sexta-feira, 24 de maio de 2013

"Quero viver no Irã", diz cineasta vencedor do Oscar

Premiado com o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2012 por "A Separação", o iraniano Asghar Farhadi apresentou na sexta-feira (17) seu novo filme, "O Passado", competidor em Cannes, no mesmo dia de sua estreou nos cinemas franceses.

Christophe Ayad E Ghazal Golshiri
17.mai.2013 - O ator iraniano Ali Mosaffa, os atores franceses Elyes Aguis, Berenice Bejo e Jeanne Jestin, o diretor iraniano Asghar Farhadi, e o ator francês Tahar Rahim, durante apresentação do filme "Le Passé", que concorre à Palma de Ouro no 66º Festival de Cannes
O ator iraniano Ali Mosaffa, os atores franceses Elyes Aguis, Berenice Bejo e Jeanne Jestin, o diretor iraniano Asghar Farhadi, e o ator francês Tahar Rahim, durante apresentação do filme "Le Passé", que concorre à Palma de Ouro no 66º Festival de Cannes
Le Monde: Qual a diferença entre filmar na França e no Irã?
Asghar Farhadi: Eu realmente não queria trabalhar de maneira diferente e queria evitar que a mudança de cenário ou de contexto me transformasse em outro cineasta. As diferenças mais notáveis dizem respeito aos recursos técnicos, bem maiores na França, e à criatividade coletiva, que praticamente não existe no Irã. O trabalho é muito mais dividido aqui, ainda que os profissionais sejam totalmente comparáveis nos dois países. Lá, tudo depende da iniciativa individual. Fora isso, a maneira de fazer os filmes é basicamente a mesma.
Le Monde: O senhor conseguiria contar a mesma história no Irã?
Farhadi: Sim, todos os elementos da história teriam sido plausíveis no Irã. As famílias recombinadas também existem lá. Então poderíamos ter invertido o processo, com um estrangeiro vindo ao Irã para se divorciar. Claro, seria preciso adaptar ao contexto iraniano. Os costumes não teriam sido os mesmos.
Le Monde: Quando o senhor trabalha no Irã, tem problema com limites?
Farhadi: Não faltam limites no Irã, eles são de duas naturezas. Os que são externos, visíveis, e os que são interiorizados. Os limites estabelecidos pelo sistema e que têm alguma relação com o governo, a sociedade ou as religiões não são necessariamente claros ou definitivos; eles variam de um dia para outro, assim como o tempo em Paris.
Existem outros, que estão no seu inconsciente e que cresceram com você. São muito mais perigosos e poderosos, porque ninguém fala neles ou aponta para eles. Não é possível evitar as regras estabelecidas pelo sistema, você é obrigado a se ater a elas. Mas você pode pelo menos prestar atenção para que os limites que você tem dentro de si não tomem conta de você. A missão de um artista é combater essas regras interiorizadas.
Le Monde: A censura é seu principal problema?
Farhadi: Ela existe, mas ainda não nos venceu. Não é porque ela está lá que nos tornamos passivos e desamparados. Os cineastas vivem uma lutaeterna contra as pressões. Às vezes eles ganham batalhas e às vezes perdem, mas a luta não para.
Costuma se falar sobre a censura no Irã. Mas há outros tipos de censura; por exemplo, a censura econômica, que não tive de sofrer. Na França encontrei vários cineastas que há anos não conseguem fazer o filme que eles querem.
Le Monde: O senhor hoje vive na França. Voltaria para o Irã? Trabalharia lá novamente?
Farhadi: Eu quero viver no Irã. No que diz respeito ao meu trabalho, estou esperando para ver o que minha próxima história sugerirá. Apesar de todas as dificuldades, trabalhar no Irã continua me proporcionando outro tipo de prazer. É como quando você faz uma trilha na montanha: você prefere os caminhos mais difíceis. No final do dia, você tem a impressão de ter realizado alguma coisa. É um desafio.
Le Monde: O senhor recebeu um Oscar por "A Separação" em 2012. O que isso mudou em sua carreira e em sua vida?
Farhadi: Encontrei um público muito mais amplo pelo mundo, e encontrei uma nova base entre os iranianos. Minha relação com eles realmente se aprofundou. Eles demonstraram tamanho entusiasmo, tamanha adesão, foi uma verdadeira riqueza para mim. Para mim, esse acontecimento revelou algo de muito profundo em meu país. Entendi até que ponto esse povo queria ser reconhecido por sua cultura. Infelizmente, a imagem de nosso país é aquela que os políticos quiseram fabricar.
Le Monde: Certas autoridades reagiram mal. Esse Oscar foi uma proteção ou um problema para o senhor?
Farhadi: Não fiquei surpreso, eu esperava que tal reconhecimento fosse dar lugar a críticas. O sistema no Irã não é nada homogêneo. Certos representantes do regime têm certeza de que há um eterno complô. Mas quando há, nem que seja somente silêncio, eu interpreto como um consentimento. Para mim está ótimo.
Le Monde: Outro filme que tratava do Irã, "Argo", recebeu um Oscar em 2013. O que o senhor achou dele?
Farhadi: Esse filme foi extremamente fraco do ponto de vista cinematográfico. Como iraniano, não tive nenhum problema com o fato de que alguém queira fazer um filme sobre acontecimentos que ocorreram em meu país, pelo contrário. Mas quando você assume uma tarefa como essa, é preciso ter muita cautela. Só que em "Argo" essa visão é muito superficial. Eu era muito jovem quando a revolução aconteceu, mas guardei dela uma lembrança bastante precisa. Na época eu morava em Ispahan. Havia muitos turistas na cidade, e nunca vi qualquer reação de agressividade contra eles.
Le Monde: Temos visto menos criações iranianas de alguns anos para cá. O que está acontecendo?
Farhadi: Existem altos e baixos na produção artística e cinematográfica de qualquer país. E, de fato, houve uma queda nos últimos anos no Irã. São diversas as causas. Para produzir uma obra cinematográfica, é preciso uma espécie de entusiasmo. Se cortam esse ímpeto, é evidente que você não consegue mobilizar todas as condições necessárias para que seu filme aconteça. É verdade também que diversos cineastas deixaram o Irã recentemente. Mas muitos permaneceram no país e têm encontrado muita dificuldade para continuar trabalhando. É importante não esquecê-los. Tenho certeza de que se houver uma pequena abertura, essa criatividade voltará a ser vista.
Le Monde: Desde 2009, seu país parece ter mergulhado em uma espécie de depressão...
Farhadi: Eu não diria que o Irã está sofrendo de uma depressão maior que a de outros países. No entanto, se eu for comparar o Irã de hoje com o de alguns anos atrás, me parece que os iranianos estão mal. Mas não estão resignados. Ainda há muita gente que continua lutando com a esperança de dias melhores. Não gosto desse clichê que apresenta os iranianos como pessoas desamparadas e passivas, que aceitam tudo que lhes é imposto. O que estamos atravessando hoje é uma passagem obrigatória. Mas essa energia toda não será perdida.
Le Monde: Seu país está sujeito a grandes sanções econômicas. Isso o afeta como artista e cidadão?
Farhadi: Evidentemente, todo mundo é afetado por elas. Isso tem um verdadeiro impacto sobre a vida cotidiana. Muitos doentes hoje não estão mais recebendo os remédios necessários para seu tratamento. É uma completa mentira dizer que o único alvo dessas sanções é o governo, uma vez que é o povo que sofre as consequências. É muito covarde da parte das grandes potências e não é dessa forma que se deve pressionar o governo.
Le Monde: Menciona-se com frequência a possibilidade de uma guerra contra seu país. Isso é uma fonte de preocupação, ou não lhe parece real?
Farhadi: A essa altura, a guerra está sendo levada muito mais a sério fora do que dentro do Irã. Desejo de todo coração que isso não aconteça. Uma guerra é um problema, não uma solução. Ela não trará nada, exceto pelo enriquecimento dos fabricantes de armas.
Le Monde: O senhor tem algum projeto em andamento?
Farhadi: Por enquanto, não. Quero voltar para o Irã. A última vez foi há um ano.
Tradutor: Lana Lim

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