quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Adeus às bandeiras?


  22/08/2012

BWA quer tirar as faixas, para tornar bem visível… a publicidade
Em novo capítulo da mercantilização do esporte, concessionária que administrará estádios da Copa quer proibir torcedores de exibir seus símbolos
Por Irlan Simões*
O futebol brasileiro foi fortemente pressionado, nos últimos anos, para “reorganizar-se”. Partia-se de um argumento razoável: a “farra dos cartolas”, à fragilíssima estrutura, os negócios suspeitos e a obscuridade do mundo do futebol. Mas este discurso foi apropriado por setores cujos objetivos não eram nem democracia, nem transparência, nem organização.
A campanha consistiu em dar ao futebol Brasileiro um toque mais europeizado, chamado por muitos como “moderno”: clubes-empresas que seriam os vetores de um grande negócio, atletas popstars, venda de naming rights: a identificação de campeonatos e principalmente das novas arenas – já reformadas e organizadas como shopping-centers – com as marcas dos patrocinadores.
Esses “ideais” cruzavam-se com interesses privados. O ímpeto de organizar o futebol brasileiro e torná-lo mais “ético” não passaria por sua transformação em um negócio. Pelo contrário, o que se vê hoje no Brasil é que a medida em que se privatizam todas as peças das imensas engrenagens do futebol, mais suspeito e comprometido esse esporte vem se tornando. Com graves efeitos negativos, principalmente para os torcedores.
Estádio público, propriedade privada.
O caso BWA ilustra muito bem essa realidade. A empresa de propriedade de Bruno Balsimelli é hoje a maior “concessionária” do futebol brasileiro. O grupo já tem investimentos nas mais diversas áreas do futebol e vem inovando, a cada ano, em seu cardápio, sempre apresentando suas “propostas” como único caminho viável para uma modernização saudável.
A BWA começou sua aventura oferecendo serviços de confecção e comercialização de ingressos para jogos, aplicando um modelo próximo aos de grandes espetáculos musicais. Hoje, já tem contratos para assumir o controle da entrada de torcedores nos estádios, do planejamento de vendas de ingressos (melhor dizendo, especulação sobre ao valor dos “espetáculos”) e porcentagem em passe de jogadores. Aproveitando a Copa do Mundo de 2014, investiu pesado e já obteve concessão para gerir a maior parte dos estádios públicos brasileiros.
Por um lado, a BWA aproveitou-se da chamada “falta de profissionalismo” de determinados clubes, ganhando o direito de arrancar uma fatia da renda dos jogos e da venda de espaços publicitários. Para obter a gestão dos estádios públicos (que assumirá apenas após a conclusão das obras das novas arenas para a Copa), a empresa recebe aval das antigas “superintendências”, que administravam os imensos estádios do país.
Foi dessa forma que a BWA tornou-se uma das grandes donas do futebol nacional. Ainda que seu nome estivesse envolvido em casos bem obscuros.
Profissionalismo sem lei
Em 2009, foi desbarato, em estádios cujas catracas eram administradas pela BWA, um esquema de ingressos falsos. A empresa não tinha conhecimento da irregularidade. Segundo noticiaram (poucos…) meios da imprensa esportiva nacional, no entanto, ela estaria acobertando e se beneficiando em acordos com cambistas, além de cobrar altas taxas de serviço aos clubes. Tudo isso, sem qualquer melhora na agilidade e comodidade da venda de ingressos – as grande justificativas dos seus contratantes e dos defensores dessa modalidade de negócio.
Como toda grande empresa no Brasil, a BWA passou por cima desse problema com muita bajulação. Emplacou, no meio de todo o alvoroço, uma matéria na revista Istoé Dinheiro, que exaltava sua “criatividade empreendedora”. Era outro caso de jornalismo publicitário, no mercado editorial “de negócios” brasileiro.
Mas a BWA não mostrou seu poder de influência apenas na formação de opinião e na capacidade de sair ilesa de grandes escândalos. Com o controle total de tudo que se passa dentro dos estádios, a empresa tem mobilizado as forças de segurança para controlar ao máximo os movimentos dos torcedores.
Com o controle da Arena Independência, estádio do tradicional América-MG, a BWA tem usado e abusado das mais diversas formas de restrição e controle, para potencializar seus lucros no estádio. Recentemente, proibiu a entrada e exposição das clássicas faixas e bandeirões nos estádios. A justificativa, nas palavras do presidente do consórcio que gere o estádio: Já vendemos espaço para propaganda e precisamos explorar isso. Se o torcedor usar faixas, tampa a publicidade. Por isso, proibimos o uso de bandeiras e faixas no anel intermediário e no superior”.
A medida é parte das grandes polêmicas que envolvem o estádio. Torcedores reclamam de “pontos cegos”. São locais de onde não é possível sequer visualizar todo o campo de jogo – e onde são instaladas, ainda assim, cadeiras, numa agressiva afronta aos direitos do público.
Curiosamente, esse problema tem se repetido nas mais diversas “arenas modernas”. Há uma explicação clara: com a individualização dos assentos e a obrigação de oferecimento de cadeiras, os administradores dos estádios buscam aproveitar ao máximo o espaço físico, com o menor custo.
O fim do “torcedor”
Os torcedores mineiros sofrem hoje um processo denunciado há muito, quando os torcedores europeus em condições de frenquentar os estádios queixavam-se de como um novo modelo pasteurizado e higienizado de arena estava tirando “toda a diversão”.
Não bastasse a celeuma inicial com os bandeirões, tempos depois a BWA queixou-se de que alguns torcedores tinham “incomoda postura de assistir aos jogos em pé”, e a mania de chegar “em cima da hora” dos jogos. Com isso, a empresa buscou justificar o problema das filas e dos pontos cegos no estádio.
O mais curioso, no entanto, é perceber como esse ideal de “modernização” tem força mesmo num país acostumado com imensos estádios abarrotados de integrantes das classes populares. Diante da polêmica da Arena Independência, o Ministério Público pronunciou-se,afirmando que caberia à concessionária fazer… uma “campanha de conscientização” para mudar essa tal “postura do torcedor”.
Não bastasse a BWA ter a carta-branca e se reivindicar “dona” do estádio, agora cumpriria o papel de ser dona do próprio “torcedor”? Na lógica do futebol-negócio, sim. Foi por isso que a empresa desenvolveu – mais uma das suas grandes sacadas – a catraca com câmera para identificação visual.
Perspectivas futuras para o futebol brasileiro
O exemplo da BWA pode se repetir, nos próximos anos. Na medida em que as arenas criadas, reformadas ou remodeladas para Copa do Mundo estiverem prontas, a BWA, que obteve a concessão da maioria, tentará submeter centenas de milhares de torcedores a processos parecidos de controle e restrição. Pela lógica de “modernização” que está sendo imposta, a proposta é bem simples: entra quem pode “consumir”.
É um dos resultados de algo paradoxal: as arenas terão seu planejamento de lucratividade e gestão executados por uma empresa privada, ainda que tenham sido construídas com verba pública. E para que se mantenham lucrativas (“viáveis”… ) o Estado será acionado novamente outras vezes, entrando com os recursos, enquanto as empresas concessionárias se limitarão a buscar novos espetáculos. É provável que esta lógica leve os clubes que já possuem seus próprio estádios a utilizar essa nova, cara e antidemocrática estrutura.

* Irlan Simões é estudante Comunicação Social e escreve para a coluna Futebol Além da Mercadoria.

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