quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Roda Viva se tornou um boteco de conservadores


Roda Viva se tornou um boteco de conservadores

Frases como “não há expoente maior da esquerda que Fernando Henrique Cardoso”, do ex-ministro do STF nos dois anos Collor, Francisco Rezek, mostram - e resumem - que matiz assumiu o programa da TV Cultura. O programa se tornou uma espécie de cobertura ao vivo, fora do horário comercial, das mais conservadoras redações.
São os embates entre pressupostos críticos que dão luz a um debate, e é esta a grande perda do programa Roda Viva desde a entrada de Augusto Nunes. A condução de Nunes não chegou nem ao seu décimo programa e já foi suficiente pra tirar qualquer dúvida que se possa ter sobre a nova conformação do Roda Viva.

Frases como “não há expoente maior da esquerda que Fernando Henrique Cardoso, enquanto outros propugnavam por salários melhores e ditaduras de outra natureza”, do ex-ministro do STF nos dois anos Collor, Francisco Rezek, mostram - e resumem - que matiz assumiu o programa da TV Cultura. Já desde a saída de Mario Sergio Conti, ilustrado e aristocrático, mas muito mais contido ideologicamente, o programa se tornou uma espécie de cobertura ao vivo, fora do horário comercial, das mais conservadoras redações.

Estadão, Folha, Veja, todos na bancada. O debate vai se suavizando e se transforma numa conversa casual, um papo entre amigos. Rigor dá lugar ao mais maniqueísta achismo, um boteco televisionado.

Espionagem americana: nada de novo no front, nós que entendamos o consolidado modo de fazer política no mundo, disse o jurista Rezek. Bolívia e o senador exilado: sentimento de orfandade dos diplomatas explica o impulso de Eduardo Saboia. A capa do supremo parecia estar ainda nas costas do ex-ministro, mas a capa quem pôs não foi o próprio ministro. Indulgentes a todas respostas, os entrevistadores pareciam completar-se, consolidavam suas opiniões e nada mais. O ex-ministro tem um fortíssimo vício: a mais habitual e deteriorada “social-democracia” neoliberal.

E como um bom social-democrata brasileiro - com todas as suas ideias fora do lugar - não questiona seu tio favorito. Os Estados Unidos nada mais fazem do que é habitual, segundo o ex-ministro, cabe a quem espionar o mérito de não ser pego, isto é, nada passa de uma questão de competência. Qualquer tentativa de criar uma lei internacional que queira dar cabo dessas intromissões, sempre segundo o jurista, é ridiculamente ingênua.

O contra-argumento de que agora as cartas estão na mesa e por isso é melhor que assim seja, não passa de ingenuidade: o mediador usa os termos que cunha em suas colunas, a bancada endossa e mais: o entrevistado concorda. As contradições não se expressam, porque não há contradição. O centro reproduz as beiradas.

A maior questão está, no entanto, na constante pauta conservadora do programa, o que antes chegava no pluralismo formal (também ruim e insuficiente) mas competente de Mario Sergio Conti, hoje chega em níveis absurdos de parcialidade panfletária. 

A tevê pública tomou forma como espelho do velho mercado conservador que não caduca nunca. A perda do Roda Viva não foi só pela falta de competência de quem agora media as perguntas da bancada e respostas do entrevistado, mas também porque o programa não esgarça qualquer questão. O diagnóstico conservador perpassa todos os momentos do programa, até mesmo as perguntas mais diretas, "o senhor é a favor do embargos infringentes?", são interrompidas por postulados arrogantes. O jurista não se mostra a favor ou contra, não o deixam, não se faz questão de nada novo. Fizeram o mesmo com Miguel Reale Jr (no programa de estreia de Nunes), quando citou o caso do mensalão tucano e nada de lá foi extraído, nem mesmo a presença de Raimundo Rodrigues Pereira conseguiu dar ânimo às controvérsias da Ação Penal 470.

Desde a seleção cuidadosa de quem estará no centro da roda até a bancada estupidamente unânime o programa se transforma no espaço de moralização e superfície.

Caio Sarack é estudante de filosofia na USP e estagiário da Carta Maior.

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