sábado, 27 de julho de 2013

DOMINAÇÃO SEM SUJEITO


SOBRE A SUPERAÇÃO DE UMA CRÍTICA SOCIAL REDUTORA

Robert Kurz
Um dos vocábulos mais diletos da crítica social da esquerda, tagarelado com a inadvertência da obviedade, é o conceito de "dominação". Os "dominantes" foram e são tidos em inúmeros tratados e folhas volantes como grandes e universais malvados difusos, a fim de explicar os sofrimentos da sociabilização capitalista. Essa moldura é aplicada retrospectivamente a toda história. No jargão especificamente marxista, esse conceito de dominação amplia-se no de "classe dominante". O entendimento de dominação recebe dessa maneira uma "base econômica". A classe dominante é a consumidora da mais-valia, da qual ela se apropria com astúcia e perfídia e, é claro, com violência.
Salta aos olhos que a maioria das teorias da dominação, inclusive as marxistas, reduzem o problema de modo utilitarista. Se há apropriação de "trabalho alheio", se há repressão social, se há violência aberta, então é para uso e proveito de uma pessoa qualquer. Cui bono - a isto se reduz a problemática. Uma tal consideração não faz jus à realidade. Mesmo aconstrução das pirâmides dos antigos egípcios, que devorou uma parte não insignificante do mais-produto dessa sociedade, não se deixa remontar à força a uma perspectiva do desfrute (puramente económico) de uma classe ou casta. A matança recíproca dos diversos "dominantes", por razões de "honra", fica notoriamente de fora de todo simples cálculo de utilidade.
A redução da história humana a uma luta infinita por "interesses" e "vantagens", travada por sujeitos imbuídos de um árido egoísmo utilitário, (l) simplesmente abrevia ou distorce muitos dos fenômenos reais para que possa pleitear um decisivo valor explicativo. A idéia de que tudo o que não se resolve no cálculo utilitário subjetivo é mera roupagem de "interesses" sob formas religiosas ou ideológicas, instituições ou tradições, torna-se ridícula quando o gasto real com essa pretensa roupagem supera em muito o núcleo substancial do suposto egoísmo. Muitas vezes se tem antes de dizer o contrário: que os pontos de vista do egoísmo, se é que podem ser reconhecidos, representam uma mera roupagem ou uma mera exterioridade de "algo diverso" que se manifesta nas instituições e tradições sociais.
Ora, poder-se-ia dizer que aqui existe simplesmente um típico anacronismo do pensamento burguês. Uma constituição e um modo de pensar capitalistas, isto é, próprios à sociedade moderna, são impingidos às épocas pré-modernas, cujas verdadeiras relações não são com isso apreendidas. Isto significaria que a redução da dominação ao egoísmo e à luta de interesses seria válida pelo menos para a modernidade burguesa, em cujo solo brotou essa própria forma de pensamento. De fato, não se há-de negar que o aspecto externo das sociedades modernas, inclusivé a psique dos homens "que ganham dinheiro", parece resolver-se no egoísmo abstrato.
Porém justamente o caráter abstrato desse "proveito", para além de todas as necessidades sensíveis, é ao mesmo tempo o que desmente essa superfície. Se o egoísmo moderno é retraduzido para o plano sensível das necessidades, ele ganha com isso algo de fantasmagórico, de puramente irracional. Paradoxamente, o egoísmo, do modo como é posto na forma-dinheiro totalizada, parece ser algo perfeitamente autonomizado em relação aos indivíduos e sua "singularidade". Esse carácter alheio do interesse, que em hipótese é imediatamente egoísta, permaneceu ainda encoberto na fase histórica da ascensão do capital, quando o egoísmo de constituição moderna ainda não se separava por inteiro do conteúdo sensível da riqueza. Poderia parecer então que o egoismo era realmente a simples forma da luta pelo ("escasso") mais-produto material, e como se isso fosse um fundamento comum a toda a história até hoje, que só na modernidade capitalista foi simplificado ao extremo e por fim descoberto como tal.

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