A atual alta no preço dos cereais está reavivando o temor de uma nova crise alimentar. “É possível que se instaure uma situação comparável à de 2007 e 2008”, declarou Abdolreza Abbassian, economista da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Ainda que a princípio a ideia seja essa instituição alertar os governos e incitá-los a não tomarem medidas que possam agravar a situação, a menção à crise alimentar de 2007 e 2008 traz preocupações.
Laurence Girard
Laurence Girard
Todos se lembram da brusca elevação nos preços do trigo, e depois de todos os cereais, cujo preço quase dobrou no período. E, com o encarecimento dos gêneros de primeira necessidade, dos violentos tumultos causados pela fome que, de Dacar até a Cidade do México, passando pelo Cairo, se espalharam rapidamente.
No entanto, como afirma José Graziano da Silva, diretor-geral da FAO, em uma coluna publicada no jornal britânico “Financial Times”, “embora a situação seja precária, ainda não há uma crise”. O arroz, por exemplo, teve uma boa safra. Seu preço não entrou na espiral inflacionista dos preços dos alimentos mundiais. Segundo o índice da FAO publicado na última quinta-feira (9) e estabelecido em uma cesta básica que reúne cereais, açúcar, óleo, carne e laticínios, eles subiram 6% em julho.
Uma verdadeira inflexão, considerando que o índice estava em recuo há três meses. Mas também uma mudança no cenário estabelecido pela FAO, que considerava uma tendência de baixa nos meses de verão. A organização, no entanto, se apressou em lembrar que o índice atual, próximo de 213 pontos, era 10% menor que o pico de 238 pontos atingido em fevereiro de 2011. Um recorde que havia coincidido com os levantes da “primavera árabe”. Toda alta de preços alimentares afeta primeiramente os países mais pobres, que dependem das importações.
Essa alta de julho está diretamente ligada ao aumento do preço dos cereais, ainda que o açúcar também tenha contribuído para essa tendência inflacionista. Em um mês, a FAO calcula que o índice do preço dos cereais no mundo tenha disparado 17%, atingindo 260 pontos. Ele se aproxima do recorde absoluto de 274 pontos, atingido em 2008.
Em meados de junho, a febre tomou conta das Bolsas das matérias primas agrícolas: o preço do milho disparou em razão da seca histórica que tem atingido os Estados Unidos, principal produtor e exportador mundial do grão. Em julho, a temperatura média no território americano foi de 25,3 graus Celsius, um nível que não era atingido desde 1936: 63% do país foi afetado. Ainda que no início de agosto tenha chovido sobre o Meio Oeste, principal zona cerealista, foi tarde demais para salvar os pés de milho esturricados.
Na última sexta-feira (10), o Ministério da Agricultura Americano (USDA) revisou suas previsões de produção do cereal. Agora ele conta com uma colheita de 273 milhões de toneladas, um recuo de 13% em relação a 2011. “Em maio, a USDA antecipava uma colheita recorde de 375 milhões de toneladas”, ressalta Cédric Weber, analista da Offre et Demande Agricole.
A atual seca fez com que fosse reativado o debate sobre a utilização de cereais como alimento, ração animal e combustível. Essa questão divide os políticos americanos; aqueles que representam Estados como o Texas, onde a pecuária é prioridade, ou como o Iowa, onde os cerealistas ditam o tom. “Em período eleitoral, é difícil para os Estados Unidos mudarem sua política de apoio aos biocombustíveis, pois é um setor econômico importante”, acredita Michel Portier, diretor da consultoria Agritel.
Graziano da Silva também alerta os países que poderiam estar inclinados a limitar suas exportações. A Rússia havia inflado o mercado do trigo em 2010 ao fechar suas fronteiras.
Todos os olhares agora se voltam para o hemisfério sul, onde a Austrália também está sendo afetada pela seca. Já a Argentina e o Brasil, respectivamente segundo e terceiro maiores exportadores mundiais de milho, fizeram suas semeaduras no outono. A alta dos preços pode incentivá-los a plantar mais.
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