sábado, 20 de julho de 2013

Bangladesh dividida e assombrada pelas atrocidades da guerra


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O veredicto estava sendo esperado há 42 anos. Na segunda-feira (15), Ghulam Azam foi condenado a 90 anos de prisão por ter organizado milícias e planejado as atrocidades cometidas contra aqueles que lutaram, em 1971, pela independência de Bangladesh. Os nove meses de guerra com o exército paquistanês fizeram entre 500 mil e 3 milhões de mortos. Ghulam Azam, 91, foi reconhecido culpado de incitação ao homicídio e cumplicidade em genocídio pelo Tribunal Internacional de Crimes (ICT), criado em 2010 em Dacca. Ele escapou da pena capital por causa de sua idade e de sua saúde, disseram os juízes.

Julien Bouissou
Em fevereiro, uma multidão marchou pelos arredores de tribunal em Dacca (Bangladesh) para exigir pena de morte para o islamita Delawar Hossain Sayedi, um dos líderes do partido radical Jamaat-e-Islami, por seu envolvimento em crimes na guerra de 1971
Em fevereiro, uma multidão marchou pelos arredores de tribunal em Dacca (Bangladesh) para exigir pena de morte para o islamita Delawar Hossain Sayedi, um dos líderes do partido radical Jamaat-e-Islami, por seu envolvimento em crimes na guerra de 1971
O patriarca, figura da vida política bengali, liderou o maior partido islamita do país, o Jamaat-e-Islami, até 2000. Esse partido foi descrito, na sentença emitida na segunda-feira, como uma "organização criminosa" que deveria ser afastada da vida pública. Nas horas que se seguiram ao veredicto, houve confrontos entre militantes e a polícia, que resultaram em três mortos.
A ala laica adversária, que esperava a pena de morte para Ghulam Azam, também expressou sua decepção e foi protestar nas ruas de Daca. Em um editorial publicado na terça-feira, o jornal "Daily Star" foi um dos poucos a esperar que o veredicto fosse "esclarecer um dos capítulos mais sombrios da história do país". Longe de apaziguar a sociedade bengali, os julgamentos dos crimes de guerra na verdade reacenderam as tensões e as feridas herdadas da independência. O combate mudou de natureza, mas a linha divisória continua a mesma, entre os laicos e os islamitas.
Provas suspeitas
Para "esclarecer" as atrocidades cometidas durante a guerra da independência ainda seria preciso que o processo corresse em total imparcialidade. Mas, desde que foi criado, em 2010, o ICT foi continuamente contestado. De "internacional" ele só tem o nome, uma vez que não é supervisionado por nenhuma instituição internacional. Os procuradores e juízes que foram nomeados para o tribunal são considerados próximos do atual governo.
Juristas do mundo inteiro lamentam o fato de que esse tribunal não possa ter se beneficiado do conhecimento acumulado durante julgamentos similares em outros continentes. Mas, após sua vitória em 2008, a Liga Awami de Bangladesh (socialdemocrata), oriunda do movimento independentista, privilegiou a rapidez dos julgamentos em detrimento da equanimidade. Para os observadores estrangeiros, a preparação deles foi apressada. Os procuradores só tiveram poucos meses para reunir as provas, e algumas delas eram suspeitas. "Os testemunhos indiretos foram considerados válidos, assim como artigos de imprensa da época, que eram parciais e baseados em rumores. As provas foram aceitas sem serem recolocadas no contexto da época", lamenta um observador estrangeiro, em condição de anonimato.
A imparcialidade dos julgamentos foi seriamente questionada após as revelações feitas em 2012 pela revista "The Economist", sobre uma troca de e-mails entre o presidente de um tribunal, membros do governo e um advogado da acusação. Essas correspondências indicam claramente a pressão exercida pelo governo sobre o ICT. "Um julgamento sob influência política dificilmente pode tranquilizar as consciências do país. Perdeu-se uma oportunidade histórica de reconciliar o país com sua memória", constatou uma outra jurista estrangeira.
"Julgamento serviu de catarse"
Apesar de todos esses obstáculos, ao menos testemunhos sairão do silêncio de chumbo dos últimos 40 anos. Pela primeira vez em Bangladesh falou-se publicamente dos "bebês da guerra", colocados no mundo por algumas das 250 mil bengalis estupradas, muitos deles adotados no exterior. As vítimas de estupro tiveram de desenterrar dolorosas lembranças para testemunhar a portas fechadas, assumindo o risco de serem repudiadas por suas famílias ou maridos.
Pela primeira vez, aqueles que lutavam contra a independência e pelo anexamento do Bangladesh ao Paquistão, em nome do islamismo, reconheceram as atrocidades de 1971, sem, no entanto, admitir sua responsabilidade. Esclareceu-se então a lembrança das horas sombrias do país. "Nenhum julgamento consegue ser perfeito. Mas precisávamos aliviar nossas memórias. Esse julgamento serviu de catarse", afirma Mofidul Hoque, um dos diretores do Museu da Guerra da Independência, situado em Daca.
Os julgamentos dos criminosos de guerra estão longe de terminar. Cinco foram condenados à pena de morte ou à prisão perpétua, sendo dois à revelia. Outros oito aguardam julgamento. Todos fazem parte da oposição. Mas, se a Liga Awami perder as eleições previstas para o início de 2014, seus partidários poderão acabar no banco dos réus por outros crimes de guerra. Os procuradores de hoje poderão se tornar os acusados de amanhã.
A guerra de 1971 continua a corroer a vida política de Bangladesh.
Tradutor: UOL

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