O sucesso delineado na ampla adesão dos municípios ao programa ‘Mais Médicos’ deve ser analisado exaustivamente.
Saul Leblon
Saul Leblon
Talvez represente mais que um alívio pontual no cerco conservador anabolizado pelas manifestações de junho, cujo impacto nos índices de aprovação ao governo tem sido reiterado, em meticuloso rodízio, pelos institutos de pesquisa.
A análise do programa lançado pelo ministério da Saúde, há menos de um mês, poderá inspirar uma bem-vinda reconciliação com a dimensão política da luta pelo desenvolvimento, esgarçada nos últimos anos por um certo viés economicista.
Desde 2010, sabia-se que a substituição do ativismo visceral de Lula pela racionalidade administrativa de Dilma implicaria em mudanças de ênfase.
Que pareciam adequadas, diga-se.
O Brasil necessitava consolidar as múltiplas frentes abertas desde 2003, ademais de retificar flancos estruturais que emergiram no processo.
Para listar apenas os da agenda econômica: a valorização cambial desindustrializante, o obsceno custo financeiro, a carência de detalhamento para grandes projetos de infraestrutura etc.
A combinação entre a ênfase administrativa do novo governo e a retaguarda política do antecessor parecia perfeita.
Dilma era a chefe de governo. Lula, o chefe político.
A doença do ex-presidente acendeu o farol amarelo. As manifestações de junho piscaram o vermelho.
O blend teórico entre o político e o administrativo mostrou sua vulnerabilidade quando submetido à pressão contundente das ruas.
A interação entre os canais emperrou na ausência de mecanismos de resposta rápida.
Não só.
A inexistência de quadros intermediários capazes de reunir uma versatilidade dissociada na cúpula fez o resto.
Em lugar de criatividade e prontidão, emergiu a face apática de uma equipe pautada pelo engessamento administrativo e o timming burocrático.
Um arquipélago desprovido do oceano político capaz de uni-lo.
Não se trata de desdenhar o que é fundamental.
O planejamento público de longo prazo, de que sempre se ressentiu a economia brasileira.
O governo Dilma veio preencher essa lacuna histórica.
O que tem feito com sucesso, em parte.
A emergência política instaurada a partir de junho evidenciaria, no entanto, a insuficiência da especialização quando o relógio político é ajustado pelas ruas.
Uma rotina engessada no labirinto de licitações e licenciamentos, subordinada ao desafio da engenharia financeira, refém de uma enervante sucessão de postergações de prazos e obras, mostrou que um governo não pode se reduzir a um escritório de acompanhamento de projetos.
Não qualquer governo em qualquer época: mas o do Brasil, sob cerco conservador e em meio às turbulência de uma transição de ciclo econômico internacional.
Intuitivamente, o ‘Mais Médicos’ ataca esses flancos.
Seu desenho resgata um modelo de ação engajada cuja cepa remete às premissas da política de segurança alimentar, combate à fome e à miséria, lançada em 2003, com o nome fantasia de ‘Fome Zero’.
Atacar o emergencial e o estrutural, ao mesmo tempo e com igual intensidade, era o cerne da estratégia contra o intolerável.
Fixar prazos críveis e benefícios visíveis no horizonte imediato da sociedade, um ingrediente mobilizador.
Outro: estabelecer metas de apelo popular que colocavam sob pressão instancias políticas e administrativas, de cuja adesão dependia o sucesso da política.
No caso da política de combate fome e à miséria, o carro-chefe foi o benefício do cartão-alimentação (hoje Bolsa Família).
A dimensão estrutural incluía a ampliação do crédito à agricultura familiar; as aquisições diretas do pequeno produtor; o ganho real do salário mínimo; a urbanização das favelas; o Fundeb, etc.
Mas, sobretudo, o pano de fundo político merece ser resgatado.
Ele envolve uma determinação férrea de libertar a ação pública da morosidade incremental, incompatível com os ponteiros da urgência brasileira.
Transferir recursos aos pobres, diretamente, no Brasil de 2003, em meio ao terceiro turno declarado pelo cerco conservador, significava para o governo abrir um atalho de respaldo político indispensável.
Para o conservadorismo era o anátema.
E assim foi tratado.
A palavra fome nunca teve trânsito livre num vocabulário político dominado pela conveniência do dinheiro grosso.
Em 1946, quando lançou o seu ‘Geografia da Fome, o médico, comunista e diplomata, Josué de Castro, foi pressionado a trocar o título do livro por algo mais palatável às vergonhas seculares de nossas elites.
Não o fez. A obra tornar-se-ia um clássico da decifração de estruturas reprodutoras da exclusão condensadas na palavra incômoda.
Quando lançou o ‘Fome Zero’, o governo Lula sofreria igual constrangimento.
A mídia derrotada nas urnas ergueu um cinturão de asfixia em torno do programa, contando com o obsequioso auxílio de parte da academia.
Os argumentos utilizados, então, lembram muito a fuzilaria atual contra o ‘Mais Médicos’.
Ineficaz, inconstitucional e eleitoreiro foram alguns mísseis disparados na primeira hora. Esgotada a munição para o abate em pleno voo, recorreu-se ao clássico artifício da sensatez protelatória – ‘são problemas estruturais, é preciso uma discussão mais profunda’.
A exemplo da fome, quão mais profunda terá que ser a discussão sobre uma notória, documentada e intolerável ausência de atendimento médico nas áreas mais pobres do país?
O governo dispõe de números convincentes. E tem alternativas ao boicote esperado.
À falta de candidatos para ocupar vazios no interior do país, profissionais serão requisitados no estrangeiro.
Ao carimbo de ‘remendo’, a dimensão emergencial do programa responde com iniciativas estruturais: R$ 15 bilhões de investimentos em obras e equipamentos de saúde; reforma no currículo da medicina, vinculando-o à prestação de serviços ao SUS.
Prazos curtos de implantação atropelam o cerco conservador criando um calendário sensível, capaz de disputar a atenção de uma opinião pública exaurida pelo bombardeio midiático.
O Ministério da Saúde deu prazo até esta 5ª feira para os prefeitos interessados manifestarem a adesão ao programa.
Utilizou rádios no interior para chegar à população e furar a sabotagem dos grandes veículos de comunicação.
Como um prefeito tucano explicaria, à fila no posto de saúde, a rejeição a um programa que promete elevar o padrão de atendimento local?
O insustentável se refletiu no perfil suprapartidário das adesões: mais de 40% dos prefeitos do PSDB se juntaram a um programa desdenhado por Aécio e assemelhados. Mas que recebeu a inscrição de 63% dos municípios brasileiro
Depurados os integrantes da constrangedora sabotagem corporativa, profissionais brasileiros que aderiram ao programa serão chamados a escolher os municípios onde querem atuar.
Terão até 3 de agosto para faze-lo.
Quarenta e oito horas depois, as escolhas serão validadas no Diário Oficial da União.
Vagas não preenchidas serão divulgadas no dia 6 de agosto: profissionais estrangeiros --foram 2.000 inscritos-- serão convidados a preenche-las até 8 de agosto.
Ou seja, apenas 30 dias depois de anunciado, o programa emitirá sinais concretos de mudança na vida de cidades e cidadãos, até então condenados a uma combinação perversa de precariedade e incerteza no acesso a um serviço vital.
A vitória no emergencial amplia o chão firme do governo para ousar em ações de caráter estrutural, a exemplo do financiamento fiscal do setor, bem como da reforma no ensino da medicina.
O ‘Mais Médicos’ tem fôlego para se transformar no ‘Bolsa Família’ da saúde pública brasileira.
O governo não pode desperdiçar o potencial dessa experiência. Nem as lições que ela encerra para iniciativas em áreas às voltas com desafios de gravidade e apelo similares.
A presidenta Dilma teria muito a ganhar com isso.
E o país mais ainda.
A análise do programa lançado pelo ministério da Saúde, há menos de um mês, poderá inspirar uma bem-vinda reconciliação com a dimensão política da luta pelo desenvolvimento, esgarçada nos últimos anos por um certo viés economicista.
Desde 2010, sabia-se que a substituição do ativismo visceral de Lula pela racionalidade administrativa de Dilma implicaria em mudanças de ênfase.
Que pareciam adequadas, diga-se.
O Brasil necessitava consolidar as múltiplas frentes abertas desde 2003, ademais de retificar flancos estruturais que emergiram no processo.
Para listar apenas os da agenda econômica: a valorização cambial desindustrializante, o obsceno custo financeiro, a carência de detalhamento para grandes projetos de infraestrutura etc.
A combinação entre a ênfase administrativa do novo governo e a retaguarda política do antecessor parecia perfeita.
Dilma era a chefe de governo. Lula, o chefe político.
A doença do ex-presidente acendeu o farol amarelo. As manifestações de junho piscaram o vermelho.
O blend teórico entre o político e o administrativo mostrou sua vulnerabilidade quando submetido à pressão contundente das ruas.
A interação entre os canais emperrou na ausência de mecanismos de resposta rápida.
Não só.
A inexistência de quadros intermediários capazes de reunir uma versatilidade dissociada na cúpula fez o resto.
Em lugar de criatividade e prontidão, emergiu a face apática de uma equipe pautada pelo engessamento administrativo e o timming burocrático.
Um arquipélago desprovido do oceano político capaz de uni-lo.
Não se trata de desdenhar o que é fundamental.
O planejamento público de longo prazo, de que sempre se ressentiu a economia brasileira.
O governo Dilma veio preencher essa lacuna histórica.
O que tem feito com sucesso, em parte.
A emergência política instaurada a partir de junho evidenciaria, no entanto, a insuficiência da especialização quando o relógio político é ajustado pelas ruas.
Uma rotina engessada no labirinto de licitações e licenciamentos, subordinada ao desafio da engenharia financeira, refém de uma enervante sucessão de postergações de prazos e obras, mostrou que um governo não pode se reduzir a um escritório de acompanhamento de projetos.
Não qualquer governo em qualquer época: mas o do Brasil, sob cerco conservador e em meio às turbulência de uma transição de ciclo econômico internacional.
Intuitivamente, o ‘Mais Médicos’ ataca esses flancos.
Seu desenho resgata um modelo de ação engajada cuja cepa remete às premissas da política de segurança alimentar, combate à fome e à miséria, lançada em 2003, com o nome fantasia de ‘Fome Zero’.
Atacar o emergencial e o estrutural, ao mesmo tempo e com igual intensidade, era o cerne da estratégia contra o intolerável.
Fixar prazos críveis e benefícios visíveis no horizonte imediato da sociedade, um ingrediente mobilizador.
Outro: estabelecer metas de apelo popular que colocavam sob pressão instancias políticas e administrativas, de cuja adesão dependia o sucesso da política.
No caso da política de combate fome e à miséria, o carro-chefe foi o benefício do cartão-alimentação (hoje Bolsa Família).
A dimensão estrutural incluía a ampliação do crédito à agricultura familiar; as aquisições diretas do pequeno produtor; o ganho real do salário mínimo; a urbanização das favelas; o Fundeb, etc.
Mas, sobretudo, o pano de fundo político merece ser resgatado.
Ele envolve uma determinação férrea de libertar a ação pública da morosidade incremental, incompatível com os ponteiros da urgência brasileira.
Transferir recursos aos pobres, diretamente, no Brasil de 2003, em meio ao terceiro turno declarado pelo cerco conservador, significava para o governo abrir um atalho de respaldo político indispensável.
Para o conservadorismo era o anátema.
E assim foi tratado.
A palavra fome nunca teve trânsito livre num vocabulário político dominado pela conveniência do dinheiro grosso.
Em 1946, quando lançou o seu ‘Geografia da Fome, o médico, comunista e diplomata, Josué de Castro, foi pressionado a trocar o título do livro por algo mais palatável às vergonhas seculares de nossas elites.
Não o fez. A obra tornar-se-ia um clássico da decifração de estruturas reprodutoras da exclusão condensadas na palavra incômoda.
Quando lançou o ‘Fome Zero’, o governo Lula sofreria igual constrangimento.
A mídia derrotada nas urnas ergueu um cinturão de asfixia em torno do programa, contando com o obsequioso auxílio de parte da academia.
Os argumentos utilizados, então, lembram muito a fuzilaria atual contra o ‘Mais Médicos’.
Ineficaz, inconstitucional e eleitoreiro foram alguns mísseis disparados na primeira hora. Esgotada a munição para o abate em pleno voo, recorreu-se ao clássico artifício da sensatez protelatória – ‘são problemas estruturais, é preciso uma discussão mais profunda’.
A exemplo da fome, quão mais profunda terá que ser a discussão sobre uma notória, documentada e intolerável ausência de atendimento médico nas áreas mais pobres do país?
O governo dispõe de números convincentes. E tem alternativas ao boicote esperado.
À falta de candidatos para ocupar vazios no interior do país, profissionais serão requisitados no estrangeiro.
Ao carimbo de ‘remendo’, a dimensão emergencial do programa responde com iniciativas estruturais: R$ 15 bilhões de investimentos em obras e equipamentos de saúde; reforma no currículo da medicina, vinculando-o à prestação de serviços ao SUS.
Prazos curtos de implantação atropelam o cerco conservador criando um calendário sensível, capaz de disputar a atenção de uma opinião pública exaurida pelo bombardeio midiático.
O Ministério da Saúde deu prazo até esta 5ª feira para os prefeitos interessados manifestarem a adesão ao programa.
Utilizou rádios no interior para chegar à população e furar a sabotagem dos grandes veículos de comunicação.
Como um prefeito tucano explicaria, à fila no posto de saúde, a rejeição a um programa que promete elevar o padrão de atendimento local?
O insustentável se refletiu no perfil suprapartidário das adesões: mais de 40% dos prefeitos do PSDB se juntaram a um programa desdenhado por Aécio e assemelhados. Mas que recebeu a inscrição de 63% dos municípios brasileiro
Depurados os integrantes da constrangedora sabotagem corporativa, profissionais brasileiros que aderiram ao programa serão chamados a escolher os municípios onde querem atuar.
Terão até 3 de agosto para faze-lo.
Quarenta e oito horas depois, as escolhas serão validadas no Diário Oficial da União.
Vagas não preenchidas serão divulgadas no dia 6 de agosto: profissionais estrangeiros --foram 2.000 inscritos-- serão convidados a preenche-las até 8 de agosto.
Ou seja, apenas 30 dias depois de anunciado, o programa emitirá sinais concretos de mudança na vida de cidades e cidadãos, até então condenados a uma combinação perversa de precariedade e incerteza no acesso a um serviço vital.
A vitória no emergencial amplia o chão firme do governo para ousar em ações de caráter estrutural, a exemplo do financiamento fiscal do setor, bem como da reforma no ensino da medicina.
O ‘Mais Médicos’ tem fôlego para se transformar no ‘Bolsa Família’ da saúde pública brasileira.
O governo não pode desperdiçar o potencial dessa experiência. Nem as lições que ela encerra para iniciativas em áreas às voltas com desafios de gravidade e apelo similares.
A presidenta Dilma teria muito a ganhar com isso.
E o país mais ainda.
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