segunda-feira, 29 de julho de 2013

Declínio econômico italiano parece não ter fim


A economia italiana pode ser a terceira maior da zona do euro, mas também está amaldiçoada pela ineficiência e continua encolhendo. A liderança política do país se mostrou incapaz de implementar as reformas tão necessárias, e o futuro parece sombrio.

Hans-Jürgen Schlamp
O primeiro-ministro da Itália, Enrico Letta
O primeiro-ministro da Itália, Enrico Letta
A euforia era evidente. "Nós conseguimos!", tuitou o primeiro-ministro italiano Enrico Letta no início deste mês, depois que a Comissão Europeia forneceu a seu país uma nova margem de manobra financeira.
Letta havia conseguido convencer Bruxelas que a Itália ficaria abaixo do limite de déficit orçamentário da União Europeia, de 3% do produto interno bruto, mesmo que apenas por um fio de cabelo, com uma previsão de 2,9%. O primeiro-ministro insistiu que seu país finalmente tinha espaço para estimular o crescimento e promover novos postos de trabalho, e que seu governo tinha atingido "talvez o resultado mais importante" de todos os tempos. Isso foi no início de julho. Desde então, políticos e lobistas vêm argumentando energicamente sobre como tirar proveito da novaoportunidade.
O ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi quer abolir o imposto sobre a propriedade nas primeiras residências, o que custaria 4 bilhões de euros. E se o governo se abstiver de um aumento planejado no imposto sobre valor agregado, como também tem sido pedido, perderia outros 2 bilhões de euros receitas. Letta e a esquerda, por sua vez, gostariam de investir 1,5 bilhão de euros para criar novos postos de trabalho para jovens italianos desempregados.
O debate, e o otimismo de Letta, esconderam temporariamente a situação difícil em que a Itália se encontra. Todas as idéias em discussão para estimular a economia do país custarão dinheiro --e exigirão que Roma assuma mais dívidas. Na verdade, o Standart & Poor mostrou recentemente sua falta de fé no país quando rebaixou a dívida italiana em um ponto há duas semanas, um movimento que enfureceu os italianos.
A verdade é que a Itália, apesar de ser a terceira maior economia da zona do euro depois da Alemanha e da França, encontra-se em apuros, depois de ter estado em declínio há anos. Seu PIB caiu 7% desde 2007. Ors últimos anos, diz Gianni Toniolo, professor de economia em Roma, representaram "a pior crise da história (do país)", ainda mais devastadora que o período entre 1929 e 1934.
Ainda mais pessimista
No outono passado, a situação parecia estar melhorando, ao ponto de o primeiro-ministro Mario Monti prometer: "as coisas vão melhorar no ano que vem". Mas essas esperanças já desapareceram. O governo reduziu suas expectativas de crescimento para o ano em curso para menos de 1,3%. O Banco da Itália, banco central do país, está ainda mais pessimista, prevendo uma contração econômica de 1,9%.
Mas o crescimento econômico só conta parte da história. Mais de meio milhão de empregos foram perdidos na indústria desde 2007, e 15% da capacidade industrial do país se foi, diz Luca Paolazzi, chefe de pesquisa da Confindustria, principal associação da indústria da Itália. Alguns setores perderam ainda mais capacidade, sendo que a indústria automobilística diminuiu 40%. De acordo com Paolazzi, a Itália está passando por um "processo de desindustrialização sem precedentes".
Mas por quê? Muitos produtos que são fabricados na Itália ainda são alvo da demanda internacional, e não apenas os ternos Armani ou o Fiat 500. Além disso, a Itália, assim como a Alemanha, conseguiu aumentar suas exportações nos últimos três anos.
Mas embora as exportações tenham impulsionado a produção nacional na Alemanha, o mesmo não aconteceu na Itália. Especialistas italianos atribuem isso à tendência crescente de produzir partes dos produtos de exportação no sudeste asiático, Polônia e Turquia. Muitas empresas simplesmente usam as fábricas na Itália para juntar peças feitas em fábricas no exterior.
Isso está esgotando as regiões industriais tradicionais do país. Veja, por exemplo, Fabriano, uma pequena cidade de 30 mil habitantes na região do Adriático conhecida por seus "produtos da linha branca", como geladeiras, fogões e máquinas de lavar. Fabriano costumava ser "uma comunidade rica, a Suíça da Itália", diz o prefeito Giancarlo Sagramola, "até que o euro chegou".
Chorando e orando
Costumava ser um procedimento padrão para a Itália desvalorizar sua moeda, a lira, para compensar o aumento dos custos de produção. Isso, porém, não é mais possível, o que resultou em falência para algumas empresas. A Antonio Merloni SpA em Fabriano é uma delas, que chegou a empregar 5.000 pessoas em seu auge.
Para evitar esse destino, a Indesit, outra empresa com sede em Fabriano --cujos fundadores e principais acionistas pertencem à família Merloni-- deslocaram parte de sua produção para o exterior, mantendo apenas 2.900 dos 6.500 postos de trabalho na Itália. No início de junho, a empresa anunciou planos para cortar quase metade dos postos de trabalho restantes.
Os afetados pelos cortes choraram, oraram, escreveram petições e ocuparam a fábrica por algumas horas. E o prefeito sabe o que os cortes mais recentes significam para sua cidade: ainda mais desemprego e rombos maiores no orçamento municipal. Ele nem sequer tem dinheiro para reparar os sistemas de aquecimento quebrados nos edifícios municipais, diz Sagramola. Os funcionários da Indesit temem que as demissões anunciadas recentemente sejam seguidas em breve pelo próximo passo: a total interrupção da produção na Itália.
Mas o que protestos, lágrimas e orações podem fazer contra a produção e as condições de investimento que simplesmente não são mais competitivas no contexto internacional? Os salários não são o problema. Eles são 15% mais baixos do que os salários belgas e franceses e 30% menores do que os salários na Alemanha, de acordo com uma comparação atual do Banco da Itália. Mas, de acordo com a Confindustria, a economia italiana enfrenta uma carga tributária 20% maior do que a da Alemanha. E os custos de um trabalhador são cerca de 30% maiores do que os níveis alemães, dizem funcionários do banco central.
Os bancos, com medo de falências, estão cortando o crédito comercial. Mesmo que o governo não esteja pagando suas contas, com várias centenas de bilhões de euros em obrigações financeiras pendentes atualmente. É uma situação perigosa, especialmente para as pequenas empresas.
Afundando mais
Se não houver uma mudança fundamental, o país irá à falência, temem economistas como Clemens Fuest, presidente do Centro para Pesquisa Econômica Europeia (ZEW), na cidade de Mannheim, no sudoeste da Alemanha. O ciclo vicioso de recessão, desemprego e declínio constante de poder aquisitivo está afundando cada vez mais o país mediterrâneo na crise.
Mais de 8 milhões de italianos já vivem abaixo da linha da pobreza, inclusive muitos que ainda estão empregados. O instituto de pesquisa CGIA em Mestre, perto de Veneza, descobriu que uma em cada duas empresas de pequeno porte só consegue pagar seus funcionários em parcelas. Três em cada cinco empresas são obrigadas a tomar empréstimos para pagar suas altas contas tributárias.
Os esforços para introduzir reformas por parte do chamado governo de especialistas, liderado pelo economista e ex-comissário europeu Mario Monti, fizeram pouco para aliviar os problemas. Monti, que assumiu o país de Silvio Berlusconi em novembro de 2011, mostrou-se adepto dos primeiros socorros, conseguindo derrubar as taxas de juros perigosamente altas que incidiam sobre a dívida soberana italiana. Ele também pressionou uma reforma da previdência, que aumentou a idade de aposentadoria para 66 anos. Monti também melhorou as receitas do governo, aumentando ainda mais os impostos.
Mas os problemas estruturais do país permaneceram. Eles incluem, além da carga tributária, uma burocracia excessiva que obstrui quase toda a atividade econômica, um sistema judiciário ineficiente que impede potenciais investidores com julgamentos que podem durar décadas, um nível de educação relativamente baixo e uma infraestrutura precária caracterizada por ruas esburacadas, fornecimento de energia sujeito a falhas, trens constantemente atrasados e redes de comunicação ultrapassadas.
Como resultado, a Itália continua ficando para trás internacionalmente como um lugar para investir. Ela está agora em 44º lugar na classificação do Centro de Competitividade Mundial (CMI), abaixo das Filipinas, Letônia, Rússia e Peru, e apenas ligeiramente acima de Espanha e Portugal.
Retirada do euro?
Melhorar a situação não será uma tarefa fácil. Num relatório de 26 páginas encomendado pelo presidente italiano, quatro "homens sábios" da arena política da Itália listaram recentemente as reformas necessárias. Mas poucas de suas propostas eram novas. Em seu relatório sobre a Itália, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também incluiu um grande número de sugestões, como reformas no mercado de trabalho. Ela também exortou o governo a reduzir os gastos em vez de constantemente aumentar os impostos. Mas foi em vão.
Há poucos dias, o primeiro-ministro Letta divulgou um amplo pacote de propostas de reforma. Mas é questionável se elas serão implementadas um dia. Nada está acontecendo, o país está em um impasse, queixa-se o presidente do Banco da Itália Ignazio Visco. Ele diz que o país "já está 25 anos para trás".
Verdadeira aflição da Itália, no entanto, é a política. "La Casta", como os italianos se referem com desdém à liderança em Roma, é em parte corrupta e em parte ideologicamente teimosa e, principalmente, não se dispõe a fazer concessões. Até o atual governo parece incapaz de buscar a reforma.
A única razão pela qual a direita e a esquerda profundamente hostis uniram forças é que não havia outra solução depois das eleições na primavera. Berlusconi rejeita o que "os comunistas" querem, e a esquerda se sente da mesma maneira sobre Berlusconi. Especialistas como o presidente da ZEW Fuest temem que a situação signifique inevitavelmente que a porcentagem da dívida da Itália continue subindo.
Populistas como Berlusconi e o fundador do movimento de protesto "Cinco Estrelas", Beppe Grillo, não são os únicos que defendem a mais radical de todas as soluções para os problemas da Itália. O país tem "muita vitalidade e um grande potencial", diz o economista norte-americano e assessor de política Allen Sinai, mas só pode se beneficiar dessas forças "retirando-se do euro".
Tradutor: Eloise De Vylder

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