domingo, 26 de agosto de 2012


Semeou sonhos e alçou voo pela metrópole

A trajetória do grupo Pombas Urbanas — que levou para as ruas a irreverência poética das periferias –, no relato de Macelo Palmares, um de seus fundadores
Por Taís Capelini
Tudo começou em 1989, a a partir de um projeto concebido pelo diretor Lino Rojas(que veio para o Brasil fugindo da ditatura de seu país e logo passou a se condiderar “peruano de origem, mas brasileiro de coração”). Lino renuncia a carreira de professor da USP para se dedicar ao projeto “Semear Asas”, que surgiu da idéia de formar atores e técnicos para o teatro com jovens de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo.
Em São Miguel, Lino encontra jovens dispostos  a mergulhar numa pesquisa sobre dramaturgia, formação do ator e linguagem. Semeadas as asas, o grupo lança vôo e cria o Pombas Urbanas, que tem por missão desenvolver projetos de arte que promovam o desenvolvimento local, cultural e humano de comunidades de baixa renda. O objetivo maior é “conduzir uma linguagem cênica que traga a poética do jovem brasileiro”, afirma Marcelo Palmares, um dos fundadores do Pompas Urbanas.
Em 1992, o grupo sai de São Miguel e migra para Lapa (Zona Oeste). Depois, alugam um apartamento no centro, onde todos os atores-produtores moravam juntos. Mas, segundo Marcelo “quem é da ZL sempre quer voltar pra ZL” e assim batem asas e chegam  até Cidade Tiradentes.
Lá, a 40 quilômetros do centro da cidade, num bairro onde  400 mil habitantes vivem em unidades habitacionais de no máximo  40m², o grupo encontra o galpão de 1.600m², que pertencia a antigo supermercado e encontrava-se  totalmente abandonado havia mais de dez anos. Ali, com a ajuda da população e apoio de parceiros, fazem um mutirão para retirar cerca de 5 toneladas de entulho. Ocupam o local, convocam a população para construir o sonho de semear asas, e criam o Centro Cultural Arte em Construção.
Aos poucos, o projeto foi criando forma, o local foi se transformando e hoje é um dos poucos espaços que  criam oportunidades de desenvolvimento artístico e humano para uma comunidade repleta de jovens e crianças. “Quando começamos a trabalhar, tinha criança que pegava o monociclo pela primeira vez e já saia andando. Outra que em um dia já aprendia jogar malabares. Isso revela o apetite voraz por acesso á cultura dessas crianças”, conta Marcelo.
Hoje, o Centro Cultural possui uma biblioteca comunitária, um cine-teatro com capacidade para 135 pessoas e uma sala de aula. Também oferece cursos de teatro, música, canto, dança de salão, artesanato e circo; além de turmas infantis de letramento com foco no incentivo à leitura. A cada dia, passam pelo centro cultural cerca de duzentas pessoas. Aos sábados, acontecem espetáculos, shows e saraus.  Por ano, mais de 30 mil pessoas circulam pelo espaço, das quais cerca 8 mil estão diretamente envolvidas nos projetos.
Nesse processo, outras sementes foram plantadas e hoje existem coletivos artísticos que floresceram a partir do Pombas Urbanas: Os Filhos da Dita, Bico de Lata, Turma Avançada de Teatro, Malungos Urbanos e Circo Teatro Palamba. Todos utilizam o espaço do centro cultural para ensaios e oficinas. “A criança que começou a ter aula de circo com 8 anos, está agora com 16, ensinando outras. É um processo continuado de atuação junto, com, para e na comunidade”, diz Marcelo.
Para além disso tudo, o Pombas — seguindo o conhecimento herdado e construído junto com Lino — defende a concepção de “arte como necessidade orgânica e como complemento do crescimento”. Dessa forma “o artista não aprende só a fazer teatro, ele aprende que é importante saber produzir, administrar e divulgar as atividades”. Assim, os próprios artistas formam  equipes que mantém projeto se articulando nas áreas de comunicação, administração e difusão.
O sonho já é realidade. E os céus paulistanos ficaram pequenos demais para estes pássaros da metrópole. Lançaram vôo novamente e já batem asas para além das fronteiras do país. O grupo é reconhecido em diversos circuitos, na Espanha, Cuba, Peru, Argentina, Chile,  Bolívia, onde dialogam com grupos artísticos de outras periferias. “Mesmo nas condições adversas que vivemos nunca deixamos de produzir. Isso é uma característica da América Latina que é exportada para outros países. Nós nascemos, crescemos e morremos na crise. Vivemos com ela todos os dias e ela não nos impede de criar”, finaliza Marcelo Palmares.
Relatos de Experiências
A história do Pombas Urbanas compôs o projeto “Relatos de Experiências” que faz parte da mostra “Estéticas das Periferias – Arte e cultura nas bordas da Metrópole”, que visa exibir e discutir a cultura feita nas periferias, com foco na produção artística, sua qualidade e originalidade, e não apenas os aspectos sociais a ela relacionados. O diálogo aconteceu nesta quinta-feira (23/8)  no Centro Cultural São Paulo.
A programação da mostra continua com mesas de debates, shows, peças de teatro, dança, filmes, saraus. Além do Seminários que terá inicio dia 27 e seguirá até dia 31 de agosto e será voltado para artistas, produtores, programadores culturais e gestores públicos e demais interessados.
Mais informações: www.esteticasdaperiferia.org.b
Iniciativa: Ação EducativaCobertura Colaborativa: Outras Palavras
Leia mais:
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  2. Nos celulares, imagens da metrópole em seu ritmo
  3. SP: e se o Centro fosse ocupado pela Cultura?

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