Jornal dos irmãos Otávio, Luís e Maria Cristina Frias enxuga folha salarial; quinze profissionais e estrelas Eliane Cantanhêde e Fernando Rodrigues são demitidos; veterano Clóvis Rossi se fortalece; questão é que receitas não enfrentam despesas para remunerar acionistas; manchete deste domingo 9 ataca multiplicação da informação pelas redes sociais; atribui postagens ao 'jornalismo profissional'; incômodo com liberdade de circulação da informação na internet é flagrante; Folha passa recibo de que gostaria de ter monopólio sobre o fato; o problema é que isso não existe mais
9 DE NOVEMBRO DE 2014 ÀS 17:44
247 – O jornal Folha de S. Paulo produziu neste domingo 9 a chamada manchete auto-referente. A principal notícia do matutino diz que 'Jornalismo profissional alimenta redes sociais', com o seguinte complemento: 'Na reta decisiva da eleição, seis em cada 10 links compartilhados eram notícias'. O que a publicação tenta passar ao leitor é que, se não existisse a mídia tradicional, as mídias sociais não teriam conteúdo para se alimentar. Toda uma pesquisa é mostrada para justificar a tese.
O que a Folha não conta, porém, é uma verdade primeira e universal: o fato não tem dono. Em razão da revolução tecnológica em curso, iniciada nos anos 1990 pelo advento da internet, cada acontecimento pode ser transmitido a uma, a centenas, milhares, milhões ou bilhões de pessoas pelas mais diferentes mídias – e a partir de um noticiarista que quase nunca está engajado em uma instituição formal. Hoje, um acidente de trânsito, por exemplo, é inicialmente fotografado por um partícipe do próprio acidente ou por um transeunte bem antes da chegada de um repórter-fotográfico pago por um jornal ou por um cinegrafista de tevê. É comum fatos globais que dão o que falar serem primeiro mostrados por uma câmera de celular anônima – e a partir desse momento serem replicados sem fronteiras -- para só muito depois estamparem as primeiras páginas dos jornais tradicionais.
O que a Folha tenta dizer com sua pesquisa de baixo fôlego é que os fatos relevantes ainda são dados, em primeiro lugar, por jornais como a própria Folha, para só depois ganharem importância para a cidadania. Especialmente na campanha eleitoral que se encerrou em 26 de outubro. Como exemplo, o jornal levanta o boato sobre a morte do doleiro Alberto Yousseff, espalhado no dia da eleição. A Folha informa que, quando um leitor enviou uma mensagem de texto para a redação, perguntando sobre a veracidade da informação, a própria Folha "já sabia".
Ok, mas sabia por intermédio de quem? De quem espalhou ou soube primeiro do boato, e não por um 'profissional' da notícia. Os amadores, como se sabe, são em muito maior número – e tem muito mais chances, até por uma questão matemática, de se deparar com os fatos.
Na parte não revelada sobre a tese da manchete do jornal deste domingo, o que se descobre é a tentativa da Folha de assegurar que os fatos que interessam estarão, primeiro, em páginas como as suas – e não no conteúdo produzido diretamente por participantes das redes sociais.
Ao preço de R$ 5,00 aos domingos, o que o leitor espera de jornais como a Folha é, em tese, encontrar novidades. Porém, o problema para os mesmos jornais – e a própria Folha – é que essas novidades podem estar, antes, em outras partes, independentemente de o veiculador se profissional ou não.
Os jornais e as revistas de papel ainda têm a sua importância, é claro, mas ambos deixariam de brigar com os fatos se admitissem que, a cada dia que passa, têm cada vez menos relevância. O rádio é muito mais veloz que eles, e a televisão, quando quer, é também mais rápida e mais completa. A internet, neste contexto, é a bola da vez - e as mídias sociais crescem de per si, porque o público as criou e desenvolveu.
O que a Folha não abre aos seus leitores é o fato de estar vivendo uma crise de receita versus custos. O papel está cada vez mais caro e também cada vez mais política e ecologicamente mais incorreto. Sugestão de pauta para a Folha: quantas árvores têm de ser derrubadas para que uma edição do jornal circule? O que os três irmãos Frias – Otávio, Luíz e Maria Cristina – acham de usar papel reciclado nas edições do periódico, ainda que, também esse, tenha seu custo ecológico?
Com o fracasso da equação custo-benefício, a Folha está cortando, mais uma vez, entre seus profissionais, para manter os lucros de seus acionistas. Essa é a verdade, estampada à frente de todos – mas que o jornal que se diz transparente, moderno, avançado etc se recusa admitir.
Não há dúvidas de que houve motivos políticos para a demissão, na semana passada, da colunista Eliane Cantanhêde, alinhada aos tucanos derrotados na eleição presidencial, mas o mesmo não aconteceu em relação ao profissional Fernando Rodrigues. Enquanto a demissão de Eliane representou um recado de que os Frias não querem mais a 'tucanização' do jornal, o corte de Rodrigues mostrou apenas que as verbas encurtaram – e que manter jornalistas de excelência está caro demais para os padrões da Folha. O jornalista Clóvis Rossi, que faz parte dos ícones do jornal, está mantido, mas o recado foi dado. Antes de Eliane e Rodrigues, outros 15 profissionais, na semana anterior, perderam seus empregos no prédio de pastilhas da alameda Barão de Limeira.
Nessa toada de dificuldades econômicas não reconhecidas, a projeção, infelizmente, é a de que mais virão. E não apenas na Folha, mas na mídia de papel em geral. O jornalismo de papel como negócio, gostem os patrões ou não, está naufragando em boa parte por conta dos 'amadores' da internet -- e também dos veículos nascidos na internet, como o 247, que fazem jornalismo profissional e não menosprezam o papel dos leitores na construção das narrativas sobre os acontecimentos.
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