O futuro da República está nas mãos da mídia, a partir das conclusões de Gilmar Mendes (Imagem: Pragmatismo Político)
J. Carlos de Assis, GGN
O espectro de um golpe contra as instituições ronda o país, como assinalou Luís Nassif
em coluna desta semana. O que se prepara, contudo, não é um golpe militar clássico. É
um golpe jurídico-midiático pelo qual se tentará responsabilizar a Presidenta por alguma irregularidade inventada em suas contas de campanha e que a mídia golpista se encarregará
de expandir até a dimensão de mais um escândalo a ser coroado por um impeachment. Os
militares não se meterão. Ainda traumatizados com as sequelas de 64, se comportarão como
guardiães da Constituição. Já os guardiães civis, o Supremo, estabelecerão a agenda
conforme os ditames de sua consciência e de sua audácia.
O futuro da República não está nas mãos da Presidenta reeleita, mas nas mãos da Veja e do
Dilma. Nunca tão poucos tiveram tanto poder em relações às instituições brasileiras sem o
suporte de um único voto. É o domínio absoluto do poder privado sobre o público, apoiado
por uma instância burocrática do Estado que se comporta como acima do bem e do mal. O
cenário favorece a aventura golpista. A escalada de corrupção na Petrobras e o espetáculo
das prisões de seus diretores e empreiteiros criaram o ambiente no qual, para o povo, todos
são culpados até prova em contrário, ou até mesmo com prova em contrário.
Entretanto, essa crise tem uma dimensão internacional que está passando ao largo dos
debates. O tema do alinhamento internacional do Brasil surgiu na campanha com alguma
clareza a partir de pronunciamentos de Armínio Fraga, o então futuro ministro da Fazenda
indicado por Aécio, e de figuras como o embaixador Rubem Barbosa, assessor da Fiesp.
Ambos, assim como o ex-chanceler Luís Filipe Lampreia e Paulo Sotero, criticaram e criticam
abertamente a estratégia brasileira de aproximação e fortalecimento dos BRICS e da Unasul.
Todos esses quatro defendem o alinhamento total do Brasil com os Estados Unidos e a Europa
Ocidental, descartando os BRICS e a Unasul como diversionismo ideológico dos governos do
PT.
É estranho, pois na medida em que esses ideólogos supostamente defendem, na retórica,
posições favoráveis ao empresariado, na realidade estão bloqueando o único caminho que
teremos, a partir de agora, para escapar do aprofundamento da recessão. Estamos no vale
de um ciclo de demanda e não temos perspectiva de aumento do consumo e da produção
para puxar um novo ciclo. Uma aproximação maior do que já temos com os EUA, como um
tratado de livre comércio do tipo proposto por esses ideólogos, não nos traria absolutamente
nada de positivo no campo das relações econômicas externas. O objetivo deles é aumentar
suas vendas para nós, enquanto nós não temos qualquer perspectiva de aumentar nossas
vendas para eles, seja de commodities, seja de alguns parcos manufaturados. Aliás, mesmo
sem TLC já temos um gigantesco déficit comercial com os EUA, imaginem com ele.
Um TLC com a União Europeia seria ainda pior. A Europa está numa longa recessão, e nada
indica que, por razões econômicas e políticas, venha a sair dela a curto ou médio prazo. O
objetivo singular da política externa europeia, assim como a norte-americana, é ampliar suas
vendas e gerar superávits comerciais. Não podendo, por imposição da Alemanha, fazer uma
política fiscal expansiva, e à vista da armadilha de liquidez na política monetária a única
esperança dos países da euroárea de aumentar a demanda para seu setor produtivo é pelas
exportações. É por isso que estão desesperados por fazer um TLC com o Brasil e o Mercosul.
Do lado de cá, contam com a cumplicidade de ex-diplomatas e economistas que racionalizam
o interesse deles, não os nossos.
Já o Brasil tem amplas perspectivas de integração econômica e financeira com os BRICS,
puxando no mesmo movimento a Unasul. Eles já são nossos maiores importadores e
continuarão a sê-lo. É essa perspectiva que incomoda Washington. O objetivo central da
estratégia norte-americana nessa altura do século é cercar e confinar Rússia e China no seu
círculo asiático. A participação brasileira nos BRICS, sobretudo com a criação do Banco de
Desenvolvimento dos BRICS, confronta diretamente essa política. Nossos primeiros
movimentos de autonomia externa desafiam os EUA. Basta ver como foi nos últimos anos o
progresso da OTAN sobre o Leste europeu para concluir que eles não medem consequências
para perseguir seus objetivos estratégicos. Na verdade eles não tem qualquer escrúpulo com
relação a consequências de suas políticas expansivas, como atesta a desestabilização da
Ucrânia, da Líbia, do Egito, do Iraque, do Afeganistão.
Washington não precisa de intervir diretamente no Brasil para tentar desarticular os BRICS.
Mas ele pode se aproveitar da crise política em curso para estimular seus aliados internos a
perseguir a via do golpe já que a via da eleição se mostrou inviável. Pode dar-lhes suporte
financeiro e de informação (afinal, a Petrobras foi grampeada pelo Governo americano). E pode
dar a cobertura internacional que seria necessária para um golpe jurídico-midiático,
formalmente legal.
Entretanto, temos que pensar nos possíveis desdobramentos. Um golpe que resultasse no afastamento de Dilma implicaria também o afastamento de dezenas de parlamentares da
situação, por suposto envolvimento nas mesmas irregularidades. Seguir-se ia, pela
Constituição, uma nova eleição em 90 dias. Teria de ser impedida por algum meio “jurídico”
a candidatura de Lula. E teria que ser armada uma eleição com a vitória garantida de um
preferido. Bom, suponhamos que no bojo de uma crise gigantesca as coisas tivessem esse
. Como seria o novo Governo? E como se comportaria a economia? Algum idiota pode pensar
que voltaríamos ao business as usual. Eu não apostaria nisso. Prefiro pensar que estou
enganado ou, em último caso, que forças políticas sábias ajudem a controlar a situação,
pois creio que isso ainda é possível.
*J. Carlos de Assis é economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia
Internacional da UEPB.
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