sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Olimpíadas: onde se ganham as medalhas


DEBATE ABERTO

Olimpíadas: onde se ganham as medalhas

No mapa das Olimpíadas o Brasil não saiu tão mal assim. Ninguém produz uma potência olímpica da noite para o dia. E nós nunca fomos uma. Tivemos o nosso melhor resultado na soma de medalhas: 17. Os esportes em que fomos melhor foram aqueles de menor visibilidade na mídia, como já aconteceu outras vezes em Olimpíadas.

Além de acompanhar as Olimpíadas, acompanhei a sua repercussão, no Brasil (sobretudo) e fora dele.

Fico sempre espantado sobre como se pensa, no senso comum, sobre onde, de fato, se perdem e se ganham as medalhas olímpicas. E o que elas valem.

Em primeiro lugar, pode-se não gostar, dizer que tudo é show, multimídia, capitalismo, etc. O fato é que os Jogos Olímpicos – e a Copa do Mundo – são as grandes vitrines do esporte mundial.

Durante muito tempo, os Jogos (mais do que a Copa, que foi e continua sendo uma medição entre terceiro mundo e Europa) foram uma vitrine da Guerra Fria. Hoje tornaram-se uma vitirne da disputa entre Estados Unidos e China, palmo a palmo, medalha a medalha.

No Brasil, prossegue a disputa entre os coveiros do nosso país – sobretudo o dos governos populares – e a euforia da corrida pelo ouro. Para aqueles, nada vale nada: somos o país das medalhas de pau, do já fadado fracasso de 2014 e 2016. Para os eufóricos do ouro, sobretudo nos comentários midiáticos, só a medalha do primeiro lugar conta. Uma prata é uma derrota contundente, um bronze, uma catástrofe imperdoável.

Mas é possível buscar pontos de vista mais equilibrados.

Em primeiro lugar, descartando-se as expectativas e os balanços estatísticos. Naquelas, li que o COB esperava colocar o Brasil entre os dez primeiros colocados nas medalhas (coisa muito difícil no critério oficial, pois primeiro contam os ouros, depois as pratas e depois os bronzes). Essa expectativa ficou agora para 2016. Com o quê? O apoio da torcida? A ver. 

Li também sobre quantos milhões cada medalha ganha em Londres valia em reais. Então, concluía o artigo, para ganharmos tal galardão em 16 precisaríamos investir 3,7 bilhões de reais. Acho que o número era esse, não importa: a reflexão é irrelevante. A mais relevante é a de que precisamos investir trilhões em escola, esporte (é claro), tirar pessoas da miséria e da pobreza, essas coisas que “custam caro”. Mas, entre outras coisas, rendem esporte de boa qualidade, como parte da boa qualidade de vida. Individual e coletiva. Isso conta.

Houve outras expectativas frustradas também: o Comitê Olímpico Alemão esperava ganhar 80 medalhas. Tiveram de se contentar com 44. Aqui também houve quem falasse em “fracasso”. Sobretudo nos primeiros dias, quando “até o Brasil” já tinha ganho medalhas, enquanto a Alemanha ainda penava em jejum.

É necessário reconhecer que existe um “leve” clima de animosidade contra o Brasil. Afinal, levamos tudo: Olimpíadas e Copa do Mundo. E estamos levando a medalha de ouro em políticas sociais. A revista Der Spiegel está publicando uma série sobre a “nova governança” de sucesso no mundo. Qual o primeiro país escolhido? O Brasil... É demais. Não há “eurocentrismo” que agüente.

No mapa das Olimpíadas o Brasil não saiu tão mal assim. Ninguém produz uma potência olímpica da noite para o dia. E nós nunca fomos uma. Tivemos o nosso melhor resultado na soma de medalhas: 17. Se ficamos em 22º lugar no critério oficial, no mesmo critério ficamos em terceiro na América Latina e Caribe, depois de Cuba (15º) e Jamaica (18º) – sendo que no caso deste último país as medalhas foram monocórdicas: corrida, corrida e corrida. Bolt, Bolt, Bolt, e Companhia. 

Mas para ter uma visão mais geral, adotei um critério inteiramente particular, que não quero que seja aceito necessariamente, mas que mostra também dados interessantes. Se contarmos 3 pontos para uma medalha de ouro, 2 para prata e 1 para bronze, o Brasil fica em primeiro na América Latina e Caribe, com 28 pontos. Cuba fica com 27, Jamaica com 24. O Canadá, que tirou o 35º lugar na contagem oficial, ficaria com 25 pontos na minha contagem extra-oficial. É só conferir no quadro de medalhas e fazer a conta.

Bairrismo? Não. Visão holística. A ‘verdade absoluta’ não está com nenhum critério, mas numa visão de todos.

Uma coisa é fundamental reconhecer sobre aquelas expectativas e suas frustrações. Exceto em casos de marmeladas (e houve algumas...) não é possível combinar as nossas expectativas com os adversários. E as medalhas são ganhas ou perdidas dentro do campo, da quadra, da pista, da piscina, etc. Não no tapete nem nos investimentos, embora estes contem, é claro.

O exemplo dramático do nosso futebol é ilustrativo. Por que perdemos a final para o México? Bom, houve algumas razões anteriores que ajudaram a construir a perda. O time aportou em Londres, para grande parte da (im)pressão midiática, como “a seleção do Neymar”. Foi? Não foi. Em primeiro lugar porque um jogador só não faz verão. Nem o Pelé. E o que se viu na final foi o Neymar teimando em fazer o verão só dele. Quanto mais o tempo avançava, mais o Neymar fazia o que não devia fazer: pegava a bola e saía driblando até perder. E perdia, é claro.

Mas também é verdade que um jogador só não faz inverno, ou inferno: não adianta culpar o Neymar, ou o Rafael por aquele gol relâmpago dos mexicanos. Quem perde é o time inteiro, do cartola ao gandula. E ao torcedor... 

Então o que vimos? Um México coeso, jogando com uma estratégia definida. O México estudou o nosso time. Traçou uma estratégia para aquela final. Este é o espírito de uma final – da várzea à Copa do Mundo e... às Olimpíadas. O nosso time entrou sem estratégia definida para vencer aquele México, naquela partida. O resultado foi vermos uma gurizada sem leme, correndo atrás da bola, querendo pressionar o juiz para dar cartões amarelos a cada falta que recebiam. Os mexicanos jogaram duro, mas não foram desleais. Ganharam. Ficamos mais uma vez com a prata, o que pode ser tudo: uma limitação, um tabu, uma urucubaca (quem sabe na próxima delegação vai uma mãe de santo junto). Mas não pode ser vista como uma catástrofe, uma vergonha, um “fracasso”, etc. É nada mais, mas nada menos do que uma medalha de prata. “Mais uma”, dirão os céticos. É, mas mais uma.

Os esportes em que fomos melhor foram aqueles de menor visibilidade na mídia, como já aconteceu outras vezes em Olimpíadas. Mas onde prevaleceu o treinamento coletivo e o espírito de equipe: judô e boxe. Houve as surpresas de praxe: argolas, e no apagar das luzes, na última prova disputada nos Jogos de 2012, o pentatlo feminino, a que ninguém prestou atenção, apesar da medalhista Yane Marques ser bicampeã panamericana. Houve as modalidades em que não foi supresa ganharmos alguma medalha: natação, vôlei de praia, vôlei masculino, futebol. E houve o incrível caso do vôlei feminino. De favoritas, as atletas passaram a azarão. Saíram da atenção para a condenação midiática. De favoritas viraram zebras. E isso foi bom para elas: desapercebidas no meio do caminho, terminaram vencendo o cobiçado ouro. 

Conclusão: mídia dá azar, ajuda a construir cabeça quente e pé frio.
Sic transit gloria mundi.

Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.

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