quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Negros Heróis: histórias que não estão no gibi

O projeto

Quantos vezes você viu um negro ser representado como herói? Se a história é repleta de negros e negras brilhantes, por que eles geralmente ocupam o papel dos vilões ou subalternos? Por que seus atos heroicos e de bravura costumam ser ignorados pelos livros de história e não chegam aos holofotes da grande mídia?
Enviado por Roniel Felipe para o Portal Geledés
Esses foram alguns dos questionamentos que serviram de inspiração para a criação de “Negros Heróis: histórias que não estão no gibi”. Lançada em 2013, a obra de jornalismo literário que narra a trajetória de dois brasileiros notáveis está de volta. Desta vez, a publicação depende da sua colaboração. O livro é composto por 196 páginas e divido em duas partes que, juntas, retratam mais de um século de história. Personagens como Juscelino Kubitschek, Hilda Hist, Abdias Nascimento, Dom Hélder Câmara, Adolph Hitler, os Panteras Negras e momentos marcantes como guerras, revoluções e eclosão de movimentos político-sociais compõem a obra baseada em fatos verídicos das vidas de Laudelina de Campos Melo Antonio Carlos Santos Silva, o TC.
Mas, afinal, quem são eles?

O terror das patroas
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Filha de uma escrava doméstica, desde cedo, Laudelina de Campos Melo deu mostras que não toleraria o racismo. Tanto que, aos 9 anos de idade, partiu para cima de um capataz que ameaçou chicotear sua mãe. Nascida em 1904, na cidade de Poços de Caldas, Laudelina também fez história em Santos e São Paulo. A graciosa mineira, que adorava colares de pérolas, dedicou sua vida à realização de um sonho: fazer com que as empregadas domésticas, muitas vezes tratadas como escravas, conquistassem direitos trabalhistas. Pelos seus ideais, alistou-se como voluntária da brigada militar santista durante a Segunda Guerra Mundial, após ler Mein Kampf (Minha Luta), livro de Adolph Hilter proibido por Getúlio Vargas. Durante décadas, ela não se apequenou diante das ameaças machistas e desafiou a elite de Campinas (cidade do interior de São Paulo), nos anos 1950 e 1960. Suas ações, como reunir mulheres negras para fazer piqueniques em praças onde apenas brancos costumavam frequentar, atraíram a atenção dos jornais; tanto que Laudelina ficou conhecida como “O terror das patroas”.
Inconformada com a situação das meninas negras de Campinas – que não eram aceitas em alguns clubes e academias –, a espirituosa Laudelina usou seu carisma e influência para criar uma escola de bailados que também atendia crianças moradoras das ruas do centro. Debochada e valente, mesmo com pouco estudo,não se intimidou diante de nomes como Juscelino Kubitschek, Jarbas Passarinho e Orestes Quércia. Guerreira é um adjetivo que resume bem o caráter intempestivo e único que fez de Laudelina uma das mulheres negras mais importantes da história contemporânea do Brasil. Muitas das conquistas que as classe das empregadas domésticas hoje desfrutam têm relação direta com a luta da mineira.
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“Sempre que eu pegava o jornal, tava assim: ‘Precisa-se de uma empregada, prefere-se portuguesa. Precisa-se de uma cozinheira de forno e fogão, prefere-se branca’. Falei: ‘Eu vou acabar com essa coisa’.”
“E se você engravida do seu patrão? Você não tem estabilidade, você não tem marido, já pensou? Você vai ser marginalizada até no seu emprego que, apesar de não prestar, de ser o que é, é o que tá aí. É o que dá sustentação.”

O baobatizador digital
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Fruto da união entre uma cozinheira e um manobrista viajante, Antonio Carlos Santos Silva, o TC, deu seu primeiros passos em um insalubre cortiço de Campinas. No entanto, foi no bairro industrial São Bernardo que o menino aprendeu os primeiros acordes e mostrou uma intimidade surpreendente com instrumentos musicais. Também foi nessa época que ele vivia no Congo (a forma que, futuramente, TC chamaria o bairro São Bernardo) descobriu o racismo. Na escola, percebeu que os meninos negros eram obrigados a sentar no fundo da sala de aula e não tinham direito de fazer perguntas. Caso o fizessem, eram repreendidos pela mestra que, prontamente, os mandava calar a boca. Assim, ele se tornou um menino problemático e revoltado. Contudo, sua vida tomou novo rumo quando, ao lado da mãe, Dona Geralda, TC foi passar um tempo em um quilombo mineiro onde se encantou pela harmonia e o respeito que imperava naquele lugar dos pretos e pretas velhas sapientes. Lá, começou a entender a sua relação com a ancestralidade africana. Quando se tornou adulto, TC já era um músico de mãos cheias e, ao lado da mãe e das irmãs, deixou o bairro São Bernardo e mudou-se para a Vila Bela, um temido bairro popular marcado pela criminalidade.
Durante os anos de chumbo da ditadura militar, ao lado de outros jovens negros descontentes com o mito da democracia racial, TC integrou o Grupo Evolução, trupe de artistas formada por operários que cursavam o supletivo. Juntos, viajaram pelo Brasil debatendo e tocando em um assunto que, até hoje, muitas pessoas evitam falar: o mito da democracia racial. Por inúmeras vezes, sofreram a repressão dupla – afinal, eram idealistas e, ainda por cima, negros. No meio dá década de 1970, mais uma mudança: TC deixou Campinas e foi viver na capital. Após influenciarem na fundação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, o MNUCDR, em 1978, TC e o Grupo Evolução tomaram rumos distintos. Enquanto a trupe foi desfeita, TC não abandonou o ativismo. No início dos anos 1990, ele voltou seu esforços à Casa de Cultura da Vila Castelo Branco, a antiga Vila Bela, que recebeu novo nome em homenagem ao primeiro presidente da era militar. TC tinha a missão de dar aos meninos e meninas outra opção de vida que não fosse o crime. Foi nesse momento que o homem alto de cabelo rastafari ganhou um novo sonho: um ponto de cultura onde a ancestralidade, a arte e a tecnologia caminhassem de mãos dadas. Por esse sonho, TC se viu em uma injusta disputa de queda de braço que envolvia políticos, ameaças e muitas incertezas.
“Um dia a gente saiu da escola e, na frente do Palácio de Justiça, começamos a falar da situação de a gente ser minoria, de não estarmos presentes na mídia, nas revistas, nos meio de comunicação. Quando falavam da história da gente, só falavam que a gente tinha sido escravo.”
O autor
autor
Graduado em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Roniel Felipe colaborou como repórter nas revistas Raça Brasil e Aventuras na História, e teve seus trabalhos fotográficos mostrados em publicações de peso como Exame, Info, Você S/A, Yoga Journal Brazil, dentre outras; além de jornais como Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo. Estreou como escritor em 2013, com Negros Heróis: histórias que não estão no gibi e, em 2015, foi responsável por mais duas obras: Contos Primários de um Mundo Ordinário, projeto de financiamento coletivo que teve êxito em apenas duas semanas, e o livro “Mudando a Rotina para Exercer Cidadania”. Hoje, além da literatura independente, o campineiro trabalha com projetos sociais e coordena parte da comunicação da ONG Projeto Gente Nova, entidade que trabalha com crianças e adolescentes da periferia (da qual foi educando durante a infância) e desenvolve trabalhos voltados à cultura negra. Roniel também é fotógrafo da Cia. Os Crespos e também comanda uma oficina de fotografia direcionada a adolescentes que se encontram em regime de liberdade assistida. (foto: Bruno Silva)
“É lógico que, à princípio, a ideia de Negros Heróis agrada o público afrodescendente. No entanto, após a primeira edição do livro, posso dizer com certeza que as histórias de Laudelina e TC encantaram pessoas de etnias, níveis sociais e religiões diferentes. Considero-me privilegiado pela oportunidade de dar luz a trajetórias de pessoas que, embora desconhecidas do grande público, são exemplos de garra, integridade e perseverança.”
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