sexta-feira, 24 de maio de 2013

Eurofobia é fator comum entre países europeus na crise

Quem interpretar a crise da Europa como uma crise essencialmente econômica pode estar ficando cego para o que realmente está em jogo: a ascensão de uma estranha coalizão dos eurocéticos de sempre com eurodesencantados, euro-hostis e eurodeserdados de novo cunho.

Claudi Pérez
O ex-primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi renunciou em novembro de 2011. Ele não resistiu no cargo em meio à crise econômica que assola a Itália, e foi substituído por Mario Monti
Populismos, extremismos e nacionalismos causam um susto atrás do outro, uma sucessão de surpresas desagradáveis nas últimas eleições. A última mutação da crise, desta vez eminentemente política, conseguiu semear uma notável inquietação em Bruxelas, que teme o aparecimento de novos partidos nessa linha.
"A Europa será aberta e democrática, ou não será; os partidos tradicionais europeus devem tomar a iniciativa para não dobrar os joelhos diante dos eurocéticos e os antieuropeus", avisou na terça-feira o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, cuja liderança titubeante, dobrada ao inquietante poderio de Berlim, é indicada em alguns círculos como uma causa desse fenômeno.
Mas primeiro os fatos. O ex-chanceler britânico Nigel Lawson, um antigo europeísta em um país de eurófobos, declarou na terça-feira que o Reino Unido "deve abandonar a UE". O partido ultradireitista UKIP acaba de consolidar seu espaço no cenário eleitoral britânico nas municipais, não muito longe de conservadores e trabalhistas. E, na próspera e tradicionalmente eurófila Alemanha, o partido Pirata e uma nova formação antieuro ganham peso nas últimas pesquisas. Oskar Lafontaine, fervente defensor da moeda única quando era um dos líderes do SPD, agora defende uma saída alemã do euro.
E assim "ad infinitum": é difícil - e em alguns casos possivelmente injusto - colocar no mesmo saco movimentos muito diferentes, mas a Itália (e seu antipolítico Movimento 5 Estrelas), a Grécia (com os neonazistas do Aurora Dourada), Holanda (10% dos votos para a plataforma anti-islâmica de Geert Wilders), Bélgica (8% para o extremista Filip Dewinter), Hungria (com um governo ultranacionalista que desafia as instituições europeias), Finlândia (os Autênticos Finlandeses conseguiram 20% dos votos em 2011), Áustria (o partido antieuropeu de um milionário excêntrico acumulou cerca de 10% dos votos em várias regiões), Dinamarca, Suécia e muitos outros países deixam o continente com cada vez menos exceções a essa corrente. A ponto de o filósofo Jürgen Habermas ter afirmado há alguns dias em Louvain que a única coisa que une os cidadãos neste momento "é um euroceticismo que se acentuou durante a crise em todos os países, embora em cada país por razões diferentes e às vezes opostas".
As fontes consultadas nas instituições europeias concordam, em linhas gerais, com esse julgamento sumário de um dos intelectuais de referência no continente. "O caso do Reino Unido talvez seja um pouco diferente: há um fundo político mais sólido, mais enraizado e, em todo caso, os britânicos terão de votar em última instância e ater-se às consequências de sua decisão", explica uma fonte do Conselho. "Mas o preocupante é esse amplo espectro de extremismos de esquerda e direita, nacionalistas e antieuropeus: sintomas de uma doença de difícil cura enquanto continuar a crise", segundo a mesma fonte.
Josep Borrell, ex-presidente do Parlamento Europeu, indica diretamente à Comissão ('uma espécie de secretaria técnica do Conselho') as receitas contraproducentes para sair do buraco ('que estão ampliando perigosamente as fissuras entre o núcleo e a periferia') e prevê males maiores se não houver uma virada nessa política de austeridade calvinista que só agora começa a despontar no horizonte. "Há uma grande responsabilidade na ascensão desses extremismos nas instituições europeias. Essa regressão ao egoísmo nacionalista em plena crise é um clássico, mas se continuar assim o risco é salvar o euro para carregar a Europa; mais alguns anos nessa linha e veremos coisas muito estranhas."
As boas notícias são que, apesar da crise, apesar do gotejar contínuo de cortes, apesar dos pesares, os tradicionais partidos pró-europeus continuam conservando o poder, aponta o analista Charles Kupchan, do Centro de Relações Exteriores. "As más notícias são que a ascensão de novos partidos mais radicalizados e geralmente antieuropeus e o fim de um bipartidarismo que durou décadas abrem uma era de incerteza", prossegue. "Quando algum desses partidos alcançar o poder, e isso é questão de tempo, o projeto europeu estará em perigo. Isso pode acontecer inclusive no núcleo da Europa: na França com Le Pen ou Mélenchon, que poderiam tornar ainda mais patente a brecha que se abre entre a UE e os cidadãos."
O calcanhar de Aquiles europeu é na realidade um coquetel variado de déficit democrático, fragmentação norte-sul e uma gestão da crise dolorosa - baseada naquela máxima thatcherista: não há alternativa - para classes médias que demonstram um desencanto crescente nas urnas, cada vez que há eleições. "Os partidos de direita não aplicam o que prometiam nos programas, como demonstra o caso espanhol. Os partidos social-democratas continuam imersos em uma crise que já dura mais de uma década, e que de novo a Espanha exemplifica perfeitamente", aponta um diplomata.
O que se joga na Europa, enfim, é evitar o naufrágio dos valores europeus - abertura para o mundo, liberdade, democracia - e dar resposta a mudanças fundamentais e a grandes desafios sem cair na xenofobia, na violência, nos velhos fantasmas. A globalização, a imigração e a mudança tecnológica estão tornando a vida política muito mais complexa: as tradicionais receitas da centro-esquerda e centro-direita não funcionam bem.
A política é uma negociação perpétua com as surpresas que a realidade apresenta: o contrato social que era o Estado do bem-estar está se rompendo com a sensacional desculpa da crise, que põe a descoberto suas costuras, seus limites, com a Europa mergulhada em uma doce - ou não tão doce - decadência. "Os eleitores começam a buscar respostas fora desse bipartidarismo, porque as que eles deram até agora não são convincentes. E os mais confusos podem encontrar atrativos nas mensagens simplistas das forças populistas", conclui Katinka Barysch, do Centro para Reforma Europeia.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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