sábado, 25 de agosto de 2012

Impasses jurídicos marcam caso Assange, diz advogada


Impasses jurídicos marcam caso Assange, diz advogada

Em entrevista à Carta Maior, a advogada Rebecca Niblock, do escritório Kingsley Napley, analisa as opções legais e diplomáticas envolvendo a asituação do fundador do Wikileaks e aponta vários impasses. Para ela, o governo britânico não tem opções legais para obrigar o Equador a lhe entregar Assange, mas o Equador tem poucas chances de conseguir tirá-lo da embaixada mediante um recurso à Corte Internacional de Justiça. "Este caso já teve guinadas surpreendentes. A saída pode vir por uma via que ninguém pode prever". A reportagem é de Marcelo Justo, direto de Londres.

Londres - Nove dias depois de o governo de Rafael Correa ter concedido asilo diplomático a Julian Assange, seu destino é tão incerto como quando decidiu, há dois meses, ingressar na embaixada equatoriana. O governo britânico e o equatoriano manifestaram-se abertos ao diálogo, mas é difícil vislumbrar um meio termo entre as posições de ambas as partes. A Carta Maior conversou com uma especialista em extradição, a advogada Rebecca Niblock, do escritório Kingsley Napley, para analisar as opções legais e diplomáticas que se abrem para uma solução.

O Equador pode forçar legalmente o Reino Unido a conceder um salvo conduto para Julian Assange?

O Equador pode iniciar uma ação na Corte Internacional de Justiça. Legalmente só um país pode fazê-lo: um indivíduo, neste caso Assange, não pode iniciar uma demanda neste nível. Mas não creio que o Equador possa ter êxito em uma iniciativa como esta por duas razões. Primeiro porque não se pode definir Assange como um refugiado, pois, segundo a convenção que rege esse tema, refugiado é alguém que está fora de seu país e que é perseguido por sua própria nação. Seria preciso demonstrar que a Austrália não o protege e que, na verdade, o persegue. A segunda razão é que há um artigo da convenção, o 1F, que estipula que alguém que cometeu um delito grave não político fora do país no qual solicita refúgio não está coberto pela convenção.

Que opções legais tem o Reino Unido para que o Equador lhe entregue Assange?

Não tem opções reais. O governo mencionou uma lei de 1987, o Diplomatic and Consular Premises Act, que permite revogar o status diplomático de um edifício, mas é extremamente improvável que se atreva a usar essa lei pelo precedente que criaria e também porque a lei diz que o chanceler tem que levar em consideração a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas. Esta convenção não só estipula que uma embaixada é inviolável, como também que o Estado tem o dever de custodiar e garantir a sua segurança contra o perigo da invasão ou danificação.

É necessária a autorização de um juiz para revogar a imunidade diplomática da embaixada?

Não, não é necessário. O governo pode buscá-la para demonstrar que está agindo de acordo com a lei, mas não há nenhuma previsão específica que estipule que deve pedir a autorização a um juiz. Segundo a lei, há três elementos que podem levar à revogação do status diplomático de um edifício, sempre que isso não violar a Convenção de Viena: A segurança da população, a segurança nacional e temas de planejamento urbanístico. Este último se refere ao fato de que, em 1987, havia edifícios diplomáticos que tinham sido praticamente abandonados, como a embaixada do Camboja, na época de Pol Pot.

Por que o governo britânico ameaçou o Equador com a aplicação desta lei?

Creio que os britânicos foram surpreendidos pelo fato de o Equador ter divulgado essa informação que fazia parte das negociações. Ao meu juízo, não foi um movimento muito inteligente da chancelaria britânica, mas penso que, mais do que uma ameaça real, era um blefe, uma tentativa de convencer o Equador a não conceder o asilo diplomático a Assange.

Qual a saída para essa situação?

Não sei. Minha impressão é que este caso já teve tantas guinadas inesperadas e surpreendentes, que seguramente a saída virá por uma via que ninguém pode prever. Não vejo Assange permanecendo 15 anos na embaixada equatoriana como ocorreu como o cardeal Jozesf Mindszenty, na Hungria.

Uma coisa que não se entende é por que a Suécia não o interroga por vídeo link ou pessoalmente no Reino Unido. Afinal de contas, a Suécia não o acusou de nada: só quer interrogá-lo.

A Justiça sueca funciona de uma maneira diferente da britânica. Geralmente se formulam acusações ao final de todo o processo. Mas a polícia sueca não quer só interrogá-lo, mas quer fazê-lo porque ele foi acusado de um delito grave. Na Europa o tema da extradição foi muito agilizado com a lei de ordem de prisão europeia, aprovada em 2003, após os atentados de 11 de setembro. Esta lei procura facilitar a extradição entre países europeus reconhecendo que, se é verdade que os sistemas judiciais podem ter diferenças, todos funcionam respeitando os princípios básicos da justiça. Na Europa, isso faz com que o processo seja mais uma rendição ou entrega de um país para outro do que uma extradição.

Qual a sua avaliação sobre esse caso em particular?

Desde um ponto de vista legal, é um caso muito interessante. Por um lado, não gostaria de ser extraditada aos Estados Unidos e há muitas razões para que Assange pense que os EUA buscarão sua extradição, caso ele seja extraditado para a Suécia. Por outro lado, ele está sendo acusado de um delito muito grave. Creio que não foi dada a devida importância a este último fator.

Tradução: Katarina Peixoto

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