Os indicadores de atividade econômica, nos primeiros meses de 2013, reforçaram o quadro de crescimento moderado que se observa desde meados do ano passado. O crescimento de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre do ano, em comparação ao trimestre imediatamente anterior, acabou ficando abaixo das expectativas. Porém, a variação em doze meses se acelerou — alta de 1,2% contra 0,9% no final de 2012 —, e os dados referentes ao mês de abril foram encorajadores: alta de 0,84% do índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) em relação ao mês anterior, na série dessazonalizada, e crescimento de 1,8% da produção industrial, na mesma base de comparação.
IPEA
IPEA
Introdução
Os diversos indicadores industriais levam a crer em uma expansãomoderada e ainda sujeita a flutuações ao longo do ano, mas com tendência positiva. A produção industrial acumula crescimento de 1,6% no período janeiro-abril, em relação ao mesmo período do ano passado, com expansão de 2,1% da indústria de transformação. O número da indústria geral só não foi melhor em virtude da retração de 6,5% da indústria extrativa mineral, reflexo, principalmente, da queda de produção de petróleo, evento que não deverá se repetir daqui por diante. É especialmente notável o desempenho do setor de bens de capital, cuja produção teve alta de 13,4% no período janeiro-abril. Embora este número deva ser visto com cautela, em vista da base de comparação atipicamente baixa, as taxas de crescimento mês a mês da série dessazonalizada também têm sido expressivas. Outros pontos positivos relacionam-se ao índice de difusão do crescimento industrial, que alcançou o nível mais elevado em dois anos, e o aumento firme do nível de utilização de capacidade instalada (Nuci) medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Além disso, os dados da Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salário (Pimes) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a produtividade da indústria voltou a crescer.
O ritmo de crescimento do PIB, entretanto, permanece abaixo do desejado, suscitando intenso debate acerca dos fatores que estariam contendo uma expansão mais acelerada da atividade econômica. Do lado da oferta, as empresas se deparam com um mercado de trabalho ainda apertado, tendo como consequência o aumento de custos da mão de obra e, provavelmente, também maiores dificuldades para encontrar pessoal qualificado. Isso poderia estar afetando, de maneira especial, a expansão do setor de serviços, tradicionalmente mais intensivo em trabalho. Não restam dúvidas também quanto aos problemas de infraestrutura, às questões de ordem regulatória e, sobretudo, ao nível ainda relativamente baixo da taxa de investimento no país. Quando se considera o desempenho de curto prazo, contudo, há que se enfatizar dois importantesfatores que atuam pelo lado da demanda: o cenário mundial, ainda marcado por crescimento pouco robusto e elevadas incertezas, e a perda de ímpeto do consumo, representada não apenas no crescimento mais baixo desse componente no PIB do primeiro trimestre, mas também na desaceleração das vendas no varejo.
O desempenho da economia mundial em 2012 foi moderado, com taxa de expansão inferior à observada no biênio 2010-2011 e também ao longo dos anos anteriores à crise financeira de 2008-2009. A maior solidez da economia dos Estados Unidos vem sendo contra-arrestada pela recessão persistente na Europa e por uma redução do ritmo de expansão da China, que aparenta ser permanente. O cenário projetado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) não indica grandes melhorias para 2013. Além disso, os fluxos totais de comércio internacional têm se mantido virtualmente estagnados, com variação inferior à observada no PIB mundial, algo de certa forma inédito nas últimas décadas. Esse quadro tem se mostrado especialmente desfavorável ao Brasil, em virtude da atual composição da pauta de exportações do país. Há relativamente poucos benefícios imediatos a serem obtidos com a recuperação do crescimento da economia dos Estados Unidos que, hoje, é um destino muito menos importante das vendas totais do país. Na verdade, o Brasil sofre frontalmente os efeitos negativos da desaceleração da economia chinesa e da recessão na Europa, no que tange às vendas de commodities (tanto pelo lado dos preços quanto pelas quantidades), e de problemas em mercados importantes da América Latina, como Argentina e Venezuela, quando se trata de manufaturados.
Os reflexos da situação mundial começaram a aparecer de maneira mais intensa nos números do balanço de pagamentos deste ano. O déficit em transações correntes do balanço de pagamentos alcançou mais de 4% do PIB no período janeiro-abril, respondendo a uma rápida deterioração do saldo comercial, que registrou déficit de mais de US$ 6 bilhões no período. É verdade que a maior parte esteve relacionada ao setor de petróleo, com queda da ordem de 50% das exportações (em virtude da redução da produção doméstica no período) e com o registro de cerca de US$ 4,5 bilhões de importações realizadas, efetivamente, no ano passado. Entretanto, já era esperada uma queda do saldo comercial em relação ao ano passado, em virtude não apenas do cenário mundial prejudicial às exportações, mas também da recuperação do crescimento das importações, respondendo ao crescimento da atividade doméstica.
A situação atual está longe de apresentar qualquer risco imediato para o equilíbrio externo, em vista da manutenção de vultosos influxos de capital, suficientes para financiar com folga o déficit, e considerando o volume elevado de reservas acumuladas. Nesse sentido, não se pode associar o movimento recente de desvalorização do real ante o dólar ao aumento do déficit; antes, isso reflete uma alteração da alocação do portfólio de investidores internacionais, em vista de uma possível modificação da trajetória de política monetária nos Estados Unidos, o que impactou as cotações das moedas em todo o mundo. Mas o fato é que são pequenas as chances de o país poder contar, nesse momento, com uma contribuição positiva do setor externo para alavancar o crescimento.
Com relação à trajetória do consumo doméstico, a pesquisa mensal de comércio (PMC) do IBGE mostra que, no período janeiro-abril deste ano, as vendas no comércio restrito cresceram 3,0%, contra mais de 8,0% ao longo de 2012, com desempenho especialmente fraco das vendas de supermercados e hipermercados, que tiveram variação nula no período janeiro-abril. A desaceleração foi menos expressiva no comércio ampliado, em virtude do bom desempenho das vendas de veículos (8,5% no ano) e de materiais de construção (7,8%). De qualquer modo, o índice de Confiança do Consumidor (ICC), da FGV, tem apresentado queda consistente desde o ano passado. Há que se destacar, ainda, que os níveis de estoque na indústria voltaram a subir, após um longo período de desacumulação durante o ano de 2012. Vale notar que a variação de estoques deu contribuição positiva e relevante ao PIB do primeiro trimestre, indicando aumento do volume de estoques no período, ao passo que, em todos os trimestres do ano passado, sua contribuição havia sido negativa.
Dois fatores podem estar pesando de forma decisiva no comportamento menos dinâmico do consumo. Primeiro, o nível já relativamente elevado de endividamento das famílias e de comprometimento da renda com o pagamento das dívidas. O crédito imobiliário é a única modalidade que continua crescendo a taxas expressivas, sendo provável que os indivíduos estejam dando preferência a essa modalidade (mais barata e de mais longo prazo) e limitando o endividamento para consumo. Segundo, a inflação persistente e disseminada, que reduz os ganhos reais de renda e aumenta o grau de incerteza, gerando um comportamento mais defensivo por parte dos consumidores. De fato, a inflação tem se mantido persistentemente acima do centro da meta oficial há bastante tempo e, nos últimos meses, voltou a encostar no teto da meta (6,5%), quando se considera a variação do índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulada em doze meses.
Havia a expectativa, no início do ano, de que os preços dos alimentos começassem a recuar de maneira mais intensa, refletindo a queda que ocorria nos preços ao produtor, mas o recuo foi, até o momento, menor do que se esperava. Em paralelo, os bens duráveis deixaram de ter impacto deflacionário e os serviços continuam apresentando variações da ordem de 8% a 9% anualizadas. Embora seja provável que haja alguma desaceleração da inflação no segundo semestre do ano, o balanço de riscos demonstra que não há muita margem para descompressão, até porque os preços administrados já vêm dando contribuição positiva, com variação em doze meses inferior a 2%. Há que se levar em conta, entre outras coisas, o possível repasse, ainda que pequeno, da recente desvalorização da taxa de câmbio.
Respondendo ao recrudescimento da inflação e procurando reafirmar o compromisso com o regime de metas para a inflação, o Banco Central do Brasil (BCB) iniciou um ciclo de aperto monetário, anunciando aumentos da taxa básica de juros nas duas últimas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), levando a taxa para 8,0%. A decisão reflete também o reconhecimento das limitações da política monetária como instrumento impulsionador do crescimento econômico no atual contexto, fato que havia sido citado em ata anterior do Copom. O papel de estimular a atividade econômica ficou reservado, então, para a política fiscal.
É nesse sentido que se devem interpretar as recentes alterações na legislação pertinente aos orçamentos de 2013 e 2014 anunciadas pelo Ministério da Fazenda (MF), na direção da atenuação do esforço fiscal. As mais importantes foram o aumento do abatimento de R$ 45,2 bilhões (ou 0,9% do PIB projetado) para US$ 65,2 bilhões (ou 1,3% do PIB) da meta “cheia” de R$ 155,85 bilhões (ou 3,1% do PIB), com o intuito de financiar os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Programa Brasil Sem Miséria (BSM) e parte das desonerações tributárias anunciadas pelo governo; e a retirada da obrigatoriedade de o Governo Central compensar a não realização da meta de resultado primário prevista para os estados, Distrito Federal (DF) e municípios, objetivando abrir espaço para que os entes subnacionais realizem maiores investimentos públicos.
Na verdade, o segundo semestre de 2012 já fora marcado por algum expansionismo fiscal, em virtude, principalmente, do baixo crescimento das receitas públicas, visto que não houve nenhum crescimento excepcional das despesas. A maior parte do crescimento dessas últimas esteve relacionada às transferências de assistência e previdência social, uma prioridade absoluta do atual governo. O comportamento das receitas, por sua vez, resultou do fraco crescimento da economia e das seguidas desonerações tributárias. Nesse cenário, o cumprimento da meta cheia de superávit primário implicaria a reversão das desonerações, a criação de novas fontes de receita ou uma forte retração de despesas de investimento público. Considerando a premência de acelerar as obras de infraestrutura e temendo os possíveis efeitos contracionistas da elevação de impostos, o governo optou por reduzir a meta efetiva de superávit primário, considerando também que tal redução teria impactos pouco relevantes sobre a trajetória da dívida líquida do setor público (DLSP).
Essa opção tem sido alvo de críticas da parte de alguns analistas, por dois motivos: primeiro, porque a interpretam como um relaxamento do compromisso fiscal do país, com possíveis efeitos negativos sobre a confiança dos investidores; segundo, porque consideram que isso estaria em contradição com a política monetária, dificultando o controle da inflação. Além disso, questiona-se até que ponto este afrouxamento fiscal será eficaz para acelerar o crescimento. A justificativa para essa opção seria não haver nenhum grande desequilíbrio estrutural no sistema econômico e que é possível realizar um ajuste gradual da inflação sem sacrifício do crescimento e, principalmente, do emprego e da renda real. Os indicadores dos próximos meses permitirão um melhor diagnóstico da situação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário