seus vários objetivos, o de assegurar que a política externa dos tempos do falecido comandante – quando, aliás, o agora presidente era ministro de Relações Exteriores – não sofrerá mudanças. E, ao mesmo tempo, reforçar o apoio recebido da Unasul tão logo derrotou Capriles e teve sua vitória posta em dúvida pela oposição e por Washington.
No caso de uruguaios e argentinos, o ação direta da Venezuela é essencial. Petróleo e financiamento são ambicionados pelos dois países. No caso dos brasileiros, o país de Maduro é um mercado altamente promissor para investimentos e exportações. No caso dos três, a integração continental é essencial.
E é aí que surge outro problema: o Paraguai. A suspensão do país do Mercosul termina com a posse do novo presidente. Mas para tornar a assumir seu espaço de membro pleno do bloco, será preciso que o senado do Paraguai faça o que sempre se negou a fazer: reconhecer o direito venezuelano de ocupar espaço similar.
O Itamaraty já mandou um recado não exatamente discreto: disse, depois da eleição de Cartes, que o regresso do Paraguai não será necessariamente imediato, já que existem vários fatores a serem observados. A presidente argentina Cristina Kirchner foi na mesma toada: deixou claro que, para voltar, o Paraguai terá de aceitar a Venezuela.
O Partido Colorado, que é de Cartes como antes foi de Stroessner, conta com maioria na Câmara mas não no Senado. Eis aí um problema de bom tamanho. Como se, aliás, não bastassem as desconfianças despertadas nas vizinhanças pelo passado nada lisonjeiro do novo presidente paraguaio.
E já que se trata de problemas dos vizinhos, convém acompanhar de perto o que acontece na Argentina: a questão do câmbio começa a escapar do âmbito puramente especulativo e pode ameaçar a economia real.
Com a escalada cada vez mais agressiva do câmbio negro sobre o oficial (a diferença chegou ao dobro), o governo de Cristina Kirchner anunciou o envio ao Congresso de decretos para incentivar o retorno de dólares evadidos. É uma situação esdrúxula: os argentinos têm 150 bilhões de dólares não declarados, dentro e principalmente fora do país. Isso é quase quatro vezes as reservas em divisa forte do Banco Central (uns 40 bilhões de dólares). As novas medidas anunciadas pelo governo pretendem devolver essa dinheirama ao país de forma legal, através de investimentos em setores estratégicos.
É uma proposta tentadora: legalizar e colocar em circulação os dólares escondidos, e fazer isso ao amparo de títulos seguros e com a promessa de anistia fiscal.
Resta ver se os especuladores aceitam. Tudo que o governo quer é desdolarizar uma economia que, nas palavras do jovem e poderoso vice-ministro de Economia Axel Kicillof, é ‘bi-monetariezada’: uma economia que gasta em pesos mas poupa em dólares, na qual as operações imobiliárias são feitas em dólares e na qual quem comprou dólares no câmbio negro em janeiro acumulou um lucro de 41% até o começo de maio. Como mudar esse cenário?
É um quadro complexo, sem dúvida, o que vivem esses nossos três vizinhos. Seus problemas nos afetam de maneira mais ou menos direta, da mesma forma que, conforme cada circunstância, os nossos os afetam diretamente– em maior ou menor medida. Coisas do tão necessário processo de integração.
E assim, tudo isso faz parte de nossos próprios problemas, nossa própria preocupação. Há um ponto positivo sólido que poderá servir para que as soluções sejam encontradas: o diálogo fluido e constante, o intercâmbio de ações, experiências e informações. Vivemos tempos propícios para enfrentar esses e outros problemas. Bem mais propícios do que antes, quando éramos cada um por si e ninguém por todos.
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