Publicado dia 20/01/2016
Butiá é uma fruta típica nos Campos de Cima da Serra (RS)
Crédito: Ascom / Incra RS
Nem só de plantas cuidadosamente semeadas vive a agricultura ecológica. Pelo contrário, é possível estruturar cadeias produtivas com base em espécies nascidas de modo espontâneo nas propriedades. É o que descobriram famílias assentadas na região dos Campos de Cima da Serra, no Rio Grande do Sul. Sob orientação do Centro de Tecnologias Alternativas Populares (Cetap), uma das três prestadoras de assistência técnica contratadas pelo Incra/RS, os agricultores transformam frutas como butiá, pinhão, jaboticaba e uvaia em fontes de alimento e geração de renda.
A experiência iniciou em 2009. A equipe técnica constatou que, atualmente, a nova relação com a flora nativa incrementa significativamente o orçamento de dez famílias. Porém, o projeto é ainda mais abrangente, englobando dez agricultores dos assentamentos Nova Estrela e Nova Batalha (exploração do pinhão), 12 de Nova Esmeralda (butiá) e dois do Jaboticabal (jaboticaba). Juntos, eles produziram e comercializaram cinco toneladas de frutas em 2015.
“Antes o butiá era só para tratar porco”, lembra Gilberto Possamai, do assentamento Nova Esmeralda, em Pinhal da Serra. Agora, de janeiro a março, ele e a esposa, Inês, colhem os pequenos frutos amarelos de sabor azedo sob olhar atento do filho Matheus, de 8 anos, que já conhece a localização das árvores espalhadas pelo lote de 16,5 hectares. “O pai e a mãe derrubam o cacho com foice e passam (os frutos) na despolpadeira”, conta o menino.
Do equipamento, cedido pela Cooperativa dos Produtores de Leite de Esmeralda e Pinhal da Serra (Cooperserra), a matéria-prima é congelada para ser vendida durante o ano por até R$ 15 o pacote de um quilograma ou consumida pela família. Na safra 2015, o casal processou cerca de uma tonelada de polpa, também transformada em pães, bolos, sucos, molhos, pastéis (preferência da esposa) e outras receitas comercializadas sob encomenda ou em feiras e eventos.
Iraci Ferrarini, moradora do assentamento Nova Batalha, em Vacaria, desenvolve um processo semelhante com o pinhão (semente da araucária). Há poucos anos, ela entregava o produto aos atravessadores por R$ 3 o quilograma in natura. A partir do acompanhamento da assistência técnica, passou a vender a amêndoa triturada e congelada pelo valor de R$ 12.
Junto com parentes, a agricultora integra um grupo de famílias que, além do beneficiamento em massa, aproveita o alimento em panquecas, paçoca, croquetes, panificados e outros. A irmã, Eva, ressalta que a colheita e o processamento dos frutos da araucária ocorre no inverno, entressafra das demais culturas da região, principalmente das pequenas frutas, como amora. Por isso, é uma excelente opção de ocupação e complemento de renda.
Nova lógica
“A ideia é construir cadeias produtivas de espécies negligenciadas pela grande indústria, mas com grande potencial nutritivo e econômico. Pinhão, guabiroba, araçá, goiaba serrana e uvaia são produtos nobres, mas pouco conhecidos e acessíveis ao público”, destaca o técnico do Cetap Alvir Longhi.
Em vez de substituir a mata por lavouras, os agricultores aprenderam ser possível produzir alimentos ao mesmo tempo em que recompõem as áreas de preservação permanente e da reserva exigida por lei.
Outra opção é associar as árvores aos plantios ou pastagens. As chamadas agroflorestas ainda apresentam a vantagem de garantir sombra e podem até complementar a ração dos animais. “Esta relação entre sociedade, seres humanos, natureza, economia, cultura e política está na base da agroecologia”, defende outro técnico do Centro, Mário Gusson, ao explicar que as espécies nativas quase nunca são cultivadas com agrotóxicos devido a sua adaptação às características e à diversidade locais.
Potencial
Com base nas raras pesquisas sobre o assunto, a nutricionista da prefeitura de Pinhal da Serra, Fabiana Baldin, confirma a capacidade nutricional das frutas nativas. O butiá, por exemplo, é rico em fibras, possui mais potássio do que a banana e 100 gramas da polpa suprem a necessidade diária de Vitamina A de um adulto. Já o pinhão é uma boa fonte de carboidratos, capazes de gerar energia.
Apesar das boas perspectivas, a comercialização ainda é um desafio superado pelos agricultores por meio da venda direta, juntamente com a participação em feiras e eventos.
Aos poucos, as estratégias de vendas consolidam-se e novos mercados começam a surgir. Foi montada uma empresa especializada no escoamento deste tipo de produto e surgiu a parceria com uma sorveteria da cidade de Vacaria, que oferece picolés feitos artesanalmente a partir de plantas regionais além daqueles confeccionados com polpas congeladas. “Algumas pessoas vêm aqui e dizem: isso aqui tem gosto de infância”, conta a proprietária, Rosilene Zulian. A empresária revela sua preferência sobre o de araçá e o atrativo adicional dos produtos que, “pela consistência e sabor, levam menos gordura na fabricação”.
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