sábado, 15 de novembro de 2014

Os desafios do novo ciclo migratório no Brasil



Paulo Emanuel Lopes
Adital

Paolo Parise é diretor do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM), uma das quatro instituições que compõem a Missão Paz, uma das principais organizações de ajuda ao migrante no país. Já são 15 anos os quais Parise dedica ao trabalho social no Brasil. "Vim como estudante de Teologia, voltei para Roma, fiz meu Mestrado. Voltei para o Brasil, fui para o Grajaú [extremo sul da cidade de São Paulo]. Voltei a Roma para fazer meu doutorado, em "Cristologias da América Latina”. Voltei em 2010, quando, desde então, estou aqui, na Missão Paz”.

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Padre Paolo Parise, da Missão Paz. Crédito: camara.gov.br


Além de receber as pessoas que chegam sem um teto para passar a noite, a Missão Paz oferece cursos de português para os internos, atendimento em saúde, além de orientação quanto à emissão da documentação e intermediação com empresas. Uma brinquedoteca busca dar um ar mais lúdico aos frios corredores da Casa que os abriga.
Apesar da atual desatenção dos grandes veículos de comunicação do país, a questão migratória continua desafiando os scalabrinianos da Missão Paz. Além das 110 vagas oferecidas, a Casa do Migrante continua tendo que se valer de alojamentos improvisados. "E isso constantemente, todos os dias”, frisa Parisi.
Migrar é um direito universal do homem, entretanto ainda está longe de ser colocado completamente em prática. "A gente assiste a essas contradições, o capital, o mundo das finanças tem uma imensa facilidade em migrar, mas o ser humano encontra muito mais dificuldade”, reflete o sacerdote.
Confira a entrevista exclusiva de Padre Paolo Parisi à Adital.
Adital: Quais as principais nacionalidades que estão chegando hoje à cidade de São Paulo?
Pe. Paolo Parisi: Hoje, ainda são os bolivianos, só que ‘não fazem mais notícia’, por assim dizer. Quem está chamando a atenção [da mídia] são os haitianos e os sírios [por causa do conflito]. Dos países africanos temos o Congo, e em um número um pouco menor os angolanos. Da América Latina, além da Bolívia, vem chegando um grande grupo do Paraguai, todos jovens, e do Peru. O Equador é um grupo novo que vem chegando. Bangladesh é um grande grupo que está solicitando refúgio no Brasil, mas aqui [na Casa do Migrante] não passa muito.
Adital: Como se dá a recepção aos estudantes que vêm para o Centro de Estudos (CSEM)?
PP: Aqui, nós temos uma biblioteca especializada em migração, com bibliografia em vários idiomas. Revistas atualizadas do mundo inteiro só sobre migração – Nova York, Paris, Roma, Buenos Aires, vários lugares. Temos a Revista Travessia [1], que nós publicamos, uma das primeiras ou se não a primeira no Brasil sobre migração. Fazemos ainda pesquisas, oferecemos um curso à distância, sobre "Teologia das Migrações”. Recebemos estudantes de várias universidades do Brasil, em especial São Paulo, mas também de vários outros lugares.
Adital: Como aquela jovem? Ela é pesquisadora, estudante? [Antes de começarmos nossa conversa uma mulher interceptou Pe. Paolo em inglês]
PP: Sim, é uma doutoranda, cujo objeto de pesquisa são os bolivianos. Já está aqui há um mês e meio acompanhando os eventos da comunidade boliviana.

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Igreja Nossa Senhora da Paz, na rua do Glicério, zona central da cidade de São Paulo. Crédito: saopaulo.sp.gov.br


Adital: Como se acontece a comunicação institucional com esses imigrantes em São Paulo?
PP: Temos uma web-rádio com programação em espanhol. Temos ainda um programa ao vivo, seis e meia da tarde [18h30] na rádio 9 de julho, aos domingos, onde falamos sobre questões migratórias, como documentação, tráfico de pessoas, serviços. A [rádio] 9 de julho abriu esse espaço há vários anos, já se tornou um veículo para passar informações à comunidade de língua espanhola.
Adital: Vocês oferecem uma série de serviços, como ajuda com a documentação...
PP: O CPMM [Centro Pastoral e de Mediação dos Migrantes] possui cinco grandes eixos. O jurídico-documentação, no qual ajudamos com a Carteira de Trabalho, com o agendamento na Polícia Federal, a preparar toda a documentação... O segundo, [o eixo] Trabalho, que começou há quase três anos, é o carro-chefe ao lado da documentação. O terceiro eixo [do CPMM] são as centenas de cursos parceiros que temos na cidade de São Paulo, como o Sesc (Serviço Social do Comércio), em que a pessoa pode fazer curso de eletricista, disso, daquilo, a gente encaminha. Já temos essa rede montada, oferecemos uma carta de apresentação, conseguimos bolsas... Outro eixo é saúde. E, por fim, o eixo Educação, com toda a questão das crianças, escolas, creches, e o eixo Família-Comunidade. Por dia, ultrapassamos os 70, 80 atendimentos.

Cartaz com informação de cursos gratuitos. Crédito: Paulo Emanuel Lopes

Adital: Neste ano, a Casa do Migrante sofreu uma grande pressão por conta da demanda de haitianos chegados a São Paulo vindos do Estado do Acre. Essa situação se normalizou?
PP: Infelizmente, não. Além das 110 vagas de que dispomos, precisamos abrigar de 30 a 60 pessoas nos salões da igreja. E isso constantemente, todos os dias. Já chegamos a albergar [além da capacidade] 83 pessoas, depois diminuiu para 40, 15... e, então, voltou a subir. Nós recebemos essas pessoas, mas é necessário que haja uma ação efetiva do Estado receptor no oferecimento de abrigos adequados [2] e também na Barra Funda! [Muitos desses haitianos chegam a São Paulo pela rodoviária do bairro Barra Funda, sem nenhum apoio e sem ter lugar para onde ir. Acabam chegando à Missão Paz, no bairro da Liberdade, com ajuda de funcionários do Metrô ou de cidadãos que conhecem a situação e se dispõem a ajudar.]
Adital: Quais são os principais problemas encontrados?
PP: A aprendizagem do idioma e encontrar uma casa, eu arriscaria. Eles vão procurar na região periférica da cidade por ser mais barato, mas é uma via sacra encontrar, porque, se para brasileiro é difícil, pede isso, pede aquilo, pra eles, é ainda mais complicado. Outro problema, eu diria, é o trabalho. Infelizmente, há alguns casos que nos chocam envolvendo racismo. Por exemplo, serviços que eles têm direito, como saúde, muitas vezes, encontram funcionários que não têm sensibilidade. ‘Vocês estão vindo aqui atrapalhar o serviço que já é precário para os brasileiros...’, a gente vê coisas desse tipo acontecerem.

Bairro da Liberdade, em São Paulo, abriga a maior colônia japonesa no Brasil. Crédito:obairrodaliberdadesp.blogspot.com


Adital: Como o Brasil, um país tradicionalmente receptor de imigrantes, japoneses, italianos, entre outros, está se comportando diante dessa nova onda migratória?
PP: O Brasil foi formado pelas migrações. Desde aquela terrível, que foi a escravidão, e, depois da abolição da escravidão, toda a imigração europeia, além de outras migrações, como a chinesa, a japonesa. Eu diria que o que é urgente, hoje, é termos sensibilidade. O Brasil, nesse momento, não tem um grande número de imigrantes. A mídia, às vezes, apresenta como invasão, que é um termo errado. Se a gente ver o caso dos haitianos, 35 mil pessoas não é nada em relação à população do Brasil. Os números [de imigrantes] não chegam a um por cento da população [brasileira]. Temos a Suíça, cujos imigrantes são mais de vinte por cento da população local, por exemplo. Na Itália, são oito, nove por cento. O Brasil está com uma pequena percentagem, é fácil administrar. O Brasil é ainda chamado a mudar a Lei Migratória, que é da época da ditadura militar, 1980, que olha para o imigrante como uma ameaça. Mas não é só isso, tem que ser criadas estruturas de acolhida, não é simplesmente dizer ‘bem-vindo’. Quem está fazendo isso, hoje, no Brasil, é a Igreja Católica. Olhando por São Paulo, [tem] a Missão Paz, Arsenal da Esperança, Casa da Mulher, Cáritas, quatro estruturas da Igreja Católica. O Estado ainda está deixando a desejar, mas está começando a se movimentar.
Adital: Estamos vivenciando a crise das crianças migrantes, a questão dos refugiados da guerra civil Síria... Como você entende esses novos movimentos migratórios no mundo?
PP: Infelizmente, estamos em uma época em que não só as questões econômicas estão motivando a migração, mas ainda continua a questão das guerras, dos conflitos. Só da Síria saíram mais de 2 milhões de pessoas. Infelizmente, nisso, o mundo não mudou. Agora o fato é que, na época atual, existe uma grande facilidade por conta dos meios de transporte, o que faz com que a migração seja muito mais rápida. Ao mesmo tempo, temos as barreiras, blocos ou países que tentam se proteger das migrações. A gente assiste a essas contradições, o capital, o mundo das finanças tem uma imensa facilidade em migrar, mas o ser humano encontra muito mais dificuldade. Uma outra questão que percebo é que, no mundo inteiro, o migrante tem uma situação semelhante. Se a gente olha, 10 anos atrás, os brasileiros saíam. Lembro os amigos [brasileiros] que conheci na Itália, eles eram babás, cuidadores de idosos, trabalhos que os italianos não queriam fazer. Agora, estão procurando babás aqui [na Casa], porque o brasileiro não quer mais. Os empresários de frigoríficos dizem ‘não encontramos mais brasileiros’. Não digo que dá para generalizar, mas uma boa parte [dos imigrantes no mundo] vai fazer o trabalho que o nativo não quer mais fazer, e isso está acontecendo nesse momento no Brasil.
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#MigrantesAdital: Brasil X África: das commodites à exportação de conhecimento
#migrantesAdital: La inmigración haitiana en Brasil: del sueño brasilero a la Anpil mizè

[1] http://missaopaz.wix.com/cem
travessia@missaonspaz.org
cem@missaonspaz.org
[2] http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=83223

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