segunda-feira, 25 de junho de 2012

A delicada polêmica em torno dos pedágios urbanos



Apresentada em São Paulo por vereador do DEM, proposta resgata sucesso de outras metrópoles, ao restringir automóveis. Mas como adotá-la em cidade que não oferece transporte coletivo digno às maiorias?
Por Victoria Broadus, no Mobilize Brasil
“São Paulo vai parar”, é o que mais se ouve dos paulistanos, reféns de um trânsito sempre caótico. A hora do rush ocupa boa parte do dia dos trabalhadores da capital, que passam em média uma hora e cinco minutos para chegar ao trabalho e uma hora e dez para voltar, de acordo com dados recentes da São Paulo Transporte (SPTrans).
E esse fenômeno vem sendo replicado em outras grandes metrópoles como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Recife, no que o especialista em planejamento urbano Ricardo Corrêa chama de um processo de “sãopaulificação”. Com 680 veículos licenciados por dia, é bem provável que São Paulo estará diante do colapso, se os governantes não tomarem medidas urgentes.
Uma solução que ao menos mitigaria o problema é a “tarifação do congestionamento”, ou pedágio urbano municipal, que a nova Lei de Mobilidade Urbana vai permitir. A medida está prevista no Projeto de Lei 316/2010, do vereador Carlos Apolinário (DEM), em tramitação na Câmara dos Vereadores de São Paulo e aprovado no mês de abril (25) pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa.
Pela lei, seria autorizado cobrar os motoristas pelas “externalidades por eles geradas”, tal como congestionar as ruas. A taxa proposta é de R$ 4 para entrar ou sair da área em torno do perímetro onde vigora o rodízio municipal de veículos (centro expandido). A receita seria investida em transporte público.
Vários lugares do mundo utilizaram com sucesso este mecanismo de controle do automóvel, como Singapura (1975), Londres (2003) e Estocolmo (2006). Nessas três cidades, a taxa foi instituída com resultados positivos: redução do congestionamento de 10 a 30%, e em alguns casos, com a redução sendo mantida ao longo dos anos, até mais.
Em Londres e Estocolmo, até 50% das pessoas que deixaram de trafegar de carro migraram para o transporte coletivo, aumentando assim a receita desses sistemas. Em Cingapura, houve aumento no número de pessoas transportadas por carro (para quatro ou mais passageiros), nos deslocamentos um tempo antes ou após o horário da cobrança. Mais recentemente, cidades como Milão, na Itália, Oslo, na Noruega, e Durhan, na Grã-Bretanha, também começaram a cobrar pelo congestionamento.
Já em São Paulo e na grande maioria das cidades brasileiras, a percepção é de que não estamos prontos para adotar essa política. A cultura do carro predomina no país, é arraigada e mesmo apoiada pelo governo (leia-se: bancos nacionais como a Caixa Econômica Federal continuam reduzindo juros e aumentando parcelas para a compra do automóvel). Além disso, falta um sistema de transporte coletivo eficiente e abrangente, e um nível mínimo de confiança da população no poder público.
Para Orlando Strambi, professor de Engenharia de Transportes da Poli-USP, a falta desses fundamentos impede que a cidade de São Paulo tenha condição adequada para cobrar pelos seus congestionamentos. Segundo ele, uma política de tarifação de congestionamento “não teria chance de ser aceita numa cidade que não oferece boas alternativas para os cidadãos, como ônibus rápido, metrô, e ciclovias”.
Já para o planejador urbano Thiago Guimarães, o fenômeno da “deslegitimização das ações do estado pelo próprio estado” é algo que afeta São Paulo e a maioria das cidades brasileiras. “Se o poder público diz que a receita da taxa de congestionamento vai ser usada para melhorar o sistema de transporte público, quem vai acreditar nessa promessa?”, dispara Guimarães. Para entender o fenômeno, basta lembrar a já abolida taxa do CPMF, cuja destinação (para a área da saúde) foi completamente desvirtuada ao longo de sua vigência.
O professor da Politécnica da USP vai além: para ele, o valor atualmente que vem sendo proposto para essa taxa – 4 reais – não só é pouco para mudar o comportamento do motorista, como também a arrecadação total seria insuficiente para dar conta de melhorar o sistema de transporte público de uma cidade como São Paulo, que necessita entre R$1 bilhão e R$2 bilhões por ano.
Apesar das críticas, nenhum dos especialistas ouvidos pelo Mobilize é contra a adoção de uma receita destinada à melhoria do transporte, e também de espaços públicos na cidade. Todos concordaram que este tributo poderia ajudar, por exemplo, na construção de um novo parque ou ciclovia, e na instalação de faixas exclusivas de ônibus. Mas, senso comum, é que para seguir os passos de cidades como Londres, Estocolmo e Milão, as cidades brasileiras teriam primeiro que criar condições básicas para a instituição de tal política.
No caso de São Paulo, haveria necessidade da melhoria efetiva do sistema de transporte coletivo. Além disso, exigiria um esforço político para combater a cultura de idealização do carro e para aumentar a confiança no poder público.
Ao lado da política de tarifação, os especialistas apontam outros métodos de mitigação do problema, não necessariamente ligados diretamente ao transporte. Por exemplo, o urbanista Ricardo Corrêa observa que o centro expandido de São Paulo concentra 43% das vagas de emprego da cidade, porém, apenas 13% da população residente. Uma maneira de melhorar as condições no trânsito seria adotar políticas de desenvolvimento, diz ele, que distribuíssem melhor os centros comerciais e de negócios pelos 96 distritos da cidade, de modo que o local de trabalho do paulistano ficasse próximo à sua residência.
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