Por Miguel do Rosário, postado em novembro 10th, 2014 | 16 comentários
Dia sim, dia não, a Globo cita os blogueiros “progressistas”.
Hoje foi a vez de Noblat, o blogueiro oficial da Globo.
Ele encerra sua coluna semanal com uma assertiva supostamente sarcástica:
“Dizem até que [Aécio] degola bodes, mas aí já acho que é maldade dos nossos blogueiros progressistas.”
Agradeço sinceramente a forma carinhosa com que Noblat se refere aos blogs.
Entretanto, discordarei de quase todos os raciocínios de Noblat. Digo quase, porque, ao cabo, concordarei em parte com ele.
A sua coluna sintetiza o novo esforço da mídia e da oposição, de enganar o público com uma falácia quase infantil: a de que Dilma teria praticado um “estelionato eleitoral”, e que estaria tomando as mesmas medidas que sua campanha denunciava que seriam feitas por Aécio Neves.
O artigo de Noblat não engana ninguém.
Ele faz uma confusão entre medidas macro-econômicas, reajuste de preços, e estatísticas sociais.
As medidas que o Brasil temia, sob um governo tucano, não eram pequenos reajustes de 0,25% nos juros, nem aumento de 3% no preço da gasolina, após anos e anos de preço estável.
Em primeiro lugar, Dilma tem crédito na questão dos juros. Sua ação de governo mais ousada, durante sua primeira gestão, foi a redução dos juros, muitas vezes forçada, na base de intervenção direta em bancos públicos.
Depois os juros voltaram ao nível anterior, mas ainda assim se mantendo em patamar historicamente baixo, e sem apagar os ganhos que tivemos enquanto eles se mantiveram ao menor nível de sua história.
Milhões de brasileiros tiveram acesso a crédito mais barato, e o governo economizou algumas centenas de bilhões de reais.
A temporada de juros baixos proporcionada por Dilma, entre 2011 e 2013, fez o Brasil ganhar dezenas de vezes mais do que todas as privatizações feitas durante a era FHC.
O povo brasileiro dá um voto de confiança a Dilma, de que os juros, embora aumentando levemente nesse último trimestre, serão reduzidos em seguida. É o tipo de confiança que não daríamos a Aécio Neves.
Quanto ao aumento da gasolina, trata-se de hipocrisia e desinformação deliberada de Noblat.
Um aumento de 3% do preço da gasolina na fonte, e ainda menor no preço final, é inferior à inflação, e infinitamente abaixo da elevação do poder aquisitivo do trabalhador.
Um salário mínimo, ao final do governo FHC, comprava 89 litros. O salário de hoje compra 241 litros.
Essa é a diferença entre Dilma e Aécio. A primeira se preocupa com possíveis impactos sociais de todas as suas ações. O segundo, não.
O preço da gasolina andava defasado há anos, e o aumento foi modesto. Era importante aumentar os preços, porque a saúde financeira da Petrobrás é essencial para a estratégia do nosso desenvolvimento. Não faz sentido, porém, defender aumentos maiores, como faz a nossa mídia, de olho em ganhar com as ações da Petrobrás. Nossa gasolina não é barata, embora não esteja entre as mais caras. Note que um dos maiores produtores de petróleo do mundo, a Noruega, vende a gasolina mais cara do planeta.
Quanto aos índices de miséria, a hipocrisia de Noblat e oposição é apenas ridícula. Estão usando uma retórica barata para discutir o assunto. A redução da miséria durante os governos do PT é um fenômeno sem paralelo no mundo, em tão pouco espaço de tempo. A estagnação de 2013 não lhe tira o mérito.
Sem contar que há um outro lado que a mídia não deu nenhum destaque. Saiu escondido hoje numa notinha do Ancelmo Gois:
O outro lado – O ministro Marcelo Neri insiste que a ênfase no aumento da extrema pobreza com base na última Pnad foi exagerada, “pois está dentro da margem de erro da pesquisa”. Segundo ele, quando falam em aumento de 371 mil do número de miseráveis, esquecem outros dados, também de 2013, como “a queda de 1,5 milhão de pobres ou o aumento de 2,7 milhões na nova classe média (classe C) e de 1,6 milhão na classe média tradicional (classe AB)”.
*
De qualquer forma, ninguém passará a mão na cabeça do governo.
Sabemos que o jogo é bruto, a crise econômica no mundo não pode ser desmerecida, e ninguém espera milagres. Sabe-se que haverá um brutal embate, como sempre desigual, entre uma mídia aliada ao mercado financeiro, pressionando por medidas de austeridade, e a base popular do governo, exigindo mais investimento público e mais ousadia política.
Para reativar o crescimento econômico, deve-se reduzir juros, elevar o investimento público, e fazer ouvidos de mercador à mídia, cujo ideário já levou o Brasil e outros países à falência por diversas vezes.
A elite brasileira costuma seguir a seguinte máxima: política é a arte do sacrifício; sacrifício do outro.
Entretanto, numa coisa Noblat acertou, embora sem querer.
O governo começou a ficar para trás.
Já era tempo de transmitir mensagens políticas positivas para a sociedade. De pautar a mídia, tanto a velha quanto a nova, com discursos e medidas de impacto.
É preciso um choque de energia e criatividade.
Falar que vai discutir a regulação da mídia no segundo semestre do ano que vem não adianta nada, sobretudo se a imprensa vem repleta de notinhas maldosas, falsas ou não, sobre o assunto.
A democratização da mídia é um processo político para o qual a regulação parlamentar é apenas um ponto. Há muitos outros que podem ser conduzidos sem isso.
A presidenta vai usar mais a rede nacional, ou ficará com temor de ser tachada de bolivariana?
A primeira gestão do governo Dilma se caracterizou por um grande apagão político e de comunicação. E que ainda não foi sanado nessas primeiras semanas pós-eleitorais.
Por exemplo, o governo brasileiro deve ser o único no mundo que não possui um porta-voz.
O Departamento de Justiça dos Estados Unidos inicia investigação sobre a Petrobrás, e não há um porta-voz do governo brasileiro para falar sobre o assunto.
Qual o calendário de inauguração das grandes obras?
Dilma foi eleita com uma agenda de mudanças. Se estas não podem ser realizadas do dia para a noite, o mínimo que se deve fazer é criar uma agenda e um calendário políticos, devidamente conectados a um sistema inovador de comunicação oficial, para oferecer ao povo e aos empresários alguma orientação acerca das mudanças que estão por vir.
Para começar, o governo poderia falar mais sobre os projetos mencionados na campanha, as novas creches, pronatec, habitações populares, etc.
Há algum novo discurso para a classe média?
Cada dia de silêncio é um dia de derrota para o governo, e ampliação da base social da oposição.
A base social de Dilma se mantém firme, esperando novidades, tentando resistir às provocações e manipulações da mídia.
Por quanto tempo?
O governo deve ter seus planos, mas não pode esquecer que a política não tolera o vácuo. Enquanto fica em silêncio, a oposição ganha espaço.
A eleição deste ano mostrou que, se há interlocução entre o governo, os partidos de esquerda, e as bases sociais, através de uma campanha, tanto de comunicação quanto de mobilização, o governo ganha força e as bases ficam energizadas.
No entanto, o apoio das bases sociais, essencial para a vitória nas eleições, não poderá resistir por tempo indeterminado, caso o governo não faça uma mudança profunda em sua estratégia de comunicação, que hoje é parte essencial da própria estratégia política.
A classe política, após ver o que aconteceu com Sérgio Cabral, e com a própria Dilma, já deveria ter aprendido que “popularidade” de instituto de pesquisa é uma coisa volátil, se não for amparada em bases sociais orgânicas e organizadas.
E estratégia de comunicação não é somente dar entrevistas à grande imprensa.
Falamos de uma coisa maior, de produção de símbolos.
Passa, inclusive, pela mudança no visual do governo e da presidenta.
Pela criação de novos slogans, novas metas, novas leituras políticas, pela construção de novas maneiras de se comunicar e interagir com a população.
O governo tem o vício de pensar que ele é o principal prejudicado pela partidarização da mídia, porque não se consegue se fazer ouvir através dela.
Ora, a principal vítima da situação não é o governo, mas o povo brasileiro, cuja voz não chega ao governo. Cuja voz não chega a si mesmo!
A mídia tem orgulho de ser “crítica” ao governo.
Ora, criticar o governo é um privilégio, porque serve para orientar a administração, e por isso mesmo não deveria ser monopolizado pela mídia.
Criticar o governo dá muito mais prestígio e dinheiro do que defendê-lo.
Eu também queria poder fazer mais críticas ao governo, mas de forma que este pudesse realmente ouvir, e de maneira que as críticas não fossem manipuladas para enfraquecê-lo, em benefício das forças que vampirizam o Estado e a sociedade.
Não quero criticar o governo para fortalecer a mídia e o mercado financeiro.
Por isso o governo deveria ampliar seu sistema de ouvidorias, para poder auscultar diretamente o povo.
Isto tiraria força da mídia corporativa, ou seja, também faz parte da estratégia da democratização da mídia.
Seria salutar, pelas mesmas razões, que o governo oxigenasse a administração pública, trazendo novos quadros da sociedade, fazendo um ministério menos partidário e mais conectado com a opinião pública – não a opinião dos jornais, mas a verdadeira, a das ruas, progressista e rebelde.
Dilma venceu a oposição no primeiro e no segundo turnos. Também ganhou o terceiro turno, que foi a tentativa de pôr em dúvida a lisura das eleições.
No quarto turno, porém, será derrotada, caso não faça um governo diferente, na política e na comunicação.
A presidenta tem tudo para fazer um grande governo, porque será o período de colheita.
Obras magníficas serão inauguradas em sua gestão, como a transposição do São Francisco, hidrelétricas, eólicas, refinarias, portos, estradas, ferrovias, metrôs, vlts, milhares de creches, mais 12 milhões de beneficiados pelo pronatec, o programa Mais Especialidades, etc.
Nada disso terá resultado político, todavia, se o governo não se comunicar.
O que significa: falar, falar, falar.
Mas sobretudo ouvir, ouvir, ouvir.
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