sábado, 13 de julho de 2013

Publicidade infantil: uma análise de táticas persuasivas na TV aberta

votar
Embora haja um forte debate sobre a ética e os efeitos da publicidade veiculada na mídia televisiva, ainda se conhece pouco sobre esses fenômenos em relação ao público infantil. Esta pesquisa teve como objetivo investigar o uso de estratégias persuasivas voltadas para o consumo infantil na mídia, com base na literatura científica de influência em psicologia social. A avaliação de 182 peças publicitárias veiculados nos intervalos comerciais de um programa infantil de elevada audiência da televisão aberta, duas semanas antes do Dia das Crianças, revelou como principais táticas dos anunciantes a definição de um critério de decisão pela criança, simular consenso social, contar história e modelagem social. O trabalho discute as implicações dos resultados para a realidade de consumo infantil no Brasil e para o subsídio de intervenções voltadas para a educação e para a promoção do consumo responsável.

Fabio Iglesias, Lucas Soares Caldas E Stela Maria Santos De Lemos
As estratégias de persuasão na mídia voltada para o consumo têm se apresentado cada vez mais complexas. Com o advento da Internet, televisão e outras fontes acessíveis de informação, essa influência alcança todas as classes e tipos de consumidores, das formas mais diversas e frequentemente sutis (Giles, 2010). No caso do público infantil, no entanto, a mídia lança mão de estratégias voltadas não somente para as próprias crianças, como também para seus pais, responsáveis e cuidadores, isto é, em última instância, os que definem a escolha e aquisição dos produtos e serviços anunciados.
A legislação que regula a mídia voltada para o público infantil no Brasil ainda é limitada, especialmente se comparada a de países europeus e da América do Norte (Instituto Alana, 2009). Hartung (2010) defende que a falta de ética do marketing brasileiro voltado para crianças é uma prática abusiva e que já pode ser caracterizada como ilegal. Com filhos crescendo sob influência de uma mídia persuasiva, é fundamental que os pais aprendam e possam transmitir estratégias para resistir ao marketing, especialmente quando ele é enganoso (Boush, Friestad, & Wright, 2009), sem que dependam exclusivamente das ações de regulação governamental. Nessa perspectiva, Mick (2006) iniciou um movimento na área de comportamento do consumidor conhecido como pesquisa transformativa (transformative consumer research), que envolve a produção e divulgação ampla de conhecimento aplicável a problemas reais enfrentados pelo consumidor.
Com essa mesma orientação pró-consumidor e dada a necessidade de gerar dados consistentes para fomentar não somente discurso, mas medidas necessárias à promoção e à proteção dos direitos da criança brasileira frente ao marketing, o objetivo desta pesquisa foi investigar o uso de táticas persuasivas na TV aberta, verificando-se sua ocorrência e associação ao tipo de produto, sexo-alvo, duração e repetição das mensagens. Considerando o contexto de anúncios voltados para a criança e a maneira como são repetidamente veiculados nas semanas que antecedem o feriado do Dia das Crianças, esse período foi selecionado como foco de análise. Destaca-se que no Brasil a produção acadêmica em ciências sociais e humanas tende a enfatizar muito mais os estudos críticos e interpretativos sobre os problemas associados à publicidade (Sampaio, 2004). Este trabalho visou a produzir, por outro lado, elementos empíricos que sejam representativos e mais sistematizados, na interface de análises quali e quantitativas, baseando-se em referenciais teóricos tipicamente associados à pesquisa empírica da literatura de influência social, adequados à realidade brasileira.
O público infantil está especialmente vulnerável ao marketing, por sua dificuldade em perceber a intenção persuasiva que motiva a propaganda. Crianças de até seis anos não reconhecem a diferença entre um programa de televisão e uma peça publicitária, enquanto crianças com até 12 anos não são capazes de compreender com clareza o objetivo de uma propaganda, nem de perceber sua(s) estratégia(s) de persuasão para o consumo (Andronikidis & Lambrianidou, 2010). Por outro lado, há evidências de que a credibilidade atribuída às propagandas diminui com a idade (D'Alessio, Laghi, & Baiocco, 2009; Priya, Baisya, & Sharma, 2009). Os comportamentos de consumo infantil são, portanto, constantemente influenciados por estratégias eficazes de marketing que podem gerar diversas consequências indesejáveis. A quantidade de televisão vista pelas crianças tem sido considerada, por exemplo, um fator de risco para o seu sobrepeso (Mondini et al., 2007), devido principalmente ao aumento da ingestão de alimentos enquanto se assiste à TV e em função de uma maior exposição à publicidade televisiva de alimentos não saudáveis ​​que podem afetar as escolhas alimentares (Centers for Disease Control and Prevention, 2011; Instituto Alana, 2009). Destacam-se também, por sua importância social e econômica, os efeitos nas relações familiares entre pais e filhos (Brito, 2005; Hennigen & Guareschi, 2002), o preconceito (Mastro, 2009), a erotização precoce e o consumismo excessivo (Instituto Alana, 2009; Netto, Brei, Flores-Pereira, 2010), o endividamento e, não menos importante, o engano propriamente dito das táticas persuasivas.
As táticas de influência social
Influência social é definida como o processo em que os pensamentos, sentimentos e comportamentos de uma pessoa são afetados por uma outra pessoa ou por um grupo (Forgas & Williams, 2001). É um fenômeno transversal que se expressa por diversas formas, tais como a obediência, a conformidade, a atração interpessoal e a identificação. Uma dessas formas se configura como persuasão, quando um agente tenta mudar intencionalmente a atitude ou o comportamento de outras pessoas, sem que haja coesão ou qualquer relação de poder entre as partes (Perloff, 2010). Quando se analisa a publicidade voltada para promover um determinado consumo, portanto, deve-se referir a estratégias persuasivas, como objetivo final de uma série de táticas específicas de influência social.
Cialdini (1998) argumenta que grande parte da influência social acontece por meio de respostas automáticas de quem é influenciado e que as pistas que eliciam essas respostas podem ser identificadas em diferentes culturas quando se tem o intuito de estimular pessoas a atender ou concordar com um pedido. Embora haja uma pletora dessas táticas de influência usadas nos mais diversos contextos, Pratkanis (2007) fez um minucioso levantamento de fenômenos investigados empiricamente há mais de um século na psicologia social, resultando em um índex com 107 táticas, classificadas em quatro categorias. Essas táticas podem estar presentes nos mais diversos contextos e não envolvem necessariamente uma tentativa explícita ou direta de persuasão. Também não há necessidade, em todas as táticas, da intenção persuasiva do agente para que o efeito efetivamente ocorra. Pratkanis organizou esse índex com bases em características que as classificam como referentes à ambientação, a relações sociais, à efetividade da mensagem e a emoções.
A primeira categoria inclui táticas para estabelecer um ambiente favorável, consideradas aquelas mais indiretas e preparatórias. Um exemplo típico no contexto de consumo no varejo é apresentar ao consumidor duas opções de produto, sendo que uma das opções é o produto que se deseja realmente vender, enquanto a outra é uma opção de visível baixa qualidade. Ao ser apresentada a essas duas opções, a pessoa tem a ilusão de ter uma diversidade para decidir, mas tenderá a escolher a opção intencionalmente enviesada pelo vendedor. Outra forma de estabelecer um ambiente favorável é através da metáfora, pois o seu uso pode restringir e focar o pensamento sobre um assunto, impactando, assim, como essa questão será decidida (Sopory & Dillard, 2002). Da mesma maneira, é possível utilizar perguntas orientadoras que sejam retóricas ou enganosas, pois estruturam a informação e implicam determinadas respostas ou soluções desejáveis.
A segunda categoria inclui as táticas que dependem de relações sociais para serem efetivas, fazendo uso direto de outros processos de interação interindividual ou grupal. Um exemplo dessa categoria é o político que se apresenta como uma pessoa semelhante a seus eleitores, pois ao fazer isto aumenta a identificação pública com ele e consequentemente o número de votos que receberá. Considerando que o comunicador é um elemento essencial de influência, destacam-se nessa categoria as táticas de parecer uma fonte credível, ou seja, apresentar-se como uma fonte especialista(Pratkanis, 2000); parecer uma autoridade atuante, já que o papel da autoridade induz à obediência (Bushman, 1984); e simular alto status de admiração, que faz com que as pessoas admirem a personagem, para que tentem se parecer ou se conformar com ela (Bickman, 1971).
A terceira categoria inclui táticas de efetividade da mensagem persuasiva, focadas na manipulação da própria forma de persuadir. Um exemplo dessa categoria é reduzir uma questão complexa a um slogan ou lugar-comum, para fazer a questão parecer simples e de solução óbvia. Uma das formas de manipular o efeito da mensagem é por meio da repetição, pois geralmente aumenta a credibilidade e a aceitação da comunicação pela mera exposição (Zajonc, 1968). Levar o público a imaginar também influencia a efetividade da mensagem persuasiva, pois imaginando a adoção de um curso de ação aumenta a probabilidade que esse curso de ação seja aprovado, sendo essa técnica conhecida tanto academicamente quanto profissionalmente como "imaginação vende" (Gregory, Cialdini, & Carpenter, 1982).
A quarta e última categoria inclui táticas emocionais, que recorrem aos sentimentos, emoções e atitudes para influenciar a decisão da pessoa a ser persuadida. Um exemplo dessa categoria é o vendedor que elogia continuamente o consumidor por suas escolhas e gostos, o que aumenta as chances de que ele compre o que é apresentado. Diametralmente oposta a essa tática, o apelo ao medo cria um estado aversivo e ao mesmo tempo sugere uma solução para esse medo. Isso pode ser feito ligando-se uma ação indesejada com consequências negativas, ou uma ação desejada à prevenção de um resultado negativo (Maddux & Rogers, 1983).
Apesar da facilidade com que se podem verificar essas táticas nas mais diversas situações interpessoais, apenas uma parte do índex de Pratkanis se mostra aplicável à análise de peças publicitárias veiculadas para crianças na televisão. Neste caso devem ser consideradas as características específicas da intenção de venda e da forma de comunicação audiovisual em um curto espaço de tempo, que normalmente fica restrito a cerca de meio minuto de exibição, e do público-alvo.
Método
O critério amostral do estudo foi definido como o período de duas semanas anteriores ao Dia das Crianças de 2010, excluindo-se os fins de semana, o que resultou em dez dias de programação infantil. O período selecionado tem, portanto, um importante valor comercial e sofre a influência direta do esforço publicitário. Em cada dia foram gravados os intervalos comerciais veiculados durante um programa de elevada audiência, inteiramente voltado para o público infantil e exibido por uma grande rede televisiva em sinal aberto no horário da manhã, a partir das 9h30. A programação foi gravada com auxílio de placa de TV e software apropriado. Ao longo dos dez dias foram registradas e analisadas ao todo 2 horas, 2 minutos e 39 segundos de publicidade, com uma média de cerca de 12 minutos de exibição por dia. A amostra foi composta por um total de 182 peças publicitárias (sendo 54 distintas) que foram identificadas como voltadas para o público infantil.
Procedimentos de coleta e análise dos dados
Foram utilizadas como operacionalização teórico-metodológica as táticas identificadas por Pratkanis (2007) em quatro categorias, como anteriormente descritas. Desse levantamento foram inicialmente selecionadas 21 táticas que se mostraram aplicáveis às peças publicitárias para crianças que foram registradas. No entanto, verificou-se nas primeiras análises piloto que seis táticas (associação, controlar o fluxo de informação, justificativas placebo, apelo vívido, distração e humor positivo e alegre) estão presentes em todos os casos, não constituindo efetivamente variáveis e por isso desconsideradas. A lista final, composta pela seleção de 15 táticas, foi utilizada para se verificar a frequência e associação em cada peça, considerando-se ainda outras variáveis como o tipo de produto, o sexo-alvo da peça, sua duração e repetição. As análises de classificação foram realizadas por três pesquisadores em um formato de check-list, de modo a se garantir a consistência dos julgamentos e constituir uma medida imediata de fidedignidade interjuízes. Testes do qui-quadrado foram utilizados, sempre que possível, para verificar as associações entre as frequências das variáveis.
Resultados
As peças publicitárias foram primeiramente categorizadas em função do sexo do público-alvo do produto anunciado. Verificou-se que a maior parte delas (42,6%) é destinada exclusivamente ao público infantil masculino, seguidos pelos que têm caráter unissex (35,2%) e dos dirigidos ao público feminino (22,2%). Dentre os anunciantes responsáveis pelas peças, o mais frequente foi o anunciante que é atualmente o maior produtor estadunidense de brinquedos e bonecas, com 30,2 % das propagandas, seguido de um produtor brasileiro (5,9%) e outro estrangeiro (5,6%). Todos os outros 13 anunciantes representaram, cada um, menos que 5% das peças publicitárias.
Considerando as frequências absolutas (n=182), as peças publicitárias mais exibidas foram de uma loja brasileira (n =10), um lanche de uma grande cadeia de fast-food (n=9), uma marca de bonecas (n=8) e um boneco para meninos (n=8), quando consideradas por modelo ou edição específica do produto. Entretanto, quando consideradas por tipo de produto, as peças publicitárias mais exibidas foram as do boneco para meninos (n=21), uma pista de carrinhos de corrida (n=19) e de bonecas (n=19).
Ao analisar a frequência das táticas de persuasão em cada unidade de análise, as que se mostraram mais presentes nas 54 diferentes peças analisadas foram: definição do critério de decisão (86,8%), consenso social (73,6%), contar uma história (69,8%) e modelagem social (64,2%), como pode ser observado na Tabela 1. A maior produtora de brinquedos, que anuncia as marcas mais famosas de bonecas e bonecos, não somente ocupou a maior parte do tempo das peças publicitárias como também fez o maior uso de táticas distintas. Seus produtos mostraram o maior uso combinado de táticas, liderando a frequência de uso entre os anunciantes em sete das técnicas analisadas, com destaque para definição do critério de decisão (34,8%), contar uma história (35,1%) e consenso social (30,8%). No caso do uso de definição do critério de decisão, a maior produtora estadunidense de bonecas possui uma linha específica, mas em sua mais recente edição as bonecas vêm com um dispositivo que deixa seu vestido com brilhos. Outras edições da boneca já foram lançadas e as crianças já devem tê-las adquirido, mas essa possui um novo acessório, ou seja, o atributo inovador que se apresenta como diferencial para o novo produto. No caso de uso de história, as bonecas são anunciadas como já tendo uma personalidade pronta, então tudo que acontece na propaganda é de acordo com a imagem que elas devem passar. No uso da técnica de consenso social, ele é simulado pela apresentação de outras personagens, amigas da boneca anunciada, que fazem as atividades junto com ela. Em outros casos, ao invés de haver um(a) narrador(a), apresenta-se um conjunto de vozes femininas infantis narrando o texto simultaneamente ou cantando em coro o jingle do anúncio; sendo que por vezes aparecem de corpo inteiro as meninas que de fato manipulam as bonecas, brincando juntas.
Ao se relacionar as frequências de utilização de cada uma das técnicas com a classificação dos produtos anunciados em função do sexo do público-alvo, verificou-se que a técnica de consenso social, quando presente, foi significativamente mais utilizada na publicidade voltada para meninas, χ2(1, N = 34) = 4,31, p < 0,05. Outras duas técnicas, embora não tenham revelado significância estatística com o critério de p < 0,05, também sugeriram uma relação com o sexo do público-alvo, considerando o chamado risco relativo entre as categorias da matriz analisada (Field, 2009). Dessa forma, pode-se especular que uma maior amostra revelaria mais uso da técnica de associação ao desejado e evitação do indesejado para meninas, χ2(1, N = 34) = 1,11; p = 0,29; e maior uso de repetição de uma mensagem para meninos, χ2(1, N = 34) = 2,20; p = 0,13. As demais possibilidades de associação não atenderam ao pressuposto de frequência mínima por células para cálculo do qui-quadrado (Siegel & Castellan, 2006).
Discussão
O objetivo desta pesquisa foi investigar o uso e frequência de táticas persuasivas para o consumo infantil na publicidade da TV aberta a partir de um programa inteiramente voltado para crianças. Considerando o período de veiculação selecionado, os dados puderam substanciar uma análise das táticas mais utilizadas, sua fundamentação na literatura de influência social em psicologia social e suas características no contexto brasileiro, além da associação a algumas outras variáveis, como o sexo do público-alvo.
Os resultados indicaram uma grande diferença no uso de táticas de persuasão entre as empresas anunciantes, o que sugere que elaboram diferentes e sofisticadas estratégias para a promoção de seus produtos, ainda que certas táticas mais fortes não tenham aparecido. Isso reflete a necessidade de avanços na regulação da publicidade voltada para crianças, devido à sutileza de algumas táticas e ao fato de ser praticamente impossível a criação de uma peça publicitária livre de algumas que se mostraram constantes. Tendo em vista esses aspectos, o estabelecimento de regras claras sobre o que é permitido em publicidade infantil e a sua aplicação tornam-se uma tarefa complexa. Contudo, a simples proibição radical da publicidade voltada para crianças não parece se apresentar como uma medida mais razoável e eficiente, embora seja defendido seriamente por algumas entidades (Instituto Alana, 2009). A simples proibição, assim como a simples liberação da publicidade infantil, podem acabar refletindo muito mais as posições ideológicas das partes envolvidas do que uma decisão empiricamente fundamentada. Boush, Friestad e Wright (2009) afirmam, por um lado, que todo o marketing persuasivo é intencional, sendo importante que haja uma constante regulação externa do marketing voltado para crianças. Já os anunciantes defendem que ela deve ser autorregulada, como no caso do CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), que criou o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária praticado desde a década de 1970.
A tática mais frequente na análise foi a de definir o critério de decisão, que apareceu em quase todas as propagandas. Ela é compreensivelmente utilizada pelos anunciantes ao se considerar que num mercado altamente competitivo o que pode fazer diferença na promoção de um produto é justamente o seu enfatizado (mas nem sempre verdadeiro) diferencial. No caso especial dos brinquedos, trata-se de enfatizar atributos ou funções que o distinguem do concorrente ou de suas próprias versões anteriores, procurando dotar a criança de um critério de decisão que não é realmente dela, mas definido pelo próprio anunciante. A propaganda voltada para os consumidores mais adultos também faz uso frequente dessa técnica, com casos anedoticamente associados, por exemplo, a marcas de pasta de dente, que têm todas basicamente a mesma fórmula química (Levine, 2003). Uma propaganda famosa, também veiculada em versão brasileira, argumentava que "não existe pasta de dente melhor que a nossa", o que é verdade se são todas iguais, mas isso distorce justamente o critério de decisão, dando a impressão de que ela é efetivamente melhor.
A segunda técnica mais identificada foi a de simular consenso social, pela apresentação contínua de várias crianças brincando com o mesmo produto, usando a mesma roupa anunciada ou cantando em coro o jingle do anúncio, especialmente no caso das meninas. Cialdini (1998) argumenta que essa é não somente uma tática específica, mas um princípio geral de influência que substancia muitas outras táticas, visto que o ser humano é essencialmente social e depende da percepção de normas sociais que descrevem o que os outros estão fazendo e o que é adequado fazer para se pertencer a um grupo. Como o comportamento gregário é fundamental para crianças, especialmente as menores, que dependem de interações sociais e processos de identificação na construção da identidade, a técnica se mostra poderosa e altamente eficaz nesse tipo de publicidade (La Ville & Tartas, 2010). Por extensão, o raciocínio também se aplica às demais táticas com frequência elevada, como a de contar uma história e a modelagem social.
Foi observado apenas um caso de uso da técnica de apelo ao medo e um caso de técnica de desarmamento de objeções, o que pode ser uma consequência positiva das políticas de autorregulamentação da publicidade e das ações da sociedade civil. Como analogia, o efeito dessa regulamentação tem sido claramente observado nas campanhas de prevenção no trânsito, que estão proibidas por lei de fazer alusão à anodinia (acidentes com sangue, fraturas e outras cenas chocantes). É de esperar alguns maiores avanços nessa discussão a partir da produção de dados empíricos como os aqui relatados, sem que se parta de um julgamento de valor já tendencioso, seja contra ou a favor da livre publicidade.
Como o anunciante que ocupou a maior parte do tempo de propagandas no período registrado também foi o que liderou o uso de mais de metade das 15 técnicas identificadas, isso é um indício de que algumas empresas detêm não somente amplos recursos financeiros, mas também um conhecimento sofisticado sobre persuasão e marketing. Embora não se saiba ao certo que tipo de pesquisa esses anunciantes ou agências de publicidade produzem diretamente com consumidores infantis, informação tratada até mesmo como segredo industrial, levanta-se uma questão relevante sobre ética, que mais uma vez envolve o problema da persuasão poder ser enganosa nesse contexto. Muitas vezes o marketing é percebido como algo necessariamente enganoso, mas isso ocorre apenas se suas ações consistem na tentativa de disfarçar, fabricar ou de alguma forma manipular informações factuais ou emocionais para persuadir o consumidor (Boush, Friestad, & Wright, 2009).
Deve-se notar que as associações estatísticas não puderam ser verificadas para todas as táticas, por exemplo, em relação ao sexo do público-alvo. Isso ocorre porque o teste do qui-quadrado, que compara frequências obtidas com frequências que seriam esperadas ao acaso, tem pressupostos para o número mínimo de ocorrências nas categorias possíveis das matrizes analisadas (Siegel & Castellan, 2006), o que nem sempre pôde ser atendido. Outro fator limitante a este tipo de análise é o fato de que algumas táticas ocorrem muito mais do que outras, independentemente do tipo de propaganda, sugerindo que não se associam necessariamente a características específicas.
Embora se pudesse esperar do primeiro ao último dia de registro uma tendência de aumento na frequência de propagandas infantis com a proximidade do Dia das Crianças, é importante levar em conta que o material foi coletado em 2010. Esse foi um ano em que o feriado coincidiu com o período de campanha eleitoral para o segundo turno das eleições, o que incluiu não somente a disputa presidencial como a disputa dos governos estaduais. Portanto, um tempo considerável das propagandas, apesar do horário ser tipicamente destinado ao público infantil, foi claramente influenciado e ocupado por chamadas dos partidos e candidatos políticos. A realização da pesquisa em outros anos poderia garantir dados ainda mais robustos sobre a publicidade infantil nesse período.
Considerações finais
A frequência elevada de táticas de persuasão é uma evidência de exposição de crianças a táticas sutis, contra as quais não têm ainda muita capacidade de resistência em função de seu desenvolvimento cognitivo (Oates, Blates, & Gunter, 2006). Não foi objetivo deste estudo apontar quais são as táticas possivelmente mais nocivas, devido à ausência de uma medida do efeito de cada tática separadamente, que dependeria de pesquisas controladas de laboratório e que envolveria procedimentos metodológicos complexos do ponto de vista ético. Em conjunto, os dados aqui analisados representam um esforço para a produção de pesquisa empírica na interface da psicologia com a área de comportamento do consumidor sobre o tema da persuasão, em um sentido que beneficie o próprio consumidor (Mick, Pettigrew, Pechmann, & Ozanne, 2011; Wänke, 2009). Contudo, novos estudos devem ser empreendidos de forma a se desenvolver uma agenda de pesquisa sobre essas estratégias e táticas, produzindo conhecimentos e tecnologias sociais voltadas para o auxílio e a proteção dos consumidores, de qualquer idade, nível socioeconômico e setor específico de consumo. Essa consideração é especialmente relevante no atual contexto brasileiro de crescimento econômico e aumento da demanda por consumo, que deve ser igualmente acompanhado de uma produção científica sistemática sobre o tema por parte da psicologia social.
Nota
1 Trabalho parcialmente baseado no relatório "Efeitos persuasivos da mídia: Uma análise das estratégias utilizadas pelas propagandas em programas infantis", realizado com bolsa de pesquisa da Agência de Notícias e Direitos da Infância (ANDI Comunicação e Direitos) e do Instituto Alana. Os conteúdos, reflexões e opiniões constantes deste trabalho, bem como do projeto que a ele deu origem, não representam, necessariamente, as opiniões dessas entidades.
Referências
Andronikidis, A. L. & Lambrianidou, M. (2010). Children's understanding of television advertising: A grounded theory approach. Psychology and Marketing, 27(4), 299-322. [ Links ]
Bickman, L. (1971). The effect of social status on the honesty of others. Journal of Social Psychology, 85, 87-92. [ Links ]
Boush, D. M., Friestad, M., & Wright, P. (2009). Deception in the marketplace: The psychology of deceptive persuasion and consumer self-protection. Nova York: Routledge. [ Links ]
Brito, L. M. T. (2005). De "papai sabe tudo" a "como educar seus pais": considerações sobre programas infantis de TV. Psicologia & Sociedade, 17(1), 48-55. [ Links ]
Bushman, B. J. (1984). Perceived symbols of authority and their influence on compliance. Journal of Applied Social Psychology, 14, 501-508. [ Links ]
Centers for Disease Control and Prevention (CDC). (2011). Children's food environment state indicator report, 2011. Acesso em 16 de janeiro, 2012, em http://www.cdc.gov/obesity/downloads/ChildrensFoodEnvironment.pdf [ Links ]
Cialdini, R. B. (1998). Influence: The psychology of persuasion. New York: Collins. [ Links ]
D'Alessio, M., Laghi, F., & Baiocco, R. (2009). Attitudes toward TV advertising: A measure for children. Journal of Applied Developmental Psychology, 30, 409-418. [ Links ]
Field, A. (2009). Descobrindo a estatística usando o SPSS. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Forgas, J. P. & Williams, K. D. (2001). Social influence: Introduction and overview. In J. Forgas & K. Williams (Eds.), Social influence processes: Direct and indirect influences (pp. 3-24). New York: The Psychology Press. [ Links ]
Giles, D.C. (2010). Psychology of the media. New York: Palgrave. [ Links ]
Gregory, W. L., Cialdini, R. B., & Carpenter, K. M. (1982). Self-relevant scenarios as mediators of likelihood estimates and compliance: Does imagining make it so? Journal of Personality and Social Psychology, 43, 89-99. [ Links ]
Hartung, P. A. D. (2010). A proibição legal da publicidade dirigida à criança no Brasil. Acesso em 16 de janeiro, 2012, em http://www.alana.org.br/banco_arquivos/arquivos/docs/biblioteca/
artigos/Proibicao_publicidade_infantil_PHartung.pdf [ Links ]
Hennigen, I. & Guareschi, N. M. F (2002). A paternidade na contemporaneidade: um estudo de mídia sob a perspectiva dos estudos culturais. Psicologia & Sociedade, 14(1), 44-68. [ Links ]
Instituto Alana. (2009). Por que a publicidade faz mal para as crianças. Acesso em 16 de janeiro, 2012, em http://www.alana.org.br/banco_arquivos/Arquivos/downloads/ebooks/por-que-a-publicidade-faz-mal-para-as-criancas.pdf [ Links ]
La Ville, V. I. & Tartas, V. (2010). Developing as consumers. In D. Marshall (Ed.), Understanding children as consumers (pp. 23-40). London: Sage. [ Links ]
Levine, R.V. (2003). The power of persuasion: How we're bought and sold. Hoboken, NJ: John Wiley & Sons. [ Links ]
Maddux, J. E. & Rogers, R. W. (1983). Protection motivation and self-efficacy: A revised theory of fear appeals and attitude change. Journal of Experimental Social Psychology, 19, 469-479. [ Links ]
Mastro, D. (2009). Effects of racial and ethnic stereotyping. In J. Bryant & M. B. Oliver (Eds.), Media effecs: Advances in theory and research (pp. 325-341). New York: Routledge Academic. [ Links ]
Mick, D. G. (2006). Meaning and mattering through transformative consumer research. Advances in Consumer Research, 33(1), 1-4. [ Links ]
Mick, D. G., Pettigrew, S., Pechmann, C. P., & Ozanne, J. L. (Eds.). (2011). Transformative consumer research for personal and collective well-being. New York: Routledge. [ Links ]
Mondini, L., Levy, R. B., Saldiva, S. R. D. M., Venâncio, S. I., Aguiar, J. A., & Stefanini, M. L. R. (2007). Prevalência de sobrepeso e fatores associados em crianças ingressantes no ensino fundamental em um município da região metropolitana de São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 23(8), 1825-1834. [ Links ]
Netto, C. S., Brei, V. A., & Flores-Pereira, M. T. (2010). O fim da infância? As ações de marketing e a adultização do consumidor infantil. Revista de Administração Mackenzie, 11, 129-150. [ Links ]
Oates, C., Blades, M., & Gunter, B. (2006). Children and television advertising: When do they understand persuasive intent? Journal of Consumer Behaviour, 1(3), 238-245. [ Links ]
Perloff, R. (2010). The dynamics of persuasion: Communication and attitudes in the 21st century. Nova York: Routledge Academic. [ Links ]
Pratkanis, A. R. (2000). Altercasting as an influence tactic. In D. J. Terry & M. A. Hogg (Eds.), Attitudes, behavior, and social context (pp. 201-226). Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum. [ Links ]
Pratkanis, A. R. (2007). The science of social influence: Advances and future progress. Nova York: Psychology Press. [ Links ]
Priya, P., Baisya, R. K., & Sharma, S. (2009). Television advertisements and children's buying behavior. Marketing Intelligence & Planning, 28(2), 151-169. [ Links ]
Sampaio, I. S. V. (2004). Televisão, publicidade e infância. São Paulo: AnnaBlume. [ Links ]
Siegel, S. & Castellan, N. J. (2006). Estatística não-paramétrica para as ciências do comportamento. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Sopory, P. & Dillard, J. P. (2002). The persuasive effects of metaphor: A meta-analysis. Human Communication Research, 28, 382-419. [ Links ]
Wänke, M. (2009). What's social about consumer behavior? In M. Wänke (Ed.), Social psychology of consumer behavior (pp. 3-18). New York: Psychology Press. [ Links ]
Zajonc, R. B. (1968). The attitudinal effects of mere exposure. Journal of Personality and Social Psychology, 9 (Monograph Supplement 2), 1-27. [ Links ]
Fabio Iglesias é Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília. Endereço: Universidade de Brasília, Campus Darcy Ribeiro, ICC Sul A1-110 Laboratório de Psicologia Social. Brasília/DF, Brasil. CEP 70900-100. Email: iglesias@unb.br 
Lucas Soares Caldas é Bolsista de Mestrado da CAPES no Programa de Pós-Graduação Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações na Universidade de Brasília. Email: lucas.soares.caldas@gmail.com.
Stela Maria Santos de Lemos é Bolsista de iniciação científica do CNPq, Universidade de Brasília. Email: stela.de.lemos@gmail.com.

Nenhum comentário:

Postar um comentário