Teorias do totalitarismo e Guerra Fria
A palavra “totalitarismo” e suas distintas – mas sempre aparentadas – concepções são parte indissolúvel da “guerra fria”. Surgidas conforme proliferavam regimes ditatoriais na Europa – do fascismo na Itália ao nazismo na Alemanha, do franquismo na Espanha ao salazarismo em Portugal, entre outros –, se estenderam à União Soviética, no mecanismo essencial de igualar nazismo e comunismo, todos amalgamados sob o conceito de regimes totalitários.
Emir Sader
Emir Sader
Conceitualmente a categoria não se sustenta. Busca passar a ideia da existência de regimes não permeados por contradições, de tal maneira que fechariam-se todos os espaços sociais e políticos para conflitos. Era uma forma de exacerbar o vocabulário, diante de fenômenos para os quais o pensamento social ainda não tinha formas de compreensão.
O surgimento de regimes radicais de direita, com ativo apoio popular, surpreendia escolas de pensamento ancoradas na Revolução Francesa e nos movimentos populares que a sucederam – especialmente 1848 e a Comuna de 1871 –, em que a direita estava representada pelo velho regime, com pensamento conservador, de restauração e contra as ideias novas e radicais de democratização que surgiam. As bases sociais da direita eram oligárquicas, aristocráticas, enquanto os novos movimentos se apoiavam diretamente nas novas camadas populares, surgidas com a emergência do capitalismo, a expansão do comercio e o surgimento da industrialização.
Esses estereótipos foram surpreendidos com a aparição de regimes de direita com forte apoio popular. Ao não conseguirem dar conta da sua natureza, radicalizaram as palavras, chegando à ideia hiperbólica do totalitarismo.
Uma função essencial das teorias do totalitarismo foi a de identificar o nazismo e o comunismo como tipos similares de regimes, suposto essencial da Guerra Fria. Na concepção ocidental, o inimigo fundamental do mundo seria o totalitarismo. Primeiro se teria derrotado o totalitarismo nazista, em seguida o combate se daria contra o totalitarismo comunista (vencido este, a luta se voltou contra o totalitarismo islâmico).
O requinte dessa assimilação entre regimes de extrema direita e de extrema esquerda chegou ao calculo demográfico segundo o qual o nazismo e o comunismo teriam matado a mesma quantidade de milhões de pessoas.
O campo teórico proposto pelas teorias do totalitarismo teria, como desdobramento, a exaltação da “democracia”, no seu modelo liberal, como exemplo de liberdade – categoria à qual se opõe o totalitarismo.
As teorias do totalitarismo revelaram seu caráter estritamente ideológico, incapaz de dar conta dos fenômenos concretos, com o termino da URSS como resultado de suas próprias contradições internas – mesmo que aguçadas do exterior –, confirmando que não há sociedades sem espaços de contradições internas.
A incapacidade de compreender as formas de regimes ditatoriais com apoio de massas surgidos na Europa a partir da década de 1920 , como produto da própria crise do capitalismo – intensificada pela crise de 1929 – é que levou ao apelo às teorias do totalitarismo, que funcionaram como peças de propaganda do bloco imperialista durante a Guerra Fria.
Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano.
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