Brasil: geopolítica e desenvolvimento
Apesar da posição do governo, existem divisões e resistências profundas, dentro de suas elites e de suas agências governamentais, que seguem retardando a consolidação efetiva da nova estratégia brasileira. Como se o sistema político, a sociedade e a intelectualidade brasileira ainda não estivessem preparados para assumir os objetivos definidos pelos documentos oficiais. Por José Luís Fiori
José Luís Fiori
“A impotência dos economistas não é culpa da economia, é culpa do “desenvolvimento” que não cabe dentro dos limites estreitos da própria economia.”
J.L.F. “Poder, Geopolítica e Desenvolvimento”, Editora Boitempo, SP, 2013, pg 21, (no prelo)
1. Na primeira década do século XXI, o Brasil começou a trilhar uma estratégia de afirmação internacional que retoma iniciativa proposta e interrompida na década de 60. De maneira ainda titubeante, o Brasil vem expandindo sua presença em alguns tabuleiros geopolíticos e vem tentando aumentar sua capacidade de defesa autônoma de suas reivindicações internacionais. A nova estratégia foi definida pelo Plano Nacional de Defesa, e pela Estratégia Nacional de Defesa, aprovados pelo Congresso Nacional, em 2005 e 2008, respectivamente. Nos dois documentos, o governo brasileiro propõe uma política externa que integre suas ações diplomáticas, com suas politicas de defesa e de desenvolvimento econômico, e ao mesmo tempo, introduz um conceito inovador na história democrática do país, o conceito de “entorno estratégico”, onde o Brasil se propõe irradiar, de forma preferencial, a sua influência e a sua liderança, incluindo a América do Sul, a África Subsaariana, a Antártida, e a bacia do Atlântico Sul.
2. Um país pode projetar o seu poder e a sua liderança, fora de suas fronteiras nacionais, através da coerção, da cooperação, da difusão das suas ideias e valores, e também, através da sua capacidade de transferir dinamismo econômico para sua “zona de influência”. Mas em qualquer caso, uma política de projeção de poder exige objetivos claros e uma coordenação estreita, entre as agencias responsáveis pela política externa do país, envolvendo a diplomacia, a defesa, e as políticas econômica e cultural. Sobretudo exige uma sociedade mais igualitária e mobilizada, e uma “vontade estratégica” consistente e permanente, ou seja, uma capacidade social e estatal de construir consensos em torno de objetivos internacionais de longo prazo, junto com a capacidade de planejar e implementar ações de curto e médio prazo, em conjunto com os atores sociais, políticos e econômicos relevantes.
3. Ao contrário de tudo isto, desde a II Guerra Mundial, e mesmo depois do fim da Guerra Fria, até o início do século XXI, a política externa brasileira oscilou no tempo, mudando seus objetivos imediatos segundo o governo, apesar de que tenha mantido sempre seu alinhamento – quase automático – ao lado das “grandes potências ocidentais”. E mesmo hoje, apesar da posição do governo, existem divisões e resistências profundas, dentro de suas elites e dentro de suas agências governamentais, que seguem retardando a consolidação efetiva da nova estratégia brasileira. Como se o sistema político, a sociedade e a intelectualidade brasileira ainda não estivessem preparados para assumir os objetivos definidos pelos documentos oficiais. A própria universidade brasileira só expandiu recentemente sua capacidade de pesquisa e formação de recursos humanos na área internacional. E algumas universidades do país não possuem nem centros nem unidades especializadas, como é o caso surpreendente da UFRJ, a maior universidade federal do país. Além disto, existe uma carência acentuada de instituições ou think tanks que cumpram o papel de reunir as informações e as ideias indispensáveis para o estudo e a escolha de alternativas, e para a orientação inteligente da inserção internacional do país.
4. De qualquer maneira, se o Brasil conseguir sustentar suas novas posições, terá que se enfrentar inevitavelmente com uma regra fundamental do sistema: todo país que se propõe ascender a uma nova posição de liderança regional ou global em algum momento terá que questionar os “consensos éticos” e os arranjos geopolíticos e institucionais que foram definidos e impostos previamente, pelas potências que já são ou foram dominantes, dentro do sistema mundial. Esta regra não impede o estabelecimento de convergências e alianças táticas, entre a potência ascendente com uma ou várias das antigas potencias dominantes, mas exige que a potência ascendente mantenha seu objetivo permanente de crescer, expandir e galgar posições, dentro do sistema internacional. Isto não é uma veleidade ideológica, é um imperativo do próprio sistema interestatal capitalista: neste sistema, “quem não sobe cai” (nota).
5. Mesmo assim, sempre existirá um imenso espaço de liberdade e de invenção revolucionária para o Brasil: descobrir como projetar seu poder e sua liderança fora de suas fronteiras sem seguir o figurino tradicional das grandes potências. Ou seja, sem reivindicar nenhum tipo de “destino manifesto”, sem utilizar a violência bélica dos europeus e norte-americanos, e sem se propor conquistar qualquer povo que seja, para “convertê-lo”, “civilizá-lo”, ou simplesmente comandar o seu destino.
Nota
Elias, N. (1993), O Processo Civilizador, Jorge Zahar Editores, Rio de Janeiro, pág. 94
J.L.F. “Poder, Geopolítica e Desenvolvimento”, Editora Boitempo, SP, 2013, pg 21, (no prelo)
1. Na primeira década do século XXI, o Brasil começou a trilhar uma estratégia de afirmação internacional que retoma iniciativa proposta e interrompida na década de 60. De maneira ainda titubeante, o Brasil vem expandindo sua presença em alguns tabuleiros geopolíticos e vem tentando aumentar sua capacidade de defesa autônoma de suas reivindicações internacionais. A nova estratégia foi definida pelo Plano Nacional de Defesa, e pela Estratégia Nacional de Defesa, aprovados pelo Congresso Nacional, em 2005 e 2008, respectivamente. Nos dois documentos, o governo brasileiro propõe uma política externa que integre suas ações diplomáticas, com suas politicas de defesa e de desenvolvimento econômico, e ao mesmo tempo, introduz um conceito inovador na história democrática do país, o conceito de “entorno estratégico”, onde o Brasil se propõe irradiar, de forma preferencial, a sua influência e a sua liderança, incluindo a América do Sul, a África Subsaariana, a Antártida, e a bacia do Atlântico Sul.
2. Um país pode projetar o seu poder e a sua liderança, fora de suas fronteiras nacionais, através da coerção, da cooperação, da difusão das suas ideias e valores, e também, através da sua capacidade de transferir dinamismo econômico para sua “zona de influência”. Mas em qualquer caso, uma política de projeção de poder exige objetivos claros e uma coordenação estreita, entre as agencias responsáveis pela política externa do país, envolvendo a diplomacia, a defesa, e as políticas econômica e cultural. Sobretudo exige uma sociedade mais igualitária e mobilizada, e uma “vontade estratégica” consistente e permanente, ou seja, uma capacidade social e estatal de construir consensos em torno de objetivos internacionais de longo prazo, junto com a capacidade de planejar e implementar ações de curto e médio prazo, em conjunto com os atores sociais, políticos e econômicos relevantes.
3. Ao contrário de tudo isto, desde a II Guerra Mundial, e mesmo depois do fim da Guerra Fria, até o início do século XXI, a política externa brasileira oscilou no tempo, mudando seus objetivos imediatos segundo o governo, apesar de que tenha mantido sempre seu alinhamento – quase automático – ao lado das “grandes potências ocidentais”. E mesmo hoje, apesar da posição do governo, existem divisões e resistências profundas, dentro de suas elites e dentro de suas agências governamentais, que seguem retardando a consolidação efetiva da nova estratégia brasileira. Como se o sistema político, a sociedade e a intelectualidade brasileira ainda não estivessem preparados para assumir os objetivos definidos pelos documentos oficiais. A própria universidade brasileira só expandiu recentemente sua capacidade de pesquisa e formação de recursos humanos na área internacional. E algumas universidades do país não possuem nem centros nem unidades especializadas, como é o caso surpreendente da UFRJ, a maior universidade federal do país. Além disto, existe uma carência acentuada de instituições ou think tanks que cumpram o papel de reunir as informações e as ideias indispensáveis para o estudo e a escolha de alternativas, e para a orientação inteligente da inserção internacional do país.
4. De qualquer maneira, se o Brasil conseguir sustentar suas novas posições, terá que se enfrentar inevitavelmente com uma regra fundamental do sistema: todo país que se propõe ascender a uma nova posição de liderança regional ou global em algum momento terá que questionar os “consensos éticos” e os arranjos geopolíticos e institucionais que foram definidos e impostos previamente, pelas potências que já são ou foram dominantes, dentro do sistema mundial. Esta regra não impede o estabelecimento de convergências e alianças táticas, entre a potência ascendente com uma ou várias das antigas potencias dominantes, mas exige que a potência ascendente mantenha seu objetivo permanente de crescer, expandir e galgar posições, dentro do sistema internacional. Isto não é uma veleidade ideológica, é um imperativo do próprio sistema interestatal capitalista: neste sistema, “quem não sobe cai” (nota).
5. Mesmo assim, sempre existirá um imenso espaço de liberdade e de invenção revolucionária para o Brasil: descobrir como projetar seu poder e sua liderança fora de suas fronteiras sem seguir o figurino tradicional das grandes potências. Ou seja, sem reivindicar nenhum tipo de “destino manifesto”, sem utilizar a violência bélica dos europeus e norte-americanos, e sem se propor conquistar qualquer povo que seja, para “convertê-lo”, “civilizá-lo”, ou simplesmente comandar o seu destino.
Nota
Elias, N. (1993), O Processo Civilizador, Jorge Zahar Editores, Rio de Janeiro, pág. 94
Fotos: Fundap/SP
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