Jorge Videla governou a Argentina no período mais sangrento da ditadura militar, de 1976 a 1983
Alejandro Rebossio
Alejandro Rebossio
Muitos argentinos reagiram na sexta-feira, diante da morte do prisioneiro Jorge Rafael Videla, aos 87 anos, qualificando-o como "filho da puta". O ditador mais cruel que a Argentina já conheceu - que se dizia católico, nunca se arrependeu de nada, sempre reivindicou tudo e só reconheceu algum "erro" - governou o país entre 1976 e 1981, e nesse tempo seu regime forçou o "desaparecimento" de até 30 mil pessoas, muitas atiradas ao mar nos voos da morte, outras fuziladas, ou torturou, saqueou bens de seus perseguidos, empobreceu a classe trabalhadora, fomentou a especulação financeira em detrimento da produção local e endividou o país.
Sua mãe se chamava María Olga Redondo e seu pai, Rafael. Jorge Videla nasceu em 2 de agosto de 1925 em Mercedes (100 quilômetros a oeste de Buenos Aires). Em 1942 iniciou sua carreira militar. Na época os conservadores governavam a Argentina com base na fraude eleitoral. Seis anos depois casou-se com Alicia Hartridge, filha de um embaixador, com quem teve sete filhos, dois que também foram militares e outro que sofria problemas mentais e foi cuidado por uma freira francesa que mais tarde seria sequestrada pelo regime.
Em 1971, o ditador militar Alejandro Lanusse o promoveu a general. Eram tempos em que o peronismo e a esquerda haviam pegado em armas para enfrentar o regime, em plena guerra fria. Em 1975, a presidente Isabel Perón, apoiada pela direita e confrontada pela guerrilha peronista Montoneros, designou Videla chefe do exército e decretou que as forças armadas aniquilassem a "subversão". Em 1976 Videla e os chefes da Marinha, Emilio Massera, e da Força Aérea, Orlando Agosti, deram um golpe para se encarregar de forma direta do terrorismo de Estado que já havia se levantado contra os opositores.
Além disso, fecharam o Congresso, os partidos políticos e os sindicatos. Chamaram-no de "processo de reorganização nacional". Videla, que encabeçou a Junta Militar, também justificou o golpe pela necessidade de mudar a desastrosa situação econômica, afetada pela inflação. Muitos empresários e a maioria da hierarquia eclesiástica o apoiaram, segundo ele mesmo reconheceu. Parte da sociedade civil também apoiou o fim do desgoverno de Isabel Perón, mas com os anos se arrependeria a ponto de que hoje os argentinos que defendem a ditadura são uma ínfima minoria.
Videla perseguiu qualquer suspeito de esquerdista ou comprometido com causas sociais, guerrilheiros e opositores de diversas ideologias, operários e sindicalistas, estudantes e professores, profissionais e empregados, artistas e jornalistas, empresários e religiosos, como o bispo Enrique Angelelli, por cujo assassinato o ex-ditador foi processado, entre outras causas pendentes.
Houve sequestros, torturas - inclusive de bebês de detidos -, subtração dos bens dos desaparecidos, assassinatos e roubos de 400 filhos de prisioneiras grávidas. Videla foi condenado à prisão perpétua em 2012 por organizar o plano sistemático de desaparecimento dessas crianças, 109 das quais recuperaram sua identidade.
A ditadura não reconhecia os sequestros nem os assassinatos, e as mães dos detidos perguntavam por seus filhos pelas ruas. Davam voltas silenciosas na Praça de Maio em sinal de protesto.
As organizações de defesa dos direitos humanos denunciaram 30 mil desaparecimentos. "Nem mortos nem vivos, estão desaparecidos", explicou em 1979 Videla, que décadas depois reconheceu 7 mil ou 8 mil homicídios, embora os justificasse pela "guerra contra a subversão". "Para não provocar protestos dentro e fora do país, se chegou à decisão de que essa gente desaparecera", relatou aquele que, para muitos argentinos, representa o símbolo do horror.
Familiares de desaparecidos na ditadura uruguaia durante protesto. Entre 2000 e 2003, a Comissão para a Paz do país concluiu que 38 pessoas desapareceram durante a ditadura, além de outros 182 uruguaios que sumiram na Argentina, oito no Chile, dois no Paraguai e uma no Brasil. No entanto, com a antiga Lei da Anistia, a Justiça era impedida de condenar os militares responsáveis pelos crimes. A revogação da lei marca o recomeço da busca por justiça no país
Fiel assistente à missa, Videla dizia em 1978 que "um terrorista não é só alguém com um revólver ou uma bomba, mas também aquele que propaga ideias contrárias à civilização ocidental e cristã".
Foi assim que seu regime queimou livros, proibiu canções, controlou a imprensa e forçou ao exílio artistas, intelectuais, cientistas, jornalistas e outros argentinos de diversas condições sociais.
O ditador nomeou como ministro da Economia um empresário e pecuarista, José Alfredo Martínez de Hoz, que também morreu este ano. Congelaram os salários, fomentaram a especulação financeira, liberalizaram de forma unilateral o comércio em detrimento da indústria local e multiplicaram a dívida pública a níveis nunca vistos na Argentina. Por um lado, financiaram a Copa do Mundo de futebol de 1978, durante a qual o regime tentou lavar sua imagem diante dos demais países. O 6 a 0 da Argentina campeã contra o Peru estará sempre sob suspeita, pois essa goleada a classificou para a final.
Por outro lado, reforçaram o gasto militar para a repressão interna e para preparar-se diante de uma eventual guerra nesse ano com o Chile de Augusto Pinochet, por disputas de fronteiras. Seus planos contra a inflação não a conseguiram baixar nunca de 100% anuais, e o mal-estar socioeconômico acabou forçando o final do governo Videla em 1981. Confrontado com Massera, os militares substituíram o ditador por outro general, Roberto Viola.
A pressão internacional também se tornava cada vez mais forte contra o regime, sobretudo a partir de 1979, quando uma visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos obteve informação sobre os crimes que eram cometidos. Em 1980, um dos denunciantes e ex-detido, Adolfo Pérez Esquivel, recebeu o Prêmio Nobel da Paz.
Em 1983 o democracia voltou à Argentina e o presidente Raúl Alfonsín, da União Cívica Radical (UCR), promoveu o julgamento das juntas militares. Dois anos depois, Videla e o resto de seus esbirros foram condenados à prisão perpétua por 504 sequestros, torturas, roubos, usurpações, escravização de detidos e roubo de bebês. Mas em 1990, diante da pressão militar e da rejeição da sociedade civil, o então presidente Carlos Menem, um peronista que esteve preso alguns anos durante o regime, indultou os chefes militares e guerrilheiros presos pelos delitos dos anos 1970. Videla manteve então um perfil discreto.
Diante da impunidade na Argentina e sob o critério de justiça universal contra crimes de terrorismo de Estado, que não prescrevem, o então juiz Baltasar Garzón começou a investigar Videla e outros repressores, mas a Argentina se negava a extraditá-los. Em 1998, um juiz argentino deteve o ex-ditador por roubos de crianças que não haviam sido julgados na época. Videla passou um mês na prisão, mas depois conseguiu a prisão domiciliar por ter mais de 70 anos.
Em 2003, o peronista Néstor Kirchner chegou ao poder e promoveu a declaração de inconstitucionalidade dos indultos. Em 2007 a Suprema Corte lhes deu baixa e no ano seguinte outro juiz ordenou que Videla voltasse à prisão pela condenação de 1985. Em 2010 recebeu outra pena de prisão perpétua por crimes cometidos na província de Córdoba. Em 2012 foi condenado a 50 anos de prisão pelo roubo de bebês e ainda tinha vários outros processos pendentes. Um deles, pelo Plano Condor, em coordenação com as ditaduras do Peru, Bolívia, Chile, Paraguai, Brasil e Uruguai para perseguir opositores.
Três dias antes de morrer, declarou nesta causa que se sentia um "preso político". Morreu em uma prisão comum, a de Marcos Paz (50 km a sudoeste de Buenos Aires), sem privilégios militares, com o repúdio quase generalizado de seus compatriotas. Durante cinco anos semeou o terror, durante dez esteve sob prisão domiciliar e em outros dez atrás das grades. Agora, embaixo da terra.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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