quinta-feira, 23 de maio de 2013

Venezuela, Paraguai e o futuro da América Latina e Caribe



 
Jesús Arboleya Cervera
Pesquisador e diplomata
Adital
Tradução: ADITAL

O resultado de duas polêmicas eleições voltou a incentivar o debate sobre o futuro da América Latina. Na Venezuela, triunfou a esquerda; porém, a escassa margem obtida motivou que alguns o interpretem como o princípio do fim da revolução bolivariana e, com isso, o fracasso do processo integracionista latino-americano e caribenho. No Paraguai, no entanto, triunfou a direita, legitimando um golpe de Estado que foi repudiado por todos os países da região e, paradoxalmente, o resultado foi a eventual reincorporação desse país aos organismos de integração dos quais havia sido excluído. Ambos casos ilustram a complexidade desse processo integracionista e obrigam a analisar seus componentes.
Na Venezuela, a integração latino-americana está relacionada com as profundas transformações que aconteceram a partir da vitória de Hugo Chávez, em 1999. Como acontece usualmente, seu radicalismo esteve mais condicionado pelas forças que teve que enfrentar, do que pelo desenho original de seus dirigentes. O que foi um movimento nacionalista com preocupações sociais, que pretendia transformar uma realidade caracterizada por 28% de miséria extrema em um país rico em petróleo e outros recursos naturais, adveio revolução socialista porque o imperialismo norte-americano e a oligarquia venezuelana não lhe deixaram outra alternativa. Quando hoje se fala em violência; delinquência; corrupção administrativa e ignorância política na Venezuela podemos estar falando de problemas que a revolução bolivariana não pode resolver plenamente; porém, de maneira nenhuma isso foi produto do processo revolucionário. Ao contrário, a Venezuela se qualifica como um dos países latino-americanos onde o neocolonialismo mostrou suas piores consequências e somente partindo desse ponto podemos compreender essa realidade.
A oligarquia venezuelana é fruto do saqueio da riqueza petroleira, nunca teve afãs desenvolvimentistas e a nacionalização do petróleo só serviu para aumentar sua quota de lucros, em um esquema de exploração onde os grandes beneficiários continuaram sendo as grandes empresas norte-americanas. Foi o preço que os Estados Unidos tiveram que pagar para garantir o controle do país; porém, nem isso foram capazes de fazer. O jorro de tanto dinheiro chegou a certos setores da classe média, cujo objetivo existencial foi imitar o American Way of Life. Quando a evidência dos cerros resultava muito vexatória e incomodava o bom gosto, a opção desses setores era olhar para Miami, onde depositavam suas economias; tinham casas ou gastavam seu dinheiro em um ambiente mais "civilizado”.
Uma característica da revolução bolivariana é que apenas nacionalizou as propriedades da oligarquia. Na realidade, salvo as propriedades suntuosas, pouco tinha que nacionalizar. A verdade é que tanto a oligarquia quanto a classe média venezuelana beneficiaram-se economicamente da revolução bolivariana; porém, com o fim de evitar a descapitalização do país, o governo regulou a emigração desse capital e isso contradiz os sonhos de vida dessas pessoas. A oligarquia venezuelana não está disposta a investir na Venezuela, mesmo que sobrem oportunidades para isso, simplesmente porque isso não faz parte de sua natureza.
Está claro que cerca de sete milhões de venezuelanos não são burgueses; nem sequer são classe média, apesar de que o incremento dessa classe beneficiou-se com a diminuição da pobreza, que hoje apenas chega aos 7%. Evidentemente, muitos pobres também votaram na direita e a razão disso está nas limitações e erros do governo revolucionário, como nas sequelas ideológicas e culturais que ainda estão presentes no âmbito político interno. Outra característica da revolução bolivariana é que, apesar de todas as suas tentativas subversivas, as forças políticas da direita se mantêm quase intactas e atuam de muitas maneiras no cotidiano dos venezuelanos, especialmente através dos meios de comunicação massivos, que, em sua maioria, continuam controlando.
No entanto, quando se fala de "quase” a metade dos venezuelanos votou pela direita, esquece-se de que mais de 50% votaram pela revolução socialista, um balanço impensável há 14 anos, quando essas pessoas apenas votavam e, surpreendente, nas condições em que esse processo teve que ser desenvolvido e, ainda mais após o desaparecimento físico de Hugo Chávez, introduzindo outro fator político adverso para as forças revolucionárias.
Antes, dizia-se que sem Chávez a revolução bolivariana não sobreviveria. Bom, sobreviveu! Nisso radica o grande triunfo das eleições passadas. Agora, cabe aos revolucionários venezuelanos superar-se e continuar avançando no progresso social e na participação popular, para consolidar um poder que alcançaram jogando segundo as regras de seus inimigos. Também os Estados Unidos deveriam calcular o que seria esse país se algum dia a direita triunfasse, pretendendo reverter as conquistas do povo.
Sem dúvida, a Venezuela incorpora uma qualidade distintiva ao processo integracionista da América Latina e do Caribe. A Alba supõe uma visão solidária e um projeto político mais abarcador do que outros mecanismos de integração regionais; porém, tal projeto não se contradiz ao restante; nem estes estão absolutamente divorciados dessa vontade, como se comprova na atitude assumida frente a outras tentativas golpistas da direita e no próprio caso do Paraguai.
Em seu momento, a direita paraguaia impediu a incorporação da Venezuela ao Mercosul; porém, agora, exigem que ela aceite caso eles queiram reingressar; o que, inevitavelmente, farão. Isso demonstra que os países latino-americanos não estão na disjuntiva de escolher entre os Estados Unidos e outras alternativas; mas que a opção norte-americana tem limitações insuperáveis, como resultado dos próprios problemas que enfrentam e o deterioro relativo da hegemonia estadunidense na área. A integração, portanto, não só corresponde aos interesses populares, como com os das burguesias nacionais latino-americanas, a não ser que sejam tão obtusas como tem demonstrado ser a venezuelana.
A América Latina e o Caribe sabem que na Venezuela se debate sua própria causa e isso explica o apoio unânime recebido por Nicolás Maduro, deixando uma vez mais os Estados Unidos totalmente isolados na região. Tal apoio incorpora um fator de legitimidade e colaboração que fortalece o processo revolucionário venezuelano e, uma vez mais, coloca o governo norte-americano ante a evidência de que transformar sua política para a América Latina e distanciar-se da anacrônica oligarquia latino-americana fortalece seus próprios interesses, tal e como predisse John F. Kennedy há mais de meio século. Do contrário, até ganhando, perdem.
[Original em espanhol em La pupila insomne - http://lapupilainsomne.wordpress.com].

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